Em 2014, reportagem especial sobre os 15 anos do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC) registrou "certo vazio urbano" ao redor do Centro Cultural. "Ruas mal iluminadas, imóveis desocupados, calçadas mal cuidadas e paradas de ônibus isoladas são algumas das marcas do entorno. Esses problemas têm como consequência a falta de integração entre o Dragão do Mar e outros equipamentos (Estoril, por exemplo), concentração de usuários de drogas, entre tantos outros reveses", caracterizou O POVO há quase dez anos.
Em janeiro de 2001, pouco menos de dois anos após a inauguração oficial do equipamento, O POVO registrava a realização do Pacto pela Requalificação Urbana e Dinamização do Entorno do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. O evento reuniu 73 pessoas de diversas entidades para discutir o tipo de ocupação urbana e entretenimento que estava sendo praticado na área circunvizinha ao Dragão do Mar.
No período, Fausto Nilo, arquiteto responsável pelo projeto do equipamento, já relatava a necessidade de políticas urbanas que pudessem "dirimir a flagrante poluição sonora, a falta de estacionamento e de segurança na área". "Só assim a convivência se tornará harmônica", pronunciou há mais de 20 anos.
De fato, a "harmonia" citada pelo arquiteto nunca deixou de estar em pauta ao longo de mais de duas décadas de funcionamento do Dragão do Mar. As passagens temporais elencadas acima não são desconectadas entre si. Afinal, os anos mudaram, mas um assunto perdura quando se trata do centro cultural: o seu entorno.
Essa "eterna entidade" abriga discussões complexas que se mantêm até hoje. O Dragão do Mar não se encerra no equipamento em si, pois afeta a área ao seu redor, incluindo bares, a Praça Almirante Saldanha e as comunidades vizinhas, como a do Poço da Draga.
Ao longo dos anos, os relatos sobre o entorno envolveram questões como especulação imobiliária, falta de policiamento, insegurança, presença massiva de ambulantes, poluição sonora, sujeira, mau cheiro, iluminação e falta de diálogo com bares e restaurantes. Um dos reflexos dessas problemáticas foi, por exemplo, o fechamento de estabelecimentos do entorno que ajudaram a consolidar a aura boêmia do local.
Os problemas relatados contribuíram para a sensação de esvaziamento do Dragão do Mar, contrastando com a continuidade de programações oferecidas pelo próprio equipamento. As demandas também exigem ações de outras partes. "O Dragão é um centro cultural, não é responsável pela política de ocupação do bairro onde está situado", disse em 2007 ao O POVO o então secretário da Cultura do Estado, Auto Filho. Um trabalho conjunto, portanto, deve ser capaz de auxiliar o CDMAC na relação com seu entorno.
No segundo episódio da reportagem sobre o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, que compõe a série Raio-X dos Equipamentos Culturais, OP se debruça sobre o entorno do espaço cultural. Feita a navegação pelas situações registradas no histórico do Dragão do Mar, quais são os principais desafios resgatados sobre o entorno do centro cultural em 2023?
Para identificar esses pontos, a atual gestão conta com um Núcleo de Articulação Territorial (NAT), elaborado para estruturar e conduzir planos de cuidados para o CDMAC e seu entorno. Um dos pontos é sobre a acessibilidade no entorno. Após visita técnica com a vice-prefeitura e com pessoas com deficiência que compõem a equipe do Dragão do Mar, foram mapeados os pontos de acesso ao equipamento que precisam de intervenções. Um dos aspectos é a necessidade de dispositivos sonoros que guiem essas pessoas quando o sinal estiver verde, além de o piso da calçada estar no mesmo nível da faixa de pedestre.
As ações do NAT incluem mapeamentos, reflexões e estratégias para "sanar necessidades que o território demanda", em um trabalho desenvolvido de forma integrada à programação cultural. Em março, por exemplo, o IDM e o CDMAC, em parceria com a rede Iracema Território Vivo, realizaram o primeiro encontro com a população em situação de rua no entorno do complexo.
Um lar para a boemia
Os arredores do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura são casas também para bares, restaurantes e boates. Entretanto, com o decorrer do tempo passaram a ser vistos como resistentes aqueles estabelecimentos que conseguiam permanecer. Afinal, não foram poucos os empreendimentos que encerraram suas atividades no entorno do centro.
O mais recente deles foi o Chopp do Bixiga, na própria Praça Almirante Saldanha, que fechou as portas em 30 de abril. Um dos bares mais populares do entorno do Dragão, o estabelecimento funcionou durante 25 anos. Antes dele, o Órbita Bar havia finalizado sua trajetória em 2021.
Em um tempo não tão distante, em 2017, o Amici's Bar e o Buoni Amici's Pizzeria também haviam anunciado os seus fechamentos. Espaços como o Hey Ho Rock Bar, Bar da Esquina, Ritz Café, Acervo Imaginário Bar Cultural, Domínio Público e N0is3d Club também não resistiram.
Um centro cultural e as comunidades
Quando se discute sobre o entorno do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, muito se debate a respeito das vias urbanas que circundam o equipamento e das estruturas físicas que o acompanham - como questões ligadas à praça e à iluminação pública.
Entretanto, é necessário abordar também as vias simbólicas e de pertencimento que preenchem o espaço. Em uma caminhada de poucos minutos do CDMAC em direção à Praia de Iracema é possível encontrar a comunidade do Poço da Draga, que há 117 anos preserva uma memória coletiva de resistência.
Originada após a inauguração do primeiro porto de Fortaleza, a comunidade tem seus habitantes conectados em grande parte por relações parentais. A história do Poço da Draga é marcada pela resistência em meio a períodos de falta de assistência em pontos de infraestrutura e de saúde, além das requisições por espaços culturais.
Há 24 anos surgiu na região o maior equipamento voltado à Cultura. Como conta o geógrafo Sérgio Rocha, morador do Poço da Draga, a comunidade estava em um contexto de política habitacional de impacto direto sobre as moradias quando o CDMAC foi inaugurado. Ele lembra que existiam propostas de intervenções na região "com a suposta leitura de um centro de eventos que correspondia à área do Poço da Draga".
Segundo Serginho (como também é chamado), houve até maquete de um conjunto habitacional a ser construído nos arredores, alcançando os quarteirões entre as ruas Dragão do Mar, Senador Almino, Almirante Barroso e Almirante Jaceguai. A estrutura teria blocos de apartamentos, creche e posto de saúde.
Acontece que entre 1998 e 1999 o Poço da Draga estava "em um contexto singular de mudança de paradigma": "Estávamos já consolidados em se tratando de melhorias estruturais das casas, as quais estavam quase na sua totalidade em alvenaria com reboco. A maior parcela de chefes de família estava trabalhando tanto formal como informalmente".
Ele relata que muitos moradores trabalharam nas etapas de limpeza e finalização dos detalhes de acabamento do CDMAC, mas não houve "assimilação de corpo massivo para integrar o equipamento" na época.
Atualmente, há moradores trabalhando em atividades de recepção, gestão, como técnicos de som e de iluminação, estagiários e na parte administrativa. Quanto ao lado informal, Sérgio relata vários moradores trabalhando com venda de bebidas e alimentos na praça.
O Dragão, a Draga e a vizinhança
Nos últimos meses, o complexo cultural tem agido de modo a se aproximar mais das comunidades circunvizinhas ao CDMAC. Em abril, foi realizada apresentação da nova gestão e do Núcleo de Articulação Territorial (NAT) com as comunidades Graviola, Goiabeiras e Moura Brasil, além do Poço da Draga.
No mesmo mês, houve contato mais próximo do centro com a comunidade de pescadores do Mucuripe. Foi realizada uma homenagem aos trabalhadores do mar por meio da exposição Retrato de Mestre, tanto com ida na comunidade para o registro das fotos quanto com a recepção dos pescadores no CDMAC.
Em maio, foi promovida a exposição "Poço de Operários". A mostra reuniu 30 lambes com o objetivo de retratar residentes do Poço da Draga. A abertura foi marcada por um circuito guiado entre as vias e ruelas da região com Sérgio Rocha.
Em junho, também foi organizado um encontro entre as lideranças, os equipamentos do CDMAC e outras estruturas da Rede Pública de Espaços e Equipamentos Culturais do Estado do Ceará (Rece). Tais movimentos exemplificam o gesto do complexo de buscar o fortalecimento das relações com as comunidades.
De acordo com Sérgio Rocha, as principais demandas do Poço da Draga atualmente em relação ao Dragão do Mar envolvem a criação de um espaço dedicado à história da região, com ênfase na própria comunidade e também no antigo porto. "Temos também inquietação sobre a área de serviços que poderiam ser estruturadas e padronizadas ao passo de serem oferecidas aos empreendedores da comunidade, como o comércio de alimentos e bebidas e artesanato".
O geógrafo também indica como pontos a serem melhorados na relação do CDMAC com as comunidades do entorno " a formação de profissionais nas áreas da Arte e da Cultura", a assimilação de atividades periódicas da cultura local como manutenção da cultura popular (reisado, quadrilha, Carnaval, tertúlias, brincadeiras e jogos) e "destinação de orçamento para o fomento de jovens artistas".
Questionado sobre o que representa ter um equipamento cultural próximo à comunidade, Sérgio afirma: "Para mim, significa uma forma de integrar equitativamente a cidade com um segmento que muitas vezes é chamado de precário, quando na verdade é desassistido e estigmatizado através do estereótipo de lugar perigoso".
"No que tange a minha postura em relação à significação do equipamento como uma forma de gerar entusiasmo, de pertencimento, de interação e atuação direta no campo das artes (para contribuir com a cidade em termos de civilidade e respeito às mais diversas formas de expressão humana), não consigo ver como problema. Porém, em se tratando de vontade política e políticas públicas voltadas à inclusão cultural e voltada exclusivamente para o segmento mais abastado e o segmento econômico do turismo, torna-se um equipamento que segrega através da postura de seus gestores", opina.
Uma praça, muitas demandas
Inevitavelmente, é preciso abordar a praça na qual se insere o Dragão do Mar, visto que são diversas as queixas relatadas ao longo do tempo sobre sua manutenção. Em abril, o NAT realizou um encontro com representantes da Regional XII da Prefeitura de Fortaleza para tratar sobre necessidades de melhorias em questões como iluminação, ordenamento de ocupação, limpeza e manutenção na Praça Almirante Saldanha. O local é alvo de constantes críticas sobre sua estrutura.
De acordo com Helena Barbosa, houve, sim, um movimento de limpeza, de cuidados e de lavagem nos últimos meses, mas, para a superintendente, é necessário tornar essas ações “uma frequência”, e não apenas realizá-las nos dias dos eventos. Com o passar dos anos, tornou-se comum observar bancos quebrados na praça, bem como pedras soltas no piso.
Questionada pelo O POVO se há um plano por parte da Prefeitura de Fortaleza para realizar permanentemente os cuidados no entorno do CDMAC, incluindo praça e ruas, a Secretaria Municipal da Gestão Regional (Seger) informou que mantém um cronograma regular de serviços de zeladoria na Praça Almirante Saldanha e na região do entorno.
“De segunda a sábado, uma turma de garis faz a limpeza diária da praça. Nos domingos e feriados, o efetivo de garis é triplicado, considerando o aumento de movimento na região. O local dispõe, ainda, de um ecoponto de coleta seletiva composto por lixeira subterrânea, ilha ecológica e contêineres para descarte de entulho e de material volumoso”, disse a Seger.
A secretaria também anunciou um mutirão de serviços na Praça Almirante Saldanha desde 24 de julho. As obras incluíam intervenções como poda nas árvores, varrição, capina, pintura de meio-fio, reforço da iluminação pública e reparos na praça. As ações serão executadas pela Seger, em parceria com a Secretaria Executiva Regional 12, a Secretaria da Conservação e Serviços Públicos (SCSP) e a Autarquia de Urbanismo e Paisagismo de Fortaleza (Urbfor).
Quanto à iluminação pública, foi informado que a SCSP registrou manutenções em cinco estruturas da região entre janeiro e julho. A secretaria também reforçou que os serviços de manutenção da iluminação pública são executados por demanda em toda a Cidade e as solicitações devem ser feitas pela central de atendimento da Prefeitura por meio do número 156.
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