Logo O POVO+
Dia dos Professores: artistas compartilham desafios do ensino de teatro
Vida & Arte

Dia dos Professores: artistas compartilham desafios do ensino de teatro

Neste 15 de outubro, professores de teatro dividem descobertas e vivências do ensino das arte
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
FORTALEZA-CE, BRASIL, 09-10-2023: Neidinha Castelo Branco, 66, professora de teatro / Juliana Veras, 43, atriz, diretora, musicista, professora e pesquisadora / João Andrade Joca, 60 anos, professor, ator, diretor de teatro. Dia dos professores - teatro, entrevista com os professores do Curso de principios basicos de theatro - CPBT. (Foto: Aurelio Alves/O Povo) (Foto: FOTOS: AURÉLIO ALVES)
Foto: FOTOS: AURÉLIO ALVES FORTALEZA-CE, BRASIL, 09-10-2023: Neidinha Castelo Branco, 66, professora de teatro / Juliana Veras, 43, atriz, diretora, musicista, professora e pesquisadora / João Andrade Joca, 60 anos, professor, ator, diretor de teatro. Dia dos professores - teatro, entrevista com os professores do Curso de principios basicos de theatro - CPBT. (Foto: Aurelio Alves/O Povo)

Das palavras do escritor Rubem Alves (1933 - 2014), a professora Neidinha Castelo Branco parafraseia o roteiro que define, para ela, o ato de ensinar: o teatro é uma escola que dá asas. Junto a ela, dois outros protagonistas dividem a cena do corpo docente do Curso de Princípios Básicos de Teatro (CPBT), do Theatro José de Alencar (TJA). São eles: Juliana Veras e João Andrade Joca.

A trindade rege o curso que foi criado há 32 anos e tem formado grandes nomes da dramaturgia cearense. Neste Dia dos Professores, o Vida&Arte conversa com os três sobre os desafios da profissão.

Na trajetória desses profissionais da cena, a metodologia passa longe das cadeiras enfileiradas e regras engessadas. Na sala de aula de teatro, as emoções ganham destaque e também compõem a relação entre discente e docente.

"A educação bancária que o Paulo Freire (1921-1997) questiona é aquela que o professor chega, sabe tudo, e o aluno não sabe nada. Nós (professores de teatro) colocamos nossas roupinhas e vamos fazer exercício demonstrando (como fazer as atividades). E, ao final da experiência do dia, sentamos no chão formando uma roda e vamos falar como é que foi a aula. A gente dá essa autonomia. Existe autoridade, não como autoritário, mas para mediar conflitos", afirma Joca.

Na mesma perspectiva, Juliana argumenta que o ensino da arte também é um percurso de aprendizado e que o conhecimento adquirido pode ser potencializado em diálogo com o novo. "Sinto que ensinar arte é ser um aprendiz duas vezes, a gente se reconhece aprendiz quando encara o ser professor".

Ela completa: "Os mesmos autores dos livros que a gente estuda continuam lá, as palavras escritas e aquilo ainda significa muito. Mas o mundo é outro, a gente está sempre reaprendendo e transformando esses conselhos que são palavras impressas em novos diálogos com a galera que está entrando. A arte tem essa ação transformadora, eu revejo meus conceitos, a pessoa que eu sou e o meu olhar para o mundo".

Da metamorfose do teatro renascem os tímidos, os mais jovens, os mais velhos, o rico e o pobre. Todos em busca da "magia" que a vivência teatral concede. Para alcançar o mergulho (a incorporação dos personagens) e construir os quatro módulos de imersão no curso, os professores se baseiam em autores renomados como Augusto Boal, Jerzy Grotowski, Eugenio Barba, entre outros.

"O nosso ponto de partida é um processo de ativação psicofísica, a gente pede que os alunos visitem estados de ativação de uma memória corporal e nós sugerimos que essas emoções sejam visitadas. Não apenas as negativas, mas as positivas também. Os alunos são convidados a estudar esses autores e dizem 'ai, vocês estão trabalhando isso com a gente desde o começo'. Eles entendem primeiro com o corpo, depois a gente começa a colocar o pensamento junto", conta Juliana.

O mergulho é um processo acompanhado de um alarme: é preciso voltar para a superfície. "Em uma experiência falamos da dor da mãe que perde um filho. A atividade era trazer essa emoção. Criar esse personagem. Teve uma menina que estava no papel da mãe que ela mergulhou tanto que não conseguiu voltar para a realidade. E eu dizia: 'nós somos atuantes, nós não somos essas mães'. E ela não voltava, eu me desesperei. E gritava: 'chega, chega, chega', e ela foi voltando", relata Neidinha.

Segundo Joca, "o teatro tem como função friccionar as realidades a partir das ficções e das realidades construídas. Ninguém está aqui para trazer solução para problemas, a gente tem o objetivo de trazer o questionamento ao conflito". Assim, os problemas sociais são urgências na linguagem debatida atrás das cortinas vermelhas.

abrir

Das dores da vida surge o espetáculo. "A arte sempre fala das ranhuras, elas são o material poético para a criação dos espetáculos. Quem é que vai querer assistir a uma peça sobre a pessoa que tá super bem?", questiona Juliana. "A gente vai tratar esse material de uma forma potencialmente poética, isso traz uma certa cura", completa o professor Joca.

As urgências questionados pelos professores por vezes saem do palco e chegam à coxia. O conflito tratado como matéria atravessa os alunos não apenas como ato teatral, mas como questões reais. "Essa galera (alunos jovens) é muito ansiosa. Aqui não é um divã de terapia, mas por outro lado você também tem que acolher, que segurar, o aluno está precisando. E o professor tem que ser tudo", conta Neidinha.

A partir de desafios e adoecimentos que atravessam as gerações, a profissão de lecionar também perpassa o tratamento da dor, que não se perde no caminho da escola. "Nós professores não somos psicólogos, mas precisamos de um apoio à parte. A arte ainda tem que ser possível de ser feita, mas como ela é possível se ela é feita com os seres humanos que estão adoecido? É uma honra participar desse momento, é muito belo, sim, mas não é simples", afirma Juliana. Neste cenário, o TJA conta uma psicóloga que promove roda de conversas e ações com alunos periodicamente, conforme explicou a coordenadora pedagógica, Isabel Botelho.

O conflito também se apresenta na realidade quando a ausência de um aluno é justificada na falta do dinheiro da passagem de ônibus, da briga familiar, da violência urbana. Camadas em que o professor, enquanto agente ativo na vida desses alunos, por vezes atravessa e escolhe na tentativa de amenizar, educar ou reverter o que pode distanciar os alunos das aulas.

FORTALEZA-CE, BRASIL, 09-10-2023: Neidinha Castelo Branco, 66, professora de teatro / Juliana Veras, 43, atriz, diretora, musicista, professora e pesquisadora / João Andrade Joca, 60 anos, professor, ator, diretor de teatro. Dia dos professores - teatro, entrevista com os professores do Curso de principios basicos de theatro - CPBT. (Foto: Aurelio Alves/O Povo)(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES FORTALEZA-CE, BRASIL, 09-10-2023: Neidinha Castelo Branco, 66, professora de teatro / Juliana Veras, 43, atriz, diretora, musicista, professora e pesquisadora / João Andrade Joca, 60 anos, professor, ator, diretor de teatro. Dia dos professores - teatro, entrevista com os professores do Curso de principios basicos de theatro - CPBT. (Foto: Aurelio Alves/O Povo)

"Eu já tirei dinheiro de dentro do bolso para dar para um aluno conseguir voltar para casa. Nós criamos o monitoria de ex-alunos para levar esse exercício de observar 'você estava aqui participando, hoje você está do outro lado olhando e nos auxiliando. A gente vem lutando por uma bolsa para eles", explica Neidinha.

"A gente tem sobrevivido como CTBP porque temos gerado financeiramente condições para o curso funcionar. O teatro tem recebido através das gestões uma verba anual para montar as montagens que é a mínima, há uns 8 anos esse valor tem se mantido o mesmo. Não é uma crítica, mas uma fala de observância a essa questão", revela Joca. "É importante porque há retorno para a comunidade. É importante fortalecer o acesso, ter acesso a um curso que está dentro do lugar público de qualidade com eficiência", completa.

Questionada sobre possibilidade de ampliação de verba para o CPBT, a Secretaria da Cultura do Ceará afirmou, por nota, que o TJA vem "buscando fechar negócios e parcerias que gerem valores econômicos e simbólicos". Segundo a pasta, que não deu maiores detalhes sobre acréscimos orçamentários, "o CPBT é um projeto que vem sendo aprimorado de diversas maneiras que vão além da gestão financeira dos recursos".

"Não existe paraíso. Não existe perfeição, existe a tentativa de encontrar uma harmonia", afirma o professor que, acompanhado pela gesto de concordância das professoras que balançam a cabeça, reafirmam o encontro de toda segunda-feira, quando sentam juntos e planejam as aulas e alinham as teorias para formar atores, atrizes e seres ainda mais livres.

FORTALEZA-CE, BRASIL, 09-10-2023: Juliana Veras, 43, atriz, diretora, musicista, professora e pesquisadora. Dia dos professores - teatro, entrevista com os professores do Curso de principios basicos de theatro - CPBT. (Foto: Aurelio Alves/O Povo)
FORTALEZA-CE, BRASIL, 09-10-2023: Juliana Veras, 43, atriz, diretora, musicista, professora e pesquisadora. Dia dos professores - teatro, entrevista com os professores do Curso de principios basicos de theatro - CPBT. (Foto: Aurelio Alves/O Povo)

Juliana Veras

De aprendiz a professora, Juliana Veras conheceu os palcos do Theatro José de Alencar (TJA) como aluna e, hoje, compartilha as práticas de ensino com seu antigo professor João Andrade Joca. Formada pelo Curso de Arte Dramática da Universidade Federal do Ceará (CAD) - curso histórico de formação de atores do Ceará, acolhendo várias gerações de artistas -, Juliana iniciou sua carreira na Filosofia. Após compreender os mistérios das correntes de pensamento, ela ingressou de vez em um mundo que instiga corpo e mente: o teatro.

Desde 2009, Juliana está como professora de teatro do Curso de Princípios Básicos de Teatro (CPBT) no turno da manhã. Aos 43 anos, a atriz, diretora, escritora, cantora, compositora, filósofa, professora e pesquisadora de teatro acumula mais de 30 espetáculos e vastas premiações no campo das artes cênicas.

Nos olhos de apaixonados da artista, ela deixa explícito a honra e a beleza da transformadora experiência de ensinar arte.

FORTALEZA-CE, BRASIL, 09-10-2023: Neidinha Castelo Branco, 66, professora de teatro. Dia dos professores - teatro, entrevista com os professores do Curso de principios basicos de theatro - CPBT. (Foto: Aurelio Alves/O Povo)
FORTALEZA-CE, BRASIL, 09-10-2023: Neidinha Castelo Branco, 66, professora de teatro. Dia dos professores - teatro, entrevista com os professores do Curso de principios basicos de theatro - CPBT. (Foto: Aurelio Alves/O Povo)

Neidinha Castelo Branco

Da menina que gostava de "brincar de drama" à adolescente que tomou o lugar da noiva da quadrilha por suas caras e bocas, hoje Neidinha Castelo Branco é um dos nomes do alto escalão da dramaturgia cearense. Com 66 anos, a atriz e diretora ministra as aulas noturnas do o Curso de Princípios Básicos de Teatro (CPBT), do Theatro José de Alencar (TJA).

Antes de ser Neidinha, Oneide era a menina que fugia de casa para ver o circo e se destaca na escola por forte declamação. Atravessando as linguagens da arte desde cedo na juventude, ela foi cantora na Rádio Iracema, em Fortaleza.

"Na Rádio Iracema, na Praça José de Alencar, tinha umas apresentações à tarde. Lá estava eu indo cantar: 'Ainda sou tão pequenininha, não posso namorar porque a mamãe não deixa e o papai não vai gostar'", relembra Neidinha.

Artista e filha de pastor protestante, Neidinha enfrentou algumas barreiras para atravessar as cortinas e poder ser quem era. Após discussões e descrenças, o olhar tímido do fim da plateia de um pai que assistiu a um espetáculo escondido definiu seu futuro. Ele disse à filha: "Se você quer fazer teatro, faça. Mas faça bem feito", relembra Neidinha.

Desde 2013, Neidinha evoca a frase do pai, formando pupilos e grandes espetáculos nas salas e no palco do TJA.

FORTALEZA-CE, BRASIL, 09-10-2023: João Andrade Joca, 60 anos, professor, ator, diretor de teatro. Dia dos professores - teatro, entrevista com os professores do Curso de principios basicos de theatro - CPBT. (Foto: Aurelio Alves/O Povo)
FORTALEZA-CE, BRASIL, 09-10-2023: João Andrade Joca, 60 anos, professor, ator, diretor de teatro. Dia dos professores - teatro, entrevista com os professores do Curso de principios basicos de theatro - CPBT. (Foto: Aurelio Alves/O Povo)

João Andrade Joca

João Andrade Joca era o menino morador do Antônio Bezerra que atuava desde a infância. A proximidade dos palcos de modo formal acontece na juventude com uma matéria do Jornal O POVO que anunciava a reabertura do Curso de Arte Dramática da Universidade Federal do Ceará (CAD). A mãe já enxergava o talento do filho e o incentivou a fazer a inscrição.

Atualmente, inspirado pela irreverência de Gracinha Soares, Joca ministra aulas de teatro nos turnos da tarde no Theatro José de Alencar (TJA). O ator e diretor coleciona premiações em sua trajetória, em uma delas foi eternizado com seu nome em um troféu do Festival de Esquetes da Cia. Teatral Acontece (Fecta).

Desde 1987 nas salas do TJA, Joca retrata as experiências de seu legado e de tantos outros na história do curso no livro "Encontro, convívio e criação: a prática teatral no Curso Princípios Básicos de Teatro" (disponível no site da Universidade estadual do Ceará).

FORTALEZA-CE, BRASIL, 09-10-2023: Israel, ex aluno e monitor do projeto. Dia dos professores - teatro, entrevista com os professores do Curso de principios basicos de theatro - CPBT. (Foto: Aurelio Alves/O Povo)
FORTALEZA-CE, BRASIL, 09-10-2023: Israel, ex aluno e monitor do projeto. Dia dos professores - teatro, entrevista com os professores do Curso de principios basicos de theatro - CPBT. (Foto: Aurelio Alves/O Povo)

O aprendiz dos aprendizes

Aluno da professora Neidinha Castelo Branco no período da noite, Israel Lucas, 28, é um dos exemplos da metamorfose do teatro. Aluno de Ciências Contábeis, ele desistiu da graduação e escolheu os palcos. Atualmente, o rapaz das aulas noturnas é formado em Teatro e monitor no Theatro José de Alencar (TJA).

"Aprendi com a Neidinha que o teatro não é apenas uma formação artística. É uma formação social, a gente se entende como sujeito. Citando Paulo Freire, somos sujeitos de ação que estamos ali pra promover movimento. E ter esse olhar foi importante para minha formação enquanto educador. Hoje eu me orgulho muito de ser um educador. Eu consigo promover um ambiente em que todo mundo presente construa esse conhecimento".

FORTALEZA-CE, BRASIL, 15-06-2023: Theatro José de Alencar. (Foto: Aurelio Alves/O Povo)
FORTALEZA-CE, BRASIL, 15-06-2023: Theatro José de Alencar. (Foto: Aurelio Alves/O Povo)

O curso de teatro do TJA

Criado em 1991, o Curso Princípios Básicos de Teatro (CPBT) é um das experiências formativas em artes mais sólidas do Ceará. Ao longo dos anos, a ação recebeu mais de nove mil alunos, montou cerca de 65 espetáculos de conclusão e formou mais de 1.200 estudantes. Entre os grandes nomes formados pela iniciativa estão Silvero Pereira e Jesuíta Barbosa.

Podcast Vida&Arte

O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker. Confira o podcast clicando aqui 

<div><iframe src="https://open.spotify.com/embed-podcast/show/6sQZbAArx6gWIK8Gume6nr" width="100%" height="232" frameborder="0" allowtransparency="true" allow="encrypted-media"></iframe></div>

O que você achou desse conteúdo?