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História em quadrinhos recria o Super-Homem negro e africano
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História em quadrinhos recria o Super-Homem negro e africano

Lançada em setembro, história em quadrinhos baiana reimagina o Super-Homem como um homem negro e africano
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Foto: Divulgação .

As letras que dão título a este texto iniciam a música "Rei Bantu" de Luiz Gonzaga. A canção compartilha o nome com o protagonista da história em quadrinhos 'Estados Unidos da África', com autoria do escritor e poeta Anderson Shon e Daniel Cesart, ilustrador e quadrinista, ambos de Salvador (Bahia).

No entanto, o personagem principal da HQ é um homem camaronês que ganha poderes de modo incomum e então, unifica todos os países do continente africano em uma só nação. Assim, criando os Estados Unidos da África. Mas, o herói percebe que não é possível resolver problemas como a fome com seus super poderes. Por isso, ele começa a agir de forma que ajude de fato seu povo. O monarca terá que lidar com ódio e preconceito para conseguir manter a hegemonia do seu país, já que populações marginalizadas no poder não são vistas com bons olhos.

A realidade do Rei Bantu no quadrinho de Shon e Cesart, era sonho de Haile Selassie, rei da Etiópia, uma das únicas nações da África a não sofrer com o imperialismo europeu. Em 1963, Selassie criou a Organização da Unidade Africana (OUA), que visava a união das lideranças dos países do continente como forma de combater a invasão e exploração realizada pela Europa.

A obra de Anderson e Daniel possui referências pan-africanistas, desde o enredo até as cores presentes no traje do personagem e na bandeira dos Estados Unidos da África. Mas antes dessas referências a ideia para a HQ nasceu da necessidade do poeta de se ver em produções da Cultura Pop. "Sou nerd desde criança e eu nunca me vi representado pela Cultura Pop, em animações como Dragon Ball Z acabava me identificando com personagens que não eram negros explicitamente, como o Piccolo", explica o autor do quadrinho.

"Eu tenho a responsabilidade de falar com os meus, sobre a minha negritude e a minha ancestralidade, tenho essa necessidade de falar com os meus.", continua Shon. A intenção em fazer uma releitura de uma figura clássica como Super-Homem era justamente subverter um símbolo dos Estados Unidos da América. "A ideia de não fazer um personagem novo, ele não deixa de ser uma ideia nova, o que fazemos na verdade é brincar com o clichê de super-herói", explica o escritor. "O clichê é algo que os brancos usam bastante, mas quando os negros vão usar, não pode, não é?", reflete Anderson.

Já Daniel Cesart entrou para o projeto inicialmente para desenhar apenas 5 páginas, porque o intuito inicial de Shon era escrever um livro, portanto o ilustrador faria somente a parte gráfica. Porém, conforme foram desenvolvendo o projeto, chegaram a conclusão de que seria melhor produzir uma história em quadrinhos. "A narrativa estava muito boa, comecei a falar para Shon que poderíamos aumentar para 7, 10 páginas e aí foi até 188, que são o número de páginas totais da HQ e virei autor da obra", conta Cesart.

Para o traje do herói, Cesart se baseou em elementos presentes em cerimônias de matriz-afro como umbanda e candomblé. "Ele usa um eketé na cabeça, então muita gente que é de religião de matriz africana já se reconhece ali", aponta o quadrinista. Além disso, o ilustrador baseou o figurino na Noite da Beleza Negra do Bloco Ilê Ayê. "Eu frequento muito o Curuzu, o Ilê e o Pelourinho, então essa relação Ilê Ayê e Olodum vejo de perto e pesquisei a roupa dele em cima disso. É um evento que as pessoas vão paramentadas e vestidas do jeito que elas querem estar, sem ligar para roupas de marca. Elas tem o estilo próprio, que traz muito da cultura africana", elucida o desenhista.

Também foram usadas cores do movimento pan-africanista na vestimenta do Rei Bantu, unindo as cores vermelha e amarela para criar o laranja. Já a expressão facial do monarca foi baseada em Forest Whitaker, ator famoso por filmes como "O último rei da Escócia" (2006). "Shon falou que gostaria que o Rei Banto tivesse o mesmo olhar dele, um olhar de imponência e aí fomos construindo em cima disso", explica Daniel.

Mas Anderson acredita que "o maior simbolismo dessa história é colocar rostos conhecidos do público, a fim de presentificar a narrativa.A partir daí passamos a dizer que nossa obra segue uma linha afro presentista, porque estamos sim falando de um futuro, mas um amanhã que está mais próximo do hoje", alega o poeta.

A história em quadrinhos levou cerca de dois anos e meio para ser produzida e um dos maiores desafios, segundo seus autores, era conciliar outras demandas com o desenvolvimento da HQ, uma vez que a obra foi feita de forma independente. "Esse quadrinho foi todo feito a partir do nosso próprio dinheiro, não ganhamos nada para produzi-lo, quando fizemos o financiamento coletivo, já tínhamos tudo esboçado e angariamos fundos para a impressão da revista.", explica Daniel.

"Tem sido massa fazer essa turnê de banda de rock, sem banda de rock. Viajar a trabalho é bem cansativo, mas vemos que o projeto tem uma aceitação muito grande." conta Anderson Shon. A história em quadrinhos foi lançada em setembro na Bahia e desde então os autores têm viajado pelo estado divulgando a obra.

Estados Unidos da África

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