"O teatro me deu uma liberdade tão grande que aquilo me fez sonhar e acreditar que, um dia, eu pudesse estar nas telas", disse Alice Carvalho. Atriz, dramaturga e roteirista, a artista enxergou, inicialmente, uma necessidade de construir sua trajetória de maneira independente. Nascida na cidade de Natal (RN), ela acreditava que sua porta de entrada seria o sotaque e a beleza diferentes do que era requisitado nas produções nacionais. Protagonista da série do Amazon Prime, "Cangaço Novo", lançada em agosto deste ano, Alice leva nos dias atuais uma carreira de multiartista.
"Eu fiz teatro desde pequena e atuar nas telas sempre foi um desejo. Mas, nesse processo, fiz artes visuais e me apaixonei por outros lugares dentro do universo artístico e a escrita/roteiro veio disso. Pelos 'nãos' que tomei, ainda enquanto adolescente, nos testes que fiz, algo que faz parte do processo, despertou a vontade de escrever minhas próprias histórias", conta a atriz em entrevista exclusiva ao Vida&Arte.
Ela escreveu a primeira dramaturgia para o teatro em 2013, a comédia romântica "Do Amor", assim como seu primeiro livro "Do Amor - E algumas crônicas". Na atuação, Alice se formou através de workshops e oficinas livres com grupos como Clowns de Shakespeare, Companhia Teatro Interrompido, SEM Cia. de Teatro e Coletivo Alfenim. Desde então, esteve em cartaz com "Brutal", drama de Mário Bortolotto, e sua comédia autoral.
No palco, ela não foi só atriz. Em 2014 e 2015, a artista circulou o País com seu número de stand up comedy. Questionada sobre a probabilidade de fazer mais shows deste gênero, ela destaca: "Essa época da minha vida foi de muita experimentação, fundamental para meu desenvolvimento enquanto atriz. Não penso em voltar porque meus interesses artísticos mudaram e, para fazer algo tão complexo novamente, precisaria me dedicar muito responsavelmente quase que com exclusividade, o que não é uma possibilidade".
Em 2016, a dramaturga criou e protagonizou "Septo", websérie de três temporadas, disponível no YouTube, com a qual venceu o prêmio de "Melhor Websérie" em Buenos Aires, "Melhor Elenco de Drama" no Rio Web Fest, e "Destaque Audiovisual" no Troféu Cultura. Fruto de um financiamento coletivo, o projeto traz apenas artistas potiguares em seu elenco e conta a história de Jessica, uma triatleta saudável e recordista que tem a vida inteira controlada pelo pai.
Diante do sucesso alcançado com a websérie, Alice destacou o "movimento natural de se cobrar mais". "Me doou muito para tudo que faço. Trabalho demais para continuar escolhendo projetos que me desafiam como artista e que tenham significado para mim. Muitas mudanças que, às vezes, olho e fico: caraca isso tudo está acontecendo mesmo!"
Em meio a diferentes lançamentos que têm o Nordeste como principal cenário, como a série "O Cangaceiro do Futuro" e o longa "Bem-vinda a Quixeramobim", a produção "Cangaço Novo", de 2023, trouxe um novo desafio para Alice. Em um bate e volta de viagem, a atriz realizou o teste para o elenco na cidade de João Pessoa. Na volta, ouvindo rádio, já em São Paulo, ela escutou a notícia sobre o início da pandemia da covid-19.
"Passei tempos sem ouvir falar do projeto. Até que no fim do mesmo ano, voltei a fazer testes virtuais. Eu fiz o teste para Dinorah (protagonista) e, depois, eles pediram para fazer um teste para Dilvânia. Eu estava muito feliz com qualquer possibilidade, mas confesso que sentia que meu lugar era com Dinorah", relembra.
E assim aconteceu. Alice deu vida a personagem Dinorah, que contracena com os atores Allan Souza, Thainá Duarte, Hermila Guedes, dentre outros. A atriz define sua personagem como uma mulher de fibra e coragem inabaláveis, que emergiu como uma líder no cenário turbulento do banditismo.
"Desde jovem, ela se viu obrigada a enfrentar o sexismo arraigado na sociedade da época, o que a levou a se esforçar três vezes mais para conquistar seu espaço. No entanto, em vez de recuar, ela usou esses obstáculos como combustível para sua ambição", acrescenta.
Quanto aos sentimentos em viver Dinorah, a artista afirma que entrou num estado de entrega e profundidade intensos para tentar entender a complexidade da protagonista. "Até minha voz me soava diferente. É um privilégio dar vida a uma personagem tão forte e potente e compartilhar essa vivência tão importante para a história do nosso país", diz ela.
Quanto à visão do público acerca da série, ela destaca que pode-se observar um retrato de parte da cultura nordestina, mas não o todo. "O Nordeste tem muitas camadas e densidade para que apenas uma obra abarque todas as questões. O enredo explora partes das complexidades históricas e sociais da época do cangaço, destacando não só as narrativas dos cangaceiros, mas também as injustiças e desigualdades que levaram muitos ao cangaço, isso tudo sobre uma ótica matriarcal".
Também de 2023, Alice integra o elenco do filme "Angela", inspirado no assassinato da socialite brasileira Angela Diniz. Já em 2024, tem seu lugar confirmado na próxima novela exclusiva da GloboPlay, "Guerreiros do Sol". Sobre a experiência de gravar, pela primeira vez, uma telenovela, ela diz: "Está sendo incrível trabalhar tão de perto com o Rogerio Gomes - que sempre admirei - e a Alinne Moraes. Tem proporcionado muitos aprendizados. Um corre delicioso de viver".
Quanto aos desafios de ser uma multiartista, Alice destaca que trabalhar em várias formas pode levar a um "desgaste emocional". "Além disso, tem o tempo curto, porque é difícil conciliar o que corre na minha cabeça. Mas, mesmo com os desafios, explorar as ramificações da minha criatividade, me expressar de maneiras variadas e criar minhas história é meu compromisso enquanto artista. No fim, o cansaço fica pequeno perto da minha vontade de realizar tudo isso".