Uma oportunidade de "explorar e explanar o patrimônio material brasileiro" a partir de registros de portas. Com mil fotos e abarcando dez cidades de cinco estados brasileiros, o projeto do artista visual e produtor cearense Negrosoousa chega ao público nesta sexta-feira, 20, de forma virtual.
A iniciativa, intitulada "Pode Entrar", reflete sobre a riqueza histórica do Brasil em diferentes regiões e convida os espectadores a pensarem sobre suas relações com a cidade. A documentação de 18 meses estará disponível na galeria virtual Casa, com acesso a partir do perfil do artista no Instagram.
A exposição começou como uma "aventura de captação". "Sempre tenho interesse por alguns elementos específicos quando transito pela cidade e acabou se transformando em uma prova de que preciso ter uma conexão com ela. Isso foi ganhando grandes proporções", explica o artista, que também encara o projeto como uma oportunidade de colocar em diálogo diferentes estados brasileiros.
"Pode Entrar" não é restrita a um público específico. Como Negrosoousa analisa, a mostra funciona como "um convite a visitar a cidade" e a "ter acesso ao espaço que está sendo posto de uma maneira específico". Os espectadores podem esperar um recorte harmônico, mas a estrutura permite que cada um faça suas próprias leituras.
"Claro que quero que todo mundo tenha esse contato e sinta-se convidado a aventurar-se em suas cidades, mas, de certa forma, acredito que se as pessoas já se sentirem tocadas ou atravessadas pelo conjunto que está sendo exposto eu já terei cumprido meu papel enquanto artista e comunicador", vislumbra.
A comunicação, aliás, foi também um aspecto desenvolvido ao longo do processo de pesquisa de Negrosoousa. Afinal, as fotos não eram registros estáticos, pois, além de carregarem consigo histórias vivas, poderiam estar situadas em contextos de presença dos "donos das portas". Há algumas portas, por exemplo, que são "guardadas com carinho" pelo artista.
"Algumas eu tenho carinho não pelo contexto geral, mas pelo fato de a pessoa ter aberto a porta e começado a falar depois que eu tirei as fotos. Um projeto assim começa no intuito de captação e de documentação, mas ele não escapa do tato social. Sempre temos um tempo para circular pela cidade, então sempre haverá pessoas mais acessíveis a contar suas histórias", ressalta.
Foi em seu "Estado-berço", o Ceará, que Negrosoousa se deparou com a maior diversidade de narrativas compartilhadas. Ele visitou as cidades de Granja, Viçosa, Sobral, Canindé, Crato e Juazeiro do Norte. Pelo Nordeste, ainda passou por Parnaíba (PI), São Luís (MA) e Olinda (PE). Houve destaque também para as construções de Ouro Preto (MG).
A cidade mineira, por sinal, foi também um palco de estudos e comprovações de diferenças entre os municípios a partir de suas estruturas. O artista notou como "existe uma riqueza maior nas construções", algo que sobressalta nos casarões do espaço. Casos assim mostram o poder da exposição em captar diferenças sociais por meio das portas.
Nesse sentido, a diversidade é encontrada na própria cidade, como no caso de São Luís. "A gente percebe que o centro tem muito dessa riqueza patrimonial antiga, com os casarões, mas o tempo sempre vai vir em diálogo com a minha matéria. Ele é um fator determinante na alteração até dessas portas. Muitas delas são de casas abandonadas", afirma.
As passagens pelos municípios abarcam períodos nos quais Negrosoousa esteve desenvolvendo outros períodos. Em Ouro Preto, por exemplo, viajou na época da Semana Santa para fotografar a festividade, trazendo mais para o lado religioso. Em Olinda, extraiu vivências culturais, afetivas e pessoais.
Nas análises adquiridas a partir da vivência do processo de pesquisa, o cearense compreende que "Pode Entrar" apresenta as especificidades de cada local. "Você entende que as características e os estilos de vida dos municípios fazem as pessoas desenvolverem suas portas. Várias seguem uma linha única de construção. Em outras cidades as portas já vão falar de uma galera mais festiva. Você acaba conseguindo fazer essas leituras", enfatiza.
Ele acrescenta: "Eu acho que é muito particular de cada uma dessas cidades, sabe? Mas, no geral, a exposição fala muito sobre a adaptação do humano no espaço e a forma com a qual ele se expressa. De forma mais ampla, é classificado como um patrimônio material, mas a singularidade do objeto é muito íntima da pessoa. Acredito que seja nessa união da intervenção humana que o projeto todo se comunica".
Quais os aprendizados adquiridos, então, com essa trajetória? "Existem pautas que são dadas a nós a partir do momento que entendemos nossa relação com o espaço, enquanto entendermos que temos direito à cidade. Várias outras pessoas analisam a cidade e procuram formas de se conectar com elas por um objeto que seja. Acredito que o 'Pode Entrar' vai além da afirmação quanto à posse e à permissão de você explorar uma coisa tão grandiosa quanto o patrimônio. Estamos estendendo a outras pessoas a oportunidade de olhar para suas cidades com outros olhos", resgata.
Números
1000 fotos
10 cidades
5 estados
Pode Entrar
Quando: a partir de
sexta-feira, 20
Onde: Galeria Virtual Casa, com acesso a partir do perfil @negrosoousa no Instagram