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Nobel de Literatura, Jon Fosse lança suas obras no Brasil
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Nobel de Literatura, Jon Fosse lança suas obras no Brasil

Autor norueguês vencedor do prêmio literário, Jon Fosse começa a ter suas obras editadas em português
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Reconhecido com o Prêmio Nobel de Literatura 
de 2023, Jon Fosse tem carreira como dramaturgo (Foto: Eirik Hagesaeter / Bergensavisen / AFP)
Foto: Eirik Hagesaeter / Bergensavisen / AFP Reconhecido com o Prêmio Nobel de Literatura de 2023, Jon Fosse tem carreira como dramaturgo

Recém-laureado com o Nobel de literatura, o norueguês Jon Fosse escreve num ritmo meditacional, transpondo para seus livros um movimento que emula o fluxo da natureza presente tanto nos ambientes marinhos quanto nos de florestas.

Não por acaso, esses dois biomas (o mar e as árvores) fazem parte das obras lançadas agora no Brasil: “É a Ales”, com tradução de Guilherme da Silva Braga, que sai pela Cia das Letras; e “Brancura”, vertido por Leonardo Pinto Silva, em trabalho para a Fósforo.

Em ambos, os personagens estão às voltas com percursos interrompidos, escolhas que remontam à ancestralidade e uma geografia que desempenha função ambivalente, operando como elemento atrator em direção ao qual os caminhos acabam por convergir.

Da estrada, por exemplo, se vai ao fiorde, esse braço d’água (uma língua salgada) que se estende montanhas adentro por meio de contínua erosão; e também ao mato cerrado, denso de vida e onde habita o inumano, esse ser cuja luminescência se impõe como enigma.

“É a Ales” intercala três camadas de tempo: uma em 2002, outra nos anos de 1970 e uma última, que se desenrola no século XIX, ponto de origem do que agora se conta sem apelo à linearidade. Essa organização triádica conflui para um evento trágico, ajudando a elucidar o desaparecimento de Asle.

Era novembro de 1979 quando o marido de Signe entrou no mar, extraviando-se para sempre. Morto ou desaparecido? Muitos anos depois, “nada mais foi o mesmo, ela simplesmente está aqui, porém sem estar aqui, os dias chegam, os dias passam, as noites chegam, as noites passam”.

Essas demarcações temporais, no entanto, estão diluídas no fluxo do relato, que se alterna sutilmente, ora com foco no marido, ora na esposa, ora em parentes de Asle, a exemplo da trisavó Ales, cujo nome inspirou o seu próprio e de quem ele herda uma estreita vinculação com o elemento aquático.

Sob chave onírica, que embaralha real e fantasia, “É a Ales” desdobra aos poucos as fatias do cotidiano, como a sugerir uma desmontagem do que apenas em aparência assume essa característica de continuum. O permanente se fragmenta, o imediato se alonga para trás e para frente.

Desse modo, a ação – se é que se pode chamar de ação o que se passa no livro – transcorre num mesmo espaço restrito: a sala da antiga casa, a estufa, os fiordes e a estrada, por onde vai e vem uma silhueta, que pode ser tanto a de Asle quanto a de Ales ou a de um irmão ou tio perdidos na memória de décadas.

O resultado é esse efeito de sobreposição mediante o qual as muitas vidas de uma mesma família, seus muitos amores e tragédias, seus dias de sol e noites de chuva, enfim, toda a trajetória de sangue e lembrança se comprime num único instante, a partir do qual Signe observa a si mesma enquanto espera, indefinidamente.

No âmbito da construção textual, Fosse acentua essa qualidade de fluidez – como as marés que respiram nos fiordes – adotando alguns procedimentos. O principal deles é uma predominância da oralidade que escorre sem pontos finais, saltando de cena a cena, intercambiando situações e personagens.

Essa escrita, que soa difícil de partida, mas com cujas cadência e estranheza logo se habitua, instaura um espaço dialógico de vozes do presente tendo de aprender constantemente a conviver com as vozes fantasmais do passado, que reemerge o tempo todo, mostrando que a matéria do agora é sempre feita do sedimento acumulado no curso das eras.

A narrativa de “Brancura”, por sua vez, se processa nesse mesmo diapasão – Fosse construiu para si uma gramática com a qual esculpiu um universo próprio. Nele, o narrador em primeira pessoa descreve um fato banal: perdido na estrada depois de atolar o carro, embrenha-se numa floresta em procura de ajuda.

Banal por se assemelhar a algo tomado de empréstimo do cotidiano, mas nada em Fosse é totalmente aderente ao sentido mais epidérmico das coisas. Pelo contrário, novamente, aqui, está-se diante de um episódio desconcertante, não por si mesmo, mas pelo tratamento que o autor norueguês lhe dá.

É difícil situar o ponto exato onde se elabora a estranheza nos escritos em prosa (romances) de Fosse: se na repetição monomaníaca de palavras e verbos, se na hesitação recorrente e performática de seus personagens, se no andamento cambiante entre sonho e vigília ou se no fundo falso que se revela nesses acontecimentos do dia a dia.

No texto lido como justificativa para lhe conceder o Nobel na última quinta-feira, 5, a academia sueca registrou que “suas peças e prosa inovadoras dão voz ao indizível”.

Talvez não seja uma descrição exagerada. Fosse, além de autor muito prolífico e bem-sucedido (traduzido para mais de 50 línguas), é um fazedor de mundos não havidos.

'Melancolia', livro de Jon Fosse, lançado no Brasil em 2015
'Melancolia', livro de Jon Fosse, lançado no Brasil em 2015

Melancolia

Lançado originalmente por Jon Fosse em 1995, a obra foi publicada no Brasil em 2015 pela editora Tordesilhas. O romance traça um retrato da mente do pintor norueguês Lars Hertervig, que de fato existiu, a partir de um dia de crise na vida do artista. A obra está indisponível em sites de venda de livros.

"É a Ales", romance de Jon Fosse, lançado no fim de setembro pela Companhia das Letras

É a Ales

Editada no Brasil pela Companhia das Letras no final de setembro, antes do anúncio do Nobel, a obra foi originalmente lançada por Fosse em 2004. O livro mescla tempos distintos a partir de uma visão repetida que uma mulher tem de si mesma há mais de 20 anos. "É a Ales" está disponível para compra em livrarias e sites.

'Brancura', novo romance de Jon Fosse, publicado no Brasil pela editora Fósforo
'Brancura', novo romance de Jon Fosse, publicado no Brasil pela editora Fósforo

Brancura

Mais recente romance escrito por Jon Fosse, "Brancura" ganha lançamento brasileiro no próximo dia 19 de outubro. Na obra, um homem dirige sem rumo e desconhecendo as próprias motivações até uma floresta. Nela, decide entrar na mata escura e, lá, encontra um ser de brancura reluzente. A obra está em pré-venda no site da editora Fósforo e outras plataformas de venda on-line.

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