O nascimento da arte a olho nu é o que propõe o live painting, modalidade de criação na qual o artista produz obras de arte em espaços públicos com contato direto com o público. Na ousadia da proposta, Dhiow e Beija Aragão, artistas visuais de Fortaleza, pincelaram nas paredes da Escola Porto Iracema das Artes. Com tinta dos pés à cabeça, os artistas visuais relataram a experiência de criar arte com o olhar alheio e retratar os 10 anos da escola.
"As pessoas ficam olhando e acompanhando as etapas do desenho acontecendo. Normalmente o processo é uma coisa meio íntima. Todos os artistas visuais trabalham em espaços internos e sozinhos. Eu, por exemplo, sempre gosto de estar sozinho e esqueço do que está ao meu redor quando produzo. Mas é legal as pessoas passarem perguntando, curiosos, até ver o processo acabar. Acaba me instigando a experimentar também", explica o artista Beija.
A artista Dhiovana Barroso - conhecida como Dhiow - conta que a obra pensada por ela e por Beija reflete nas vivências de corpos fora do padrão e evidencia o passar dos anos do equipamento cultural.
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"As nossas artes falam muito sobre o nosso corpo, sobre como ser artista vivendo nesse corpo dissidente. Esse trabalho fala sobre recebimentos, descobertas e renascimentos. Como esse corpo renasce, como esse corpo transmuta e como a transmutação faz parte desse lugar da descoberta", aborda a artista Dhiovana Barroso - conhecida como Dhiow.
"O fato de ter uma pessoa trans e uma pessoa negra fazendo um desenho no espaço como Porto já é uma perspectiva de quebra de padrão, principalmente nas artes visuais. Esse espaço é muito ocupado por pessoas brancas que já têm acesso à arte. As pessoas vão passar por aqui e vão conhecer nosso trabalho. Vão pesquisar e entender que vem de duas pessoas dissidentes", pontua Beija.
Com experiência no live painting, Dhiow já produziu em diversos lugares do País. A artista ainda ressalta que em cada lugar a recepção do público é diferente. "Eu já fiz live painting em São Paulo e é muito diferente do que fazer no Ceará. Aqui as pessoas questionam mais, perguntam se tá tudo bem com sol quente, oferecem água e tudo", explica.
A artista Rosana de Brito esteve presente no processo de execução da obra e ressaltou o impacto de ações como essa. "É muito bonito ver a arte nascendo. Aqui vi o trabalho dos artistas nascendo e aprendi um pouco a mais de técnica, mas também observei o entorno, as pessoas passando curiosas, parando, tirando foto. Tudo isso é um aprendizado que posso incorporar quando eu mesma produzo meus desenhos e entender que fazer arte não é solitário", comenta.
Nos muros da cidade, também estão os trabalhos em live painting da artista Indja. Das etnias Kariri e Payacús, a muralista retrata em suas obras o fenótipo afro-brasileiro em uma reconexão com sua ancestralidade. Em suas produções, Indja defende os receptores de sua arte como prioridades e que é apenas um canal para mostrar seus antepassados.
"A pintura mural permite que você tenha acesso ao público, que você troque com o público, que você ouça o público e esteja presente naquele espaço que está em construção. O live painting permite que eu faça a pintura e ainda assim tem uma conversa. Tem um diálogo com o público que para mim é o mais importante. Então, eu vou fazendo essa construção junto do público explicando quais os meus passos e também dando espaço para que eles me ouçam e muitas vezes até me ajude na pintura", narra a artista.
Indja conta que ainda elabora um esboço antes de iniciar suas obras, mas ressalta que a conexão e a energia do local onde vai pintar refletem a elaboração do seu trabalho, o que chama de "construção espiritual energética". "Eu tento ter essa conexão com a pessoa dona do espaço em que eu vou pintar quanto o próprio espaço. Então vai sair tudo muito intuitivo, vai depender muito de onde é o local. Quais são as crenças da pessoa. Tudo isso vai intervir muito na construção do trabalho", defende.
Desde 2018, a artista pincela o que fora apagado pela história e transfere conhecimento com suas tintas e traços. Transpassando o cotidiano, a proximidade de Indja com a técnica se concretiza em um projeto fixo de suas obras."Eu tenho um projeto que se chamado 'Mural de Ancestralidades', direcionado a um campo mais do ensinar a técnica ou da construção da composição do trabalho, em que eu faço a pintura mural em live painting e eu vou fazendo um processo de construção desse trabalho, quais os símbolos vão ser usados e porque eles estão sendo usados", explica.
Beija Aragão
Beijamim Aragão é artista visual transmasculino e realizador audiovisual. Estuda licenciatura em Artes Visuais na Universidade Estadual do Ceará (Uece). Nas ilustrações, Beijamim aborda suas memórias e a vivência de seu corpo transmasculino como ponto de partida para contar histórias do seu cotidiano, que são delineados por sua infância no interior do Ceará e seu forte contato com a natureza. Em 2022, Participou do 73º edição do Salão de Abril com seu trabalho "Autorretrato Caiçara". Já foi publicado na Revista Transviades e na Revista Nerva, além de já ter participado do Festival Ponte Entre Nortes e da Exposição TransEspécie no Museu Transgênero de História e Arte (Mutha Brasil).
Dhiovana Barroso (Dhiow)
Dhiovana Barroso é cearense. A artista é formada em Jornalismo e estudante de Artes Visuais no Instituto Federal do Ceará. Desde 2013 atua como artista visual com uma obra autobiográfica que passa pelo seu corpo, celebrando suas ancestralidades e raízes através de diversas técnicas. Faz parte do coletivo Terroristas del Amor desde 2018. Em 2022, foi contemplada com o 8° Prêmio Tomie Ohtake de Artes. No mesmo ano, sua obra "capim-santo", entrou para o acervo do Museu de Arte Contemporânea do Ceará. Ainda em 2022, participou das exposições "Negros na Piscina" e "Se Arar", na abertura da Pinacoteca do Ceará. Foi residente do Laboratório de Artes Visuais do Porto Iracema das Artes.
Indja
Indja nasceu em 1996. É indígena das etnias kariri e Paicus. LGBTQIA não binária. Artista das Artes integradas. É muralista, performer, pintora, cantora, produtora cultural, fotógrafa, DJ, e tem experiência com diagramação de livros e catálogos com base nas poéticas visuais. Residente na cidade de Juazeiro do Norte (CE), no Cariri, desde criança. Graduada no curso de licenciatura em Arte Visual na Universidade Regional do Cariri (Urca). Atuante como uma das participantes do Centro de Artes - 'Quebrada Cultural' - casa de cultura constituinte na Comunidade do Triângulo em Juazeiro do Norte.
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