“Talvez eu seja um urso colorido”, sustenta o artista Andrei Bessa sobre si. Esse pensamento foi apenas um dos estalos que o levou para sua pesquisa, que mais tarde ganharia voz no espetáculo “Urro”. A montagem, que aborda sua experiência pessoal como um homem gordo na comunidade queer, será apresentada pela primeira vez no Brasil nesta terça-feira, 5, no Cineteatro São Luiz.
A afirmação citada anteriormente vem após sua experiência na comunidade gay autodenominada “ursos”. Andrei conta que pessoas gordas são geralmente “excluídas nos espaços de convivência” e é a partir disso que surge a “tribo”, formada por homens gordos e com bastante pelos e barba.
Mas o artista não encontrou sua representatividade nesse espaço, visto que o movimento reforçava a masculinidade normativa e seus aspectos negativos, não dialogando com quem ele era. Os questionamentos surgiram e habitaram sua mente, que tentava entender e compreender onde se encaixaria.
“Tá, para os gays eu sou urso, mas talvez eu seja um que gosta de usar saia, que gosta de usar cores fortes, purpurina, maquiagem. É quando começo a me perguntar se talvez eu seria um urso-unicórnio e que, para sobreviver nessa comunidade, precisava inventar a minha metodologia”, detalha Andrei sobre seu processo de percepção.
Em 2016, iniciou essa pesquisa dentro do coletivo que integra, o “Inquieta”. Sua participação no grupo é outro ponto destacado por ele, já que há 20 anos trabalha com coletivo, não sozinho. “Nunca tinha olhado para mim, para meu corpo e para minha individualidade”, conta.
“Utilizo dessas pesquisas que venho em coletivo e passo a investigar toda essa percepção que tenho do meu lugar no mundo como um gordo, gay, colorido, com traços femininos e ainda assim um corpo cis, masculino. É um pouco de uma discussão sobre outras masculinidades”, explica.
Assim nasceu o "Urro". Um espetáculo de dança que conversa com a performance e o teatro contemporâneo, e discute sobre outras masculinidades, experiências e questões pessoais de um corpo, como uma biografia, misturando dois animais completamente distintos, um visto como dócil e outro feroz.
O artista busca, ao usar o urso e o unicórnio, se utilizar da imaginação da plateia para estabelecer um diálogo entre eles, mesmo que ela não conheça o contexto do movimento gay e da comunidade dos Ursos. “Ainda que seja um solo, existe uma responsabilidade coletiva. Essa figura é fabulada não apenas por mim, mas por todos que estão presentes, às vezes de maneira direta ou de maneira subjetiva”, afirma ele.
Andrei conta que o público de Portugal que acompanhou as apresentações anteriores, embarcaram em sua proposta, se envolvendo e debatendo sobre a temática em conversas no pós-espetáculo. O artista define como “importante para esse trabalho” essa participação.
Esse envolvimento entre espectadores e obra deixa o artista ansioso para sua apresentação em Fortaleza. Apesar de ter se apresentado outras vezes na capital, essa é a primeira vez que fará sozinho e apresentando uma história íntima. Ele revela que no meio de suas emoções também existe o sentimento de saudade de retornar aos palcos cearenses, pois sua última apresentação no Estado foi antes da pandemia
Ele reconhece a participação da classe artística do Ceará nas discussões na comunidade LGBTQIAP+, e que sua performance vem para acrescentar mais camadas” nelas. Mas ele também afirma que existe mais um ponto importante que a obra deve trazer para o cenário artístico cearense:
“Mostrar que não dá para categorizar a arte só por ser uma arte que fala da temática queer ou gay. Mostrar que há uma diversidade muito grande e que, para muito além dessa questão identitária, existem questões subjetivas”, pontua.
Todo esse misto de emoções e discussões a serem tratados na apresentação que fará na cidade, e com um assunto também pessoal, emocionam ele. “Tem muita coisa que estou trazendo a público pela primeira vez. Então, a uma felicidade e uma ansiedade para dar a voz ao que durante muito tempo eu acreditei ser a fragilidade do meu corpo e, na verdade, é a força e a potência de criação”, declara.
Essa será a única apresentação do espetáculo no País, pois ele voltará para Lisboa para continuar sua pesquisa e fazer outras exibições da montagem. Ele acredita que o estudo “nunca será finalizado”. “Ela vai sempre encontrar uma outra forma e um outro formato”, projeta Andrei Bessa.
"Urro": solo de Andrei Bessa
Todo mundo tem uma história de medo para contar e o sobrenatural é parte da vida de cada um ou das famílias. Alguns convivem com o assombro das manifestações ou rezam para se libertar das experiências inesperadas. Saiba mais sobre “Memórias do Medo” clicando aqui