"O sol abrasava a cidade. As ruas pacatas anunciavam a agitação costumeira do comércio. Era [...] dia de feira, com movimento de carroças, animais, gritos de vendedores e chapeados carregando sacos de feijão e arroz na cabeça dos caminhões para os armazéns".
O trecho acima demonstra a riqueza de detalhes do trabalho de rememoração de Saraiva Júnior. O advogado, ator, boêmio, professor de história, jogador de futebol, militante político, "escrevinhador", filho, marido e pai resgata o passado em seu novo livro "Menino à margem", que será lançado nesta quinta-feira, 16, na Casa Coral.
Autor de obras como "Senador Pompeu em Crônicas", "Olhar dos humilhados" e "Mozart, inquieta no futebol", Saraiva Júnior se insere como narrador-personagem em "Menino à margem", onde ele traça um paralelo entre um mundo cheio de regras e repressões e a dinâmica agitada das ruas e as trocas de experiência de vida.
A obra tem como ponto de partida a propriedade onde Saraiva Júnior nasceu, localizada em Senador Pompeu, cidade do Sertão Central cearense. Conforme a história avança, o leitor acompanha o protagonista crescer e viver os dilemas da infância e, posteriormente, da adolescência.
Evocando a curiosidade da criança e a rebeldia da juventude, Saraiva Júnior resgata os momentos em que jogava futebol e tomava banho no rio Banabuiú, das poesias que escrevia na juventude, das inúmeras vezes que foi comprar edições do jornal O POVO para o pai e da época em que veio morar no bairro Benfica, na Capital.
Em entrevista ao Vida&Arte, o autor ainda lembra de quando foi convidado para participar de uma seleção para jogar no Fortaleza Esporte Clube. "Era meu sonho. Eu iria ser jogador do Fortaleza e, na minha cabeça, depois eu iria para o Fluminense ou para o São Paulo e, naturalmente, para a Seleção Brasileira".
Porém, o sonho de seguir carreira no futebol foi barrado pelo pai, sob a ameaça de voltar para o interior. "Era tudo que eu não queria". Após a negativa, Saraiva Junior passou a se dedicar à literatura.
Nesse mesmo período, o Brasil estava sob a ditadura civil-militar, que governou o País entre 1964 e 1985. Na época, Saraiva Júnior teve contato com movimentos contrários à repressão dos militares e conheceu as obras de nomes como Karl Marx, Friedrich Engels, Leon Trótsky e Vladimir Lênin.
Por conta disso, Saraiva Júnior chegou a ser preso e torturado pela polícia política da época. Sobre operíodo, ele diz: "Mas, nessas 'alturas', eu já sabia remar contra a corrente. E continuo remando até hoje".
"Menino à margem" pode ser traduzido como uma grande ode à família. Nela o autor relembra momentos com os pais, irmãos e amigos, onde cada mínimo detalhe tem seu devido valor.
As artes fazem parte da vida de Saraiva desde sua infância no interior até os dias atuais. O pai era agricultor; a mãe era professora, pintora, instrumentista, bordadeira e foi a responsável por apresentar ao filho grandes nomes da literatura, como José de Alencar, Rachel de Queiroz e Machado de Assis.
"Eu dedico esse livro à minha mãe, Christina Pessoa. Ela me contou as primeiras histórias e me fez enxergar uma 'terceira margem', ela me mostrou que a vida não é simplesmente essa dicotomia entre bem e mal", conta o autor.
Esta mesma vocação para as artes, que a mãe tinha, hoje, ele e a esposa, Maninha, passam para os filhos. João e Bruno são musicistas. A filha, a artista visual Raisa Christina, foi a responsável por criar as ilustrações em nanquim presentes no livro.
"Ela [Raisa] me estimulou a escrever este livro e já foi logo dizendo que ia fazer as ilustrações e sou só gratidão à ela", revela Saraiva Júnior.
Lançamento de "Menino à Margem"