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Vídeo performance reflete sobre a memória de corpos negros
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Vídeo performance reflete sobre a memória de corpos negros

Memorando uma personalidade marcante das ruas do Centro de Fortaleza, "Itinerário de uma história soterrada" reflete sobre corpos negros e sua história em Fortaleza
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Misturando passado e presente, o vídeo perfomance
Foto: Sérgio Lima/Divulgação Misturando passado e presente, o vídeo perfomance "Itinerário de uma história soterrada" traz reflexões sobre ancestralidade e narra a vida de "burra-preta"

“Burra-preta” foi uma personagem que marcou o Centro de Fortaleza na década de 1970 com sua presença diária. Poucos, porém, são os registros documentados sobre ela, tendo em maior peso o poder da oralidade para guardar essa história. Performando seu rotineiro trajeto, o vídeo “Itinerário de uma história soterrada” resgata a memória desse nome e reflete sobre registros historiográficos em suas duas sessões de exibição.

A primeira está marcada para acontecer nesta sexta-feira, 15, na escola Porto Iracema das Artes, a partir das 19 horas, e a segunda para o sábado, dia 16, no Centro Cultural Bom Jardim, às 17 horas. Junto com a exibição, uma roda de conversa pretende debater as questões levantadas sobre o apagamento da ancestralidade em registros históricos.

A fagulha que levou a criação do material começou após o término do mestrado do sociólogo Lucas Vidal. A curiosidade era estudar sobre as histórias negras que desenham o mapa da Capital, mas que não possuem registros documentados que facilitem a propagação dessa ancestralidade. Foi em um grupo de estudos que conheceu essa personalidade do Centro e iniciou sua pesquisa para o doutorado.

Mas quem era, afinal, Burra-preta? Seu nome, na verdade, era Raimundo: um homem preto, descrito como afeminado, com um corpo grande e a marcante característica de um quadril largo e redondo. Transitava pela Praça do Ferreira e a dos Leões, sem trocar uma palavra com qualquer outro pedestre, mas escutando esse “apelido” ser gritado por muitos.

A alcunha destinada a ele pode ser explicada por diversas interpretações, segundo Lucas. A que se mostrou mais presente, aparecendo em todos os relatos orais que escutou e nos registros que leu, é a que envolve a cor da pele dele. “Temos ali um elemento muito forte do racismo, classificando e animalizando aquele corpo”, pontua.

“Mas outras explicações são dadas. O tamanho da bunda - que é uma coisa muito ressaltada em todas as entrevistas e relatos -, o corpo dele. O jeito que ele andava um pouco para frente. São alguns dos elementos que as pessoas utilizam para justificar o apelido”, explica. “Não chamavam ele de cavalo preto, por exemplo, porque ele tinha um jeito afeminado. Aí também entra a questão do gênero”, continua.

Mesmo mapeando todo esse registro sobre Raimundo, o vídeo não tem o objetivo de ser biográfico. Apresentará, sim, ele, mas usando seu itinerário para abordar uma discussão mais profunda. “Traz informações dessa existência do Raimundo, para além do apelido Burra-preta, mas também traz uma provocação estética sobre a dignidade das memórias negras de Fortaleza. Como elas precisam ser tratadas, pesquisadas”, detalha.

“Tentei trazer uma reflexão sobre como estamos construindo nossas referências, em que lugar procuramos essas histórias. É muito mais uma reflexão direcionada para os meios de produção historiográfica de Fortaleza”, afirma Lucas.

Utilizar essa história e se aprofundar nela é também, para ele, furar o “olhar colonial sobre corpos negros difunfido na existente historiografia de Fortaleza”. A naturalização e perpetuação de um “apelido”, que desumaniza um corpo preto, apenas reforça o ambiente colonial que ainda marca as ruas da cidade.

Dando forma a essa ideia, o vídeo refaz o trajeto de Raimundo, ditado pelos relatos colhidos. Além da caminhada, interações do artista com pessoas da Praça do Ferreira, entregando panfletos sobre o burra-preta serão exibidas. “Gerou uma interação muito forte. Alguns mais velhos chegavam dizendo ‘Ah, lembro dele aqui sim. Ninguém sabe para onde ele foi’. Sentimos que essa memória ainda tem muita força naquele espaço”, conta o sociólogo.

Ao longo da produção, acontece uma montagem de figurino que remete ao Maracatu, forte expressão cultural do Estado. Lucas explica que a ligação foi feita devido a uma característica comum entre os entrevistados: a maioria fazia parte do movimento. Desta forma, o Maracatu se apresentou durante a investigação do pesquisador como um grande preservador dessa memória.

Mas nem integrantes desse movimento ou os acervos sobre a cidade revelaram o que aconteceu com Raimundo, assim como também não contam sua origem. O desejo do doutorando é achar futuramente essas respostas com o estudo que ainda continua em andamento, acabando com a incógnita.

“A esperança é que no desenvolvimento da pesquisa, à medida que formos aprofundando, essas informações apareçam. A ideia é não parar agora, é continuar esse caminho através de outras linguagens, pesquisando em outros acervos”, finaliza.

Itinerário de uma história soterrada

  • Quando e onde: Dia 15, às 19 horas, na Escola Porto Iracema das Artes (rua Dragão do Mar, 160 - Praia de Iracema)
  • Dia 16, às 17 horas no Centro Cultural Bom Jardim (rua 3 Corações, 400 - Granja Lisboa)
  • Entrada Gratuita
  • Instagram: @intinerariop

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