O terror é um dos gêneros mais antigos da literatura. Basta lembrar que muitos dos contos infantis lidos para crianças atualmente foram escritos para gente de todas as idades com grandes doses de suspense e que despertavam horror e medo. O conto "João e Maria", por exemplo, é um deles. Abandonados pelos pais numa floresta, o casal de crianças caminha sem rumo até encontrar uma mulher, descrita como uma bruxa má. Os autores do conto, Jacob e Wilhelm Grimm, ficariam apavorados caso lessem "João e Maria" na contemporaneidade e descobrissem um texto quase desidratado de terror.
O terror moderno, no entanto, tem como principal nome o norte-americano Edgar Allan Poe, autor do famoso poema "O Corvo" (1845), que teve no Brasil o primeiro tradutor, um escritor igualmente famoso, Machado de Assis. No texto, a voz atormentada do eu lírico desperta numa gelada meia-noite de dezembro com batidas na porta. Ao atender, recebe a ave negra: "E eu disse: 'Ó tu que das noturnas plagas vens, embora a cabeça nua tragas, sem topete, não és ave medrosa. Dize os teus nomes senhorais: Como te chamas tu na grande noite umbrosa? E o Corvo disse: 'Nunca mais'".
Poe é também autor do conto muito lido e conhecido e que já inspirou várias outras obras artísticas, "O gato preto". O texto, publicado em 1843, expõe o caso da loucura do personagem narrador, acossado pelo alcoolismo, adoecendo aos poucos e cometendo toda sorte de vileza com a mulher e os animais da casa. A começar com o enforcamento de Plutão, o gato preto que acompanha o casal.
"O gato preto", de Allan Poe ressoa até hoje em várias produções artísticas. Está presente no filme "The black cat" (1941); influenciou Charlotte Perkins no conto "O papel de parede amarelo" (1892), e sua personagem, confinada em casa, observando as mudanças na parede amarelada do quarto.
E por falar em Perkins, o conto inspirado em Poe é também um dos primeiros textos feministas que mostram como as mulheres podem se atingidas em cheio por relacionamentos que sufocam e que lhes tiram toda a autonomia, mesmo sob a singeleza do discurso amoroso do zelo e cuidado. O autor de obras de terror Stephen King levou Poe para o centro da sua obra e o "O gato preto" está presente em "O Iluminado".
O cineasta Alfred Hitchcock copiou do mestre estadunidense, em "Psicose", o ambiente do suspense psicológico comum na criação literária de Poe. Dos Estados Unidos veio também o mestre do horror cósmico, subgênero do terror, H.P. Lovecraft que leva para sua literatura o suspense envolvendo personagens alienígenas em clima de mistério e desespero. Parece que Poe foi professor de muita gente.
Nessa história também cabem mulheres. Pelo menos Mary Shelley colocou seu nome no rol da fama do horror com o clássico romance gótico "Frankenstein" (1818), cujo personagem se transformou num ícone pop do gênero do cinema ao longo do século XX e chegou ao século XXI em alta. O livro já manifesta uma crítica à ciência do século 18 e os seus métodos nos séculos.
Entre os autores nacionais de terror, podemos citar alguns nomes que se destacaram por suas obras originais e criativas, que exploraram aspectos da cultura brasileira e da realidade social. Alguns críticos consideram que a novela "O Alienista" é um típico texto de horror do século 19, no Brasil. O livro narra a saga do dr. Simão Bacamarte que, por fim das forças, deseja confinar num hospital todos aqueles que, segundo sua régua, entrarem para a lista dos loucos.
Alguns contos da escritora carioca Lygia Fagundes Teles de "As meninas" também se inscrevem sob a tarja do terror. "Venha ver o pôr do sol", por exemplo, narra o encontro de dois ex-amantes num cemitério abandonado. O suspense numa crescente e a crueldade se avizinhando tornam o conto digno de Poe. "Natal na barca" é outro dos textos curtos de Lygia que, segundo os críticos, se enquadram como de terror. Bem mais ameno, a trama conduz a narrativa num diálogo entre duas mulheres que viajam numa barca na noite de Natal. Uma mergulha na solidão e no silêncio do rio, enquanto a outra submerge no abandono do marido e na dor do filho morto. A linguagem do conto, embora sombria, não chega a ser assustadora, no entanto, se mantém imersa na expectativa que ronda as mulheres sobre a a vida e a morte.
Para ler e ver
Frankenstein, ícone pop
Livro publicado em 1818 pela inglesa Mary Shelley, "Frankenstein" tornou-se um ícone pop.
Frankenweenie, a releitura
Em "Frankewennie", Tim Burton faz uma animação em stop motion do menino usa a ciência para trazer de volta o cãozinho morto.
Poe, o mago do terror
Edgar Allan Poe é mestre do terror moderno e deixou clássicos como "O Corvo" e "O Gato Preto".
"O Corvo" nas telas
Na versão de "O Corvo" (2012) para o cinema, o próprio Allan Poe está à caça de assassinos que imitam seus contos.
O Bruxo do Cosme Velho e terror
Machado de Assis, o "Bruxo do Cosme Velho", fez a primeira tradução de "O Corvo". Escreveu "O Alienista" e os contos "O Enfermeiro" e "A Causa Secreta".
Moreira Campos, o contista
Na coletânea "O Cravo Roxo do Diabo", o contista Moreira Campos aparece com o clássico do gênero "Dizem que os cães veem coisas".
Assombração à moda cearense
A coletânea de textos fantásticos de autores cearenses "Cravo roxo do Diabo", organizada pelo escritor Pedro Salgueiro, reúne pouco mais de 100 contos de assombração/fantásticos. O esforço de juntar textos do gênero não se prende a conceitos fixos e o leitor poderá, sem susto, trafegar por narrativas que podem muito bem se passar apenas por causos até pitorescos como o conto "O ar do vento, Ave-Maria", do autor de Dona Guidinha do Poço, o escritor Oliveira Paiva. O texto, publicado em 1887 em "A Quinzena", foi reeditado para a coletânea. A trama chega a divertida pela linguagem utilizada do texto que dá conta da oralidade do sertanejo que, numa noite de lua cheia, encontra um monstro sem cabeça no roçado.
Do escritor e jornalista Gilmar de Carvalho, o "Cravo roxo..." foi buscar o conto-metáfora sobre a morte "Omulu", no livro "Pluralia Tantum", de 1973. O contista Moreira Campos comparece com o clássico "Dizem que os cães veem coisas" , e Ana Miranda, com o conto "Unhas", da obra "Noturno". Da Rachel de Queiroz, o leitor poder reler "Pedra Encantada", publicada na obra "O brasileiro perplexo".
Entre o fantástico, o mágico, o que mete medo, a assombração pura e simples, os pavores todos - os de fora e os de dentro - , os textos do "Cravo roxo do Diabo" formam um caleidoscópio de linguagem que traça também uma história da literatura do Ceará no gênero fantástico. História de almas, de gente viva e de bichos, cuja realidade ficcional se confunde com aqueles criados pela mente e que acompanham sensações e percepções da realidade distorcidas ao bel prazer dos autores e dos leitores. Bem-vindo ao mundo ao estranho mundo das letras.