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Fechamento da Lamarca reafirma desafios das livrarias de rua em Fortaleza
Vida & Arte

Fechamento da Lamarca reafirma desafios das livrarias de rua em Fortaleza

Livraria Lamarca anunciou o fim das atividades diante de dívidas e cenário difícil; o Vida&Arte, então, pergunta: é possível uma livraria de rua se manter em Fortaleza?
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Livraria Lamarca (Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo)
Foto: Yuri Allen/Especial para O Povo Livraria Lamarca

Em janeiro de 2022, o Vida&Arte publicou matéria elencando livrarias de rua para serem visitadas em Fortaleza. Ainda em contexto de pandemia, os estabelecimentos procuravam maneiras de continuar funcionando em meio à crise sanitária de Covid-19 e à crise financeira que já acompanha o setor livreiro no País há anos.

Entre as opções citadas, uma das lojas que se destacavam era a Livraria Lamarca, na Avenida da Universidade, que em 2023 completou sete anos de existência. Este, porém, será o último ano de funcionamento do espaço. Por meio de nota publicada no Instagram, o local anunciou que fechará as portas, estando disponível para visitação até 31 de dezembro.

“Não foi da forma como gostaríamos. Há um pouco de sensação de fracasso. Quando abrimos a livraria acreditávamos que havia uma quantidade de pessoas suficiente para ocupar um espaço cultural em torno das palavras, dos livros e das ideias. É um pouco frustrante. Fortaleza é uma cidade que vive cultura, mas que não mantém seus espaços culturais”, afirma Guarany Oliveira, proprietário da Lamarca.

A livraria surgiu em 2016 e ficou conhecida por prateleiras formadas por livros de cunho político-social, além de funcionar como restaurante e promover saraus, lançamentos literários e apoiar autores locais. A Lamarca não foi, infelizmente, a única livraria a fechar as portas em Fortaleza. Lua Nova, Cultura, Saraiva e Siciliano são outros exemplos.

Mas, quanto às livrarias de rua, o que pode ser feito? Existe, afinal, vida para esses estabelecimentos na Capital cearense? O cenário é complexo, mas algumas das respostas são trazidas pelos próprios livreiros. Como elencado por Guarany, um dos pontos essenciais é a formação de público leitor na Cidade. Entretanto, o assunto não para nesse aspecto.

Afinal, o lado financeiro também é de suma importância. A Lamarca encerra suas atividades após lutar diante do acúmulo de dívidas e de cenários adversos para o mercado de livros nos últimos anos. Hoje, a dívida do empreendimento chega a R$ 140 mil, incluindo custos com editoras.

“Na época (da inauguração), antes do golpe sofrido pela Dilma, já havia uma crise econômica e política que nos colocava muitos desafios. O próprio mercado editorial estava em crise. Em 2018 e 2019, havia uma ideia de reconstrução do segmento, bem como a compreensão de que não podíamos ser apenas livraria e concorrer com multinacionais como a Amazon”, relembra.

Assim, houve a decisão de transformar a Lamarca em um espaço cultural “que vive em torno do livro e no qual o livro é uma das expressões de comércio”, passando também a servir almoço. Os faturamentos aumentaram e houve um respiro nas contas, mas a pandemia freou a recuperação da livraria.

Diante do fechamento da Lamarca, Guarany garante que quitará os débitos pendentes. Para o proprietário, a manutenção de uma livraria de rua passa também por formas de financiamento público e pelo aumento de políticas direcionadas à leitura.

Ele revela ter proposto ao Governo Estadual um vale-livro para professores, o que ajudaria a criar uma reserva de mercado que seria gasta no setor livreiro. Guarany analisa que, mais que um varejo, as livrarias precisam ser compreendidas como espaços culturais.

Arte&Ciência

As dificuldades no setor livreiro são compartilhadas pelo proprietário de um espaço próximo à Lamarca. Em frente à Concha Acústica da UFC, a matriz da livraria Arte&Ciência carrega consigo mais de 30 anos de paixão pelos livros - e de desafios para seguir de pé em meio a adversidades.

Na análise do proprietário Vladimir Guedes, o “comércio de livros sempre foi muito difícil”. “O setor está sempre mudando, mas a crise, na verdade, é permanente. Sempre tivemos dificuldade em manter a livraria, porque nunca tivemos um público realmente consumidor voraz, capaz de manter a livraria andando com mais tranquilidade. Basta você ver quantas livrarias existem na Cidade”, alerta.

Ele aponta como problemas recorrentes um nicho mais restrito de público consumidor de livros, deficiência de políticas públicas voltadas aos livros, aumento de preços e concorrência desleal com gigantes do varejo, como a Amazon. O diferencial da livraria de rua pode ser sua saída para se manter: a formação de uma comunidade para essas obras.

“Acho que se a livraria de rua priorizar sua comunidade local ela pode sobreviver. Lógico, nunca vai ser uma livraria rica, com muitos recursos, mas a gente acaba atendendo as pessoas locais e elas pagam um valor um pouco acima do on-line, mas muitas se fidelizam com o livreiro”, avalia.

Inicialmente como um quiosque na Universidade Federal do Ceará, na Avenida da Universidade, a Livraria Acadêmica expandiu seu alcance para a rua Costa Barros e para a avenida Luciano Carneiro. A livraria funciona há 35 anos, entre conquistas e o sentimento de “ter que matar um leão por dia” diante das dificuldades.

Socorro Magalhães, proprietária do empreendimento, aponta o desenvolvimento das tecnologias como um dos empecilhos registrados, visto que “os livros digitais estão cada vez mais tomando espaço dos livros físicos”. “As vendas das lojas de rua caíram drasticamente e as vendas institucionais ainda mais, visto que o aceite do MEC pelas plataformas de livros digitais ao invés dos livros físicos piorou nosso setor”, informa.

Outro desafio é a concorrência com “as práticas predatórias de preços feitas pelas próprias editoras e para plataformas de vendas que dão margens/condições muito melhores do que aos próprios livreiros”. “ Hoje, a grande maioria das editoras prefere atender diretamente instituições, empresas e até o comprador final do que deixar seus livros em pequenos livreiros locais”, complementa.

Para Socorro, manter uma livraria de rua em Fortaleza requer “muita coragem, atendimento de qualidade e diferenciado e uma acervo diversificado e raro”. Como forma de se adequar ao meio virtual, a livraria aderiu à venda on-line e colocou seu acervo físico em plataformas digitais.

"Déficit de livrarias"

Identificar os desafios enfrentados pelas livrarias é importante para avançar no debate sobre suas manutenções na Capital cearense. A partir desse movimento, é possível perceber também um ponto expressivo: Fortaleza enfrenta um déficit de livrarias, e não apenas as de rua.

A situação é atestada por Adelaide Gonçalves, pós-doutora em História e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC). Ela é idealizadora da biblioteca social Plebeu Gabinete de Leitura, no Centro, e chegou a manter o espaço Ernesto & Rosa, que promovia a cultura dos livros e reunia produtos de assentamentos de reforma agrária.

Para a professora, é necessário compreender as livrarias para além do sentido de varejo: “Uma livraria não é apenas um lugar onde se entra em busca deste ou daquele livro. É o lugar da surpresa, do convívio, onde podemos estabelecer vínculos e travar relações”.

Nessa toada, ela encara responsabilidades tanto do poder público quanto da população.No âmbito da sociedade, é preciso observar “quais são suas falhas e seus déficits, bem como investigar onde pode ser promovida a cultura local e da Cidade a partir das livrarias”.

“Em relação à esfera pública, não se trata apenas de falar sobre financiamento e verbas para o setor, mas sobre como planejar a presença da livraria na cidade e como estimular a sua presença nos vários lugares do municípios. Por que a cada equipamento público que nasce ou a cada intervenção feita em Fortaleza não se considera imediatamente a instalação de uma ou mais livrarias?”, questiona a professora.

A historiadora acrescenta: “É uma pergunta que me faço como moradora da Cidade. É difícil essa situação para quem ama livros em Fortaleza. Isso nos deixa desolados. São pouquíssimas as livrarias que temos e cada uma que encerra as atividades nos deixa cada vez mais desolados com a falta de perspectiva”.

Livrarias

Livraria Lamarca

  • Quando: segundas, das 11h às 17 horas, e de terça a sexta, das 11h às 22 horas, e sábado, das 8h às 22 horas
  • Onde: Avenida da Universidade, 2475 - Benfica
  • Instagram: @livraria.lamarca

Livraria Acadêmica

  • Quando: segunda a sexta-feira, das 9h às 17 horas; sábado, das 9h às 12 horas
  • Onde: rua Costa Barros, 901 - Centro e Av. Luciano Carneiro, 345 - Parreão
  • Instagram: @livrariaacademica

Arte & Ciência

  • Quando: segunda a sexta-feira, das 9h às 17h30min; sábado, das 9h às 13 horas
  • Onde: Matriz - Av. Treze de Maio, 2400 - Benfica; Filial - Rua Major Facundo, 954 - Centro
  • Instagram: @arteeciencia

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