“Literatura Jovem Adulto”, este termo se tornou bastante popular nos últimos anos. Talvez a primeira obra que venha à mente ao se ler essas palavras juntas seja Harry Potter e seu fantástico mundo com magia e bruxos. Entretanto, a história do famoso garoto com cicatriz de raio na testa não entra nesta categoria. Na verdade, o infanto-juvenil lhe define melhor.
Outras obras populares da cultura pop, porém, podem ser classificadas nela. A famosa saga Crepúsculo, escrita por Stephenie Meyer, é uma delas. O romance entre um vampiro e uma garota que ainda está no ensino médio, a descoberta do amor pela protagonista, é um bom exemplo dessa literatura.
Mas afinal, o que é literatura ‘Jovem Adulto’? Também conhecida popularmente na internet pelo seu termo em inglês Young Adult - ou sua abreviação YA -, é uma categoria, ou conceito, que abrange livros de diversos gêneros focados em protagonistas jovens adultos, com acontecimentos comum de pessoas dessa idade - descobertas amorosas, sexuais, desilusões, problemas com os estudos, etc.
Os protagonistas geralmente são adolescentes na escola ou já estão com seus 20 anos no início, ou meio, da faculdade. Às vezes, inclusive, é confundida com outra categoria, a New Adults - ou Novos Adultos - que é estrelada por personagens no início dos 20 até próximos aos 30. A separação entre elas não é bem definida e comumente são englobadas todas como a mesma coisa.
As histórias inseridas neste conceito podem ser encontradas em dois tipos de publicação diferentes: autores independentes e aqueles publicados por editoras, que representam o meio tradicional. Atualmente, livros de escritores publicados por conta própria são encontrados como eBooks (livros virtuais) na Amazon, maior canal de distribuição deles.
O termo YA se popularizou em 2020, com o isolamento social provocado pela pandemia da covid-19 e a ascensão do TikTok. Na rede social, nasceu a comunidade de leitores denominada ‘BookTok’, que tinha como finalidade comentar sobre títulos que estavam sendo lidos e realizar indicações. A partir daí, os jovens - maior público desta categoria - começaram a consumir diversas histórias.
As vendas de livros aumentaram e, de repente, esse era o principal meio de consumo no mercado literário nacional. Rafaella Machado, editora-executiva da Galera - selo jovem do grupo Editorial Record - conta que a receita da empresa aumentou cerca de 7 vezes entre 2020 e 2023.
Para ela, esse conceito de literatura é o “futuro do livro no Brasil”. “Veja como enche as Bienais. Essa Bienal [do Rio de Janeiro] foi a maior de público e de faturamento em 40 anos de história”, afirma e em seguida emenda: “O jovem nunca leu tanto e nunca frequentou tanto evento literário. É muito importante que mantenhamos isso”.
Clara Alves, uma das curadoras do evento este ano, corrobora com esta declaração. “Eu sinto que nos últimos anos, desde que esse termo YA [Young Adult] começou a ser falado mais falado aqui no Brasil, a Bienal se tornou mais jovem”, sustenta.
Além de curadora, Clara também é autora de romances nessa categoria. Escreveu o livro “Conectadas”, que narra a história de amor de duas garotas que se conhecem por meio de um jogo. Ela relembra que o evento de 2021, que aconteceu em tamanho menor devido a pandemia, já teve grande presença da comunidade literária virtual do TikTok e a produção de conteúdo desse público.
Essa movimentação impactou diretamente na programação montada para a Bienal do Rio deste ano. “Acho que pela primeira vez em alguns anos a programação não estava sendo dividida de curador para o público jovem e um curador para o público adulto”, explica. “Foi um trio curador de fato. Toda semana reunimos e conversamos sobre a programação. Mas, obviamente, cada uma tinha sua especialidade”.
Notou-se, inclusive, que o público tinha a demanda da presença de nomes do cenário nacional, além de nomes estrangeiros. Rafaella, a editora, aponta que este público tende a participar fortemente deste universo de leitura.
“São leitores que constroem comunidades. Então eles leem, fazem live de leitura, gostam de compartilhar o que estão lendo nas redes sociais. Esperam que as editoras tragam os lançamentos rapidamente. São muito vocais sobre problemas que eles encontram nos livros e sobre quem eles gostariam que ilustrassem as obras, que fizesse parte desse processo editorial”, detalha.
Esse sentimento de participação pode ser explicado pela conexão que o público sente com as páginas que lê, com a identificação. Arquelana, famosa autora do BookTok, afirma que, ao escrever suas histórias, seu objetivo é “tocar os problemas que sua geração tem”, como conflitos amorosos e familiares, e dificuldades de entender o futuro.
“Percebo, através do retorno dos meus leitores, que é algo que toca o coração deles, que traz consolo e às vezes até uma cutucada na ferida também”, conta.
“Isso mostra o quanto os autores e os consumidores nacionais abraçam a literatura brasileira para si, porque é realmente nossa”, celebra. Entretanto, a escritora destaca que ainda falta um caminho longo a se percorrer, focando na profissionalização de autores independentes, assim com mais publicações em editorias.
Ponto de vista
"Quando eu vejo um personagem, em qualquer livro, que seja nordestino ou que se passa no Nordeste, fico muito feliz", comemora Lara Nogueira de Lima, 23 anos, sobre a representatividade regional que alguns livros YA trazem em suas tramas.
O primeiro livro que a estudante de jornalismo consumiu sabendo se tratar da literatura Jovem Adulto foi "A Rebelde do Deserto", de Alwyn Hamilton. O contato com o título se deu por causa do BookTok, em meio ao isolamento social de 2021. "Foi a primeira vez que comprei um tendo ciência que ele era jovem adulto", conta.
Logo de início notou a diferença entre as obras que consumia antes. Ela define ser fácil um leitor ver em situações vividas por uma personagem YA e conta já ter se identificado com muitas "Elas se metem em situações que, claramente, estaríamos também", aponta.
Lara defende também a representatividade trazida nos títulos desta categoria e como ajuda aos jovens em suas descobertas, assim como também trazem importantes debates para a sociedade.
"Acho muito importante o fato que hoje temos livros que falam sobre as experiências de pessoas LGBT, negras, indígenas, amarelas, gordas, PCDs. É importante essas pessoas serem representadas em um livro que antes, muito provavelmente, mostraria apenas um casal hétero, pessoas brancas e de classe média", sustenta ela.
Ela relembra o livro de Jonas Aquino que começou a ler, "Poções de Amor e Outros Luxos", que traz um universo bruxo para o Ceará. "Fiquei muito feliz que ele criou uma história em que rezadeiras lutaram contra a ditadura do Brasil. E elas são algo tão cearense", explica."É a minha cidade e meu povo transparecendo em uma obra", celebra.
"São experiências específicas que eu passei ou posso estar passando. É realmente fácil se identificar", finaliza.
5 dicas para escrita por Mateus Lins
O escritor cearense Mateus Lins publicou seu primeiro livro em 2012, focado em um reino de fantasia, chamado de “O Reino de Mira”. Anos depois, mudou para área infantil, onde lançou outro livro. Atualmente, ministra oficinas de escrita criativa pelo Estado e separou algumas dicas para autores iniciantes na área da categoria Jovem Adulto.
A primeira é ler livros que se encaixam neste conceito. “Entender como ela vem sendo produzida e principalmente os clássicos que deram origem a essas narrativas e contribuíram para a construção”, explica ele.
A segunda é estudar técnicas de construção literária. “Conseguiria acesso a esses estudos por meio de livros, como o ‘Story’, do Robert McKee, e o ‘Escrever Ficção: Um Manual de Criação Literária’, do Assis Brasil. Também é possível aprender por meio de cursos e oficinas ministradas por pessoas da área”, detalha.
Como terceiro ponto, o escritor afirma ser necessário uma boa estruturação da narrativa que pretende escrever. “Entender quem são os personagens da história, porque está escrevendo ela - o que se quer passar e discutir por meio dela. E também uma construção de roteiro”.
O quarto passo seria a criação de uma rotina de escrita. “Escrever durante três ou quatro dias por semana, mas principalmente identificar o melhor horário para isso”.
Encerrando as dicas, a quinta é se conectar com outros autores e leitores das obras YA. “Para discutir e principalmente entender como as pessoas estão se conectando com essas histórias. Mas também para saber para quem apresentar quando estiver pronta”.
Geração de novos autores
Foi a possibilidade de maior representatividade que levou Bia Crespo, nativa do audiovisual, a migrar para o Jovem Adulto. O contato com esta literatura veio já depois de adulta, com quase 30 anos, e focado em romances LGBTQIAP+.
O desejo de escrever para o público YA, mais especificamente focado em romances sáficos - entre mulheres - veio pela vontade de compartilhar vivências que em sua época não não teve acesso. Da sua experiência como roteirista, o humor se mostrou uma ferramenta indispensável, adentrando assim no gênero de comédias românticas.
"Foi essencial trazer o humor de situações familiares brasileiras", conta, justificando que romances nacionais foram por muito tempo "americanizados".
Ela quis investir nesta literatura pela liberdade e profundidade que teria para trabalhar com esses temas. "Tem muita censura e critérios [no audiovisual]. Quando você vai falar com o público jovem adulto, tem muita gente dizendo o que pode fazer e o que não .E quando você quer falar de temática LGBT é mais difícil ainda", explica.
Lançado em janeiro, "Eu, Minha Crush e Minha Irmã" traz elementos típicos da vida cotidiana de muitas garotas brasileiras e algumas leitoras expressaram satisfação com isso. "Elas gostaram de se ver nestas páginas. De se identificar ao ler um livro com memes LGBT daqui e, principalmente, com o universo da faculdade. Como tudo isso é tão diferente no Brasil em relação ao exterior", completa.
Babi A. Sette também migrou, deixando os romances de época para escrever um YA. Não é o seu primeiro focado em um casal contemporâneo, mas há anos ela estava fora deste conceito.
Tudo começou com a leitura, queria dar uma pausa na categoria que já conhecia bem e passou a ler os contemporâneos."Senti saudades de escrever um romance mais jovem, de lidar com coisas que só temos nele - tipo a internet e a velocidade com que as coisas acontecem", afirma.
Além das leituras, sua filha de 15 anos também foi uma fonte de informações para retratar os anseios dos jovens em sua escrita. “Acho que se eu não tivesse uma filha adolescente, não seria tão fácil migrar de um romance de época para um jovem adulto”.
Seu livro, “O Beijo da Neve”, narra o romance entre uma descendente de indianos e um inglês, que se juntam como uma dupla de patinadores após um tempo afastados das pistas de gelo. Para abordar temáticas que não está inserida, a autora teve o auxílio de um leitor sensível.
Tendo o romance como seu gênero favorito, a escritora gosta de como o gênero permite dialogar com diversas situações cotidianas. “Eles trazem uma profundidade, muitas vezes surpreendente, de temas abordados. De problemas sociais que são colocados na trama e que o casal tem que superar”, aponta Babi.
Páginas de representatividade
O estilo de escrita e a representatividade presente nas páginas de livros Jovem Adulto é um fator que pode ser usado para explicar seu grande sucesso, assim como o aumento do consumo de autores nacionais. O BookTok proporcionou que esses jovens leitores conhecessem escritores que são seus conterrâneos e suas histórias, que trazem narrativas que aproximam seu dia a dia, seus territórios e abordam temáticas que gostariam de ler.
O livro de Jonas Aquino, publicado na Amazon, traz para o Ceará uma narrativa envolvendo bruxos e poções. Seus leitores costumam comentar sobre a identificação que sentiram com o personagem principal e com o local, a cidade de Quixadá.
"Recebo muito no TikTok e nas avaliações esse tipo de comentário: 'Ah, me senti representado depois de ler o seu livro e ver que ele acontece na minha cidade' - porque o livro alterna entre Fortaleza e Quixadá", detalha ele.
Seu primeiro livro foi em outra categoria, a infanto-juvenil, mas ela não tinha um espaço receptivo para debater os assuntos que desejava. "Escrever para YA me deu oportunidade de falar sobre a minha vivência como pessoa queer e que vive na periferia, porque muitos se identificam", detalha.
Ele sustenta que é necessário pensar que essa literatura terá impacto na formação do jovem, que está passando por um processo de descoberta pessoal e, geralmente, busca respostas nas páginas dos livros que consome.
Pedro Rhuas, famoso autor nordestino de romances LGBTQIAP+, defende que a categoria tem "papel crucial na formação educacional e promoção da diversidade". "Os temas tratados, que dialogam sem superioridade moral e olhando o jovem como igual, ajudam a combater estigmas e preconceitos", aponta.
As temáticas trabalhadas, mencionadas por Rhuas, são diversas: vão desde a sexualidade, como questões raciais e relacionadas à saúde mental. O escritor lista que “essa literatura gera empatia, questiona, acolhe e hoje em dia é uma importante aliada para a construção de uma sociedade mais inclusiva”.
A pauta LGBTQIAP+ está bastante presente nas linhas das histórias destes livros, independentemente de seu gênero. Vários títulos nacionais e internacionais trazem narrativas com personagens e debates no tema.
Felipe Cabral é um importante nome de livros que trazem essa temática. Seu livro, "O primeiro beijo de Romeu", se inspirou na tentativa de censura a um beijo gay em uma revista em quadrinhos na Bienal do Rio de 2019.
Em conversa com o Vida&Arte, ele afirma que esses livros estão sendo cada vez mais procurados. “Essa literatura pop, LGBT, com representatividade racial, acho que está sendo cada vez mais consumida por essa nova geração”, aponta.
Não apenas a geração Z, mas pessoas acima dos 25 anos também se leem naquelas linhas. Felipe conta que é comum interagir com quem já está próximas dos 30 anos e que afirma se sentir representado com sua obra.
"Tem muita gente que ainda não se viu representada nas obras - falo de uma geração de 20 e 30 anos - e que quando pega uma história assim, fala: 'Nossa, como eu gostaria de ter lido uma como essa quando eu era mais novo", explica.
Rhuas contribui no diálogo lembrando que em sua adolescência títulos como esses eram escassos e havia o desinteresse comercial das editoras. "Hoje, um jovem queer cresce com a bússola colorida da literatura jovem para orientá-lo, para lembrá-lo que não está sozinho e de que ser quem é não é errado", celebra.
Jonas corrobora para a finalização do pensamento dos autores: "Eu gosto de pensar que a literatura jovem é mais de vanguarda, porque, querendo ou não, acabamos tratando de temas que outras não têm coragem".
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