No passado colonial e escravocrata do Brasil, o pelourinho costumava ser uma coluna de pedra ou madeira, construída em lugar público, onde pessoas negras e escravizadas, criminosos e homossexuais eram castigados, segundo o Dicionário de História de Portugal. No entanto, em Salvador (Bahia), o Pelourinho é o coração do centro histórico da capital baiana. Composto por ruas estreitas, ladeiras e com calçamento em paralelepípedos, é cheio de bares, restaurantes, boutiques, museus, teatros e igrejas.
Hoje, um dos pontos turísticos soteropolitanos mais famosos, possui atividades culturais e eventos frequentemente, como do grupo Olodum. É nesse cenário que nasce mais uma história ou melhor, as várias tramas que compõem “Ó paí Ó 2”, sequência que acompanha Roque (Lázaro Ramos), e toda a turma do cortiço de dona Joana (Luciana de Jesus) Neuzão (Tânia Toko) em uma aventura para recuperar o bar de Neuzão (Tânia Tôko). O longa-metragem chega aos cinemas em 23 de novembro. O POVO conversou com o roteirista Elísio Lopes, os atores Lázaro Ramos, Tânia Toko, Cássia Vale, Jorge Washington e a diretora Viviane Ferreira sobre a produção.
O POVO: O primeiro filme termina de uma forma um tanto trágica e sem tanta perspectiva de sequência. Então, qual a ideia de “Ó paí Ó 2”?
Elísio Lopes (roteirista): Bom a gente achou uma história, não só conversamos entre nós, mas conversamos o dia dia do Pelourinho, quem está ali vivendo a realidade dos personagens e juntos achamos o nosso mote, que é a perda do bar do Neuzão, que é um ponto de encontro dos personagens todos. Mas o filme inteiro dialoga com a trama de todos os personagens, todo mundo tem um desdobramento e traz uma pauta importante e são muitos desejos, muitas histórias dentro da principal. Todas de uma forma moderna, é uma chanchada moderna, inspirada no nosso teatro de revista, é um pouco esse teatro de revista que acontece, porque tem música, humor e política com questões que são importantes para a gente. É um pouco desse teatro de revista na tela do cinema.
Cássia Vale: Além do que acontece com nossos personagens, nós somos um grupo de teatro, então a força do coletivo com a gente é muito importante. Então, a volta desse filme é mostrar a força que podemos realizar juntos, o recado total é que juntos, as pessoas podem morar nos lugares mais precários, mas a força está na coletividade.
Jorge Washington: O bando é esse coletivo que Cássia cita e a gente tem, temos o mote de falar coisas que achamos que não estão certas. E quando Monique vem e propõe o “Ó paí Ó 2” com todo o legado do primeiro “Ó paí Ó” , até hoje é o filme que mais tem meme, que as pessoas comentam sobre na feira. Então, fomos colhendo isso ao longo desses 15 anos e na primeira tentativa que acho que foi em 2018 era um quadro, quando retorna para refazer o filme agora hoje, o quadro é outro. E aí nos juntamos novamente, convidamos gente da comunidade, lembro do encontro com Albi Apolinario, no Museu Afro, e ali na conversa com ele, que é morador e dono de um bar no Pelourinho que nos conta coisas incríveis e traz histórias que Elísio como bom ouvinte e escritor foi lá e captou muitas coisas e trouxe para o roteiro.
Tânia Toko: Fico feliz de voltar para o personagem Neuzão, para mostrar mais uma vez a nuance dela dentro dessa trama, que é essa questão do acolhimento. E ao mesmo tempo que ela acolhe essa comunidade, a comunidade a acolhe todas as vezes que ela se encontra em perigo. É um momento crucial, porque muitas pessoas asiáticas, como coreanos, chineses estão vindo para Salvador e acredito eu que para outras cidades do País, e estão tomando conta dos comércios dos centros urbanos. Então, Neuzão perde o bar para um homem sul-coreano na trama e aí a comunidade se mobiliza em prol disso. O mote principal dessa obra é o coletivo, é mostrar o que é dentro de uma comunidade enquanto coletividade, onde todos se ajudam. Se falta uma cebola, um gás, se ajudam essa é a essência de comunidades, a questão dessa coletividade com muita honra.
Luciana Souza: A medida que fomos nessa construção de personagens o público também foi nos dando outros rumos, significados, opinando e nos interrogando, como os personagens estariam hoje. Temos aí essa gama de conteúdo, temos um longo tempo para nos apropriar disso juntamente com nossa militância, porque somos artistas que temos responsabilidades com nossas causas que sabemos que não é só por estética.Trazemos conosco uma carga de conteúdo e de defesa, que isso nos faz ser fortalecidos (as) e nos faz ter conteúdo para desenvolver personagens e múltiplos roteiros e que venha “Ó paí Ó 3”, que venha série e novela.
O POVO: Como você assumiu a direção de “Ó paí Ó 2” tão carregada de tantos significados importantes?
Viviane Ferreira (diretora): Na Bahia, dizem que quem não sabe andar pisa no massapê e escorrega. Por isso, ao receber a missão e a convocação do Bando (de Teatro Olodum), procurei chegar devagarinho, respeitando e ouvindo a trajetória de mais de 30 anos desse grupo, entendendo que um dos grandes métodos que encanta no trabalho do Bando de Teatro Olodum é exatamente fazer arte com escuta afetiva e com crença na construção coletiva.
O POVO: Como é voltar 15 anos depois ao filme e ao Bando de Teatro Olodum?
Lázaro Ramos: É muito emocionante, principalmente porque sempre que volto para o Bando, vejo um menino de 15 anos de idade diante de seus ídolos. Confesso que ainda hoje é assim. Lembro que no primeiro dia no set do “Ó paí Ó”(2007), eu de noite estava exausto, mas não era de gravar, é porque estava querendo muito agradar eles, então ficava fazendo piada, fofocava, tirava dúvidas, pedia para ensaiar a cena. Porque o Bando
é a grande referência, não é? E voltar com “Ó paí Ó” tem esse sentido para mim. Além de estar junto das minhas referências, é a oportunidade também de rever os assuntos que a gente falou há 15 anos e pensar o que aconteceu com esses assuntos no Brasil. Porque acho que esse atores tem uma inteligência cênica tão grande, muito bonito ver a Vivi falando isso, que nessa inteligência criativa cada um deles criou um pedaço do Brasil. O “Ó paí Ó” conta a história de uma pequena parte de Salvador, mas ai dentro cada um deles traz um tema, cada um deles é uma oportunidade de ver o que o Brasil fez com os temas todos ao longo dos anos.
O POVO: O que vocês consideram importante para mudar no roteiro de “Ó paí Ó 2” para a evolução dos personagens após 15 anos do primeiro filme?
Elísio Lopes (roteiro): Todos são autores, não só quem está no roteiro, todos os atores são autores porque são criadores das suas criaturas e cuidar dessas criaturas é uma responsabilidade enorme, porque cresci como artista assistindo as peças do Bando de Teatro Olodum, então eu conheço a linguagem, gosto do humor. Eu me emociono com as situações que o bando traz para a cena, então a gente trouxe um monte de desejos que se juntaram nessa história com um mote princial, mas é uma história multiplot. Todos os personagens e situações fazem parte do entendimento do que é o Brasil nesse momento da história. Nos preocupamos em trazer a partir do olhar dessas figuras o que eles estão enxergando. Tem a provocação da cena do trailer, quando o Roque fala ‘parece que a gente está no mesmo lugar, mas tudo mudou’. Então, nós continuamos na luta, mas tudo mudou, os obstáculos já não são mais tão relevantes como eram naquele tempo.
Ó paí Ó 2