Quem chega à Comic Con Experience, qualquer edição que seja, passará pelo Artists Valley (AV) ou Vale dos Artistas, em tradução livre para o português. Presente desde a primeira edição da CCXP, que fez sua estreia em 2013, em São Paulo, o espaço é considerado o coração da convenção, que é um dos maiores eventos de cultura pop em alcance internacional. A área é destinada para que quadrinistas independentes possam apresentar suas obras, prints e sketchbooks, além de trazer artistas que atuam em grandes editoras para interagir com o público.
Neste ano, o Vale dos Artistas espera reunir até 500 artistas, entre eles, o professor, roteirista de HQs e quadrinista do O POVO Luís Carlos Sousa. O cearense destaca a centralidade dos quadrinhos na Comic Con Experience. “O reconhecimento para dizer que a fundação de tudo isso daqui (filmes e séries) são as histórias em quadrinhos, então a gente tem que dar a importância que ela precisa. É muito legal lembrar que temos esse local de destaque dentro da criatividade na imensidão da cultura pop”, salienta o escritor que vai para o evento desde a segunda edição e, neste ano, integra o Artists Valley.
“Acabamos vendo como as histórias que criamos do lado de cá impactam as pessoas”, celebra Brendda Maria, também quadrinista cearense que foi selecionada para a feira. A ilustradora participa do AV desde 2018. Brendda alega que a inspiração para produzir a HQ “Cais do Porto”, lançada em 2020 pela editora Conrad, ficou mais forte após a ida para a CCXP. “Porque, até então, a gente via muita obra que falava sobre o Ceará com perspectivas ligadas à terra seca, e eu queria abordar o lado mais urbano. E em 2018, entendi que queria falar disso e falar de mulheres cearenses”, explica.
Dentre os 500 artistas presentes também estarão 12 jovens da Rede Cuca que participaram do laboratório Criativo de Quadrinhos, um curso intensivo de quadrinhos, ministrado no Cuca Pici e Cuca Mondubim, entre os meses de agosto e outubro de 2023, numa parceria com as editoras Mino e Chiaroscuro. Os quadrinistas farão o pré-lançamento da “MAH! Antologia de Quadrinhos da Rede Cuca”, que reúne 30 histórias em quadrinhos criadas pelos alunos do Laboratório Criativo de Quadrinhos.
“Sinceramente, nem parece real. Não é nem pela história em si, apesar de jamais ter tido pretensões de publicar algo. Mas é a CCXP, o maior evento de Cultura Pop no mundo. Um dos meus irmãos é louco para ir, então estarei lá por ele e por mim”, comenta Enale Airam, uma das 12 artistas do projeto selecionadas para ir a feira. A também estudante de libras da Rede Cuca, de 25, tem contato com histórias em quadrinhos desde a infância, iniciando com os gibis da Turma da Mônica. “Herdei alguns quadrinhos e revistinhas sobre animes e mangás dos meus irmãos mais velhos e costumava ler muito quando criança”, revela. Enale é a caçula de 6 irmãos, sendo 5 homens e uma mulher.
A autora decidiu transformar uma tirinha que havia produzido na formação “Histórias em quadrinhos: Do Roteiro à página”, ofertado no Cuca Pici. Com o título de “Escolhas”, a trama acompanha Kai, uma criança que está a procura de sua tartaruga de estimação Tadeu, que acaba se perdendo. A ideia inicial era contar outra história, no entanto, Airam relata que não foi possível tirá-la do papel.
O principal desafio na produção, segundo a jovem, “foi inserir mais acontecimentos sem perder o embrião da história original”. A também roteirista da HQ não queria fugir do final da tirinha que deu origem a “Escolhas”. “Eu fiz vários esboços, com várias páginas. Alguns terminaram com 10 e outros com 14, até que finalizei com 12.”, ilustra.
Apesar der fã de mangás do gênero shoujo (quadrinhos ou animes japoneses com histórias românticas, geralmente destinados ao público adolescente e feminino) e shounen (quadrinhos ou animes nipônicos com tramas de aventuras, comumente voltados para o público masculino infanto-juvenil), Enale usou como referência a obra “Os Mortos e os Vivos”, do quadrinista norueguês Jason, publicado pela editora Mino, que tem traz grids fixos. Então, a jovem colocou na maioria das páginas até 6 quadros, salvo duas ou três páginas que possuem dois ou 3 quadros a menos.
Já Kamello, pseudônimo de Thiago Kamello, outro jovem que estará presente na CCXP23 para o pré-lançamento de “Mah”, teve como influência artistas que produzem jornalismo em quadrinhos, como Box Brown. Intitulado de “O Homem que Habita a Solidão”, o enredo de Kamello foi inspirado no caso real do “He-Man do Nordeste”, um homem paraguaio crescido em Alagoas que era atração no Circo do He-Man, no Crato.
“O espetáculo dele era subir num ringue e lutar com uma dezenas de homens nas cidades por onde o circo passava. Eu sempre achei muito curiosa essa história e acabei pensando em contar ela na HQ com bastante ficção, com liberdade artística, usando da fantasia”, conta Kamello.
Além disso, ele incorporou o documentário falso dentro da trama como forma de contar melhor essa narrativa de ficção.Para os traços, o quadrinista usou como referência os artistas Mike Mignola, um dos ilustradores de “Hellboy”, publicado pela Dark Horse, Alex Toth, Bastien Vives.
O contato com histórias em quadrinhos também aconteceu ao longo da infância para Kamello. Natural de Paramoti, o rapaz de 28 anos tem na lembrança a memória vívida de vir a Fortaleza e sempre comprar quadrinhos de super heróis. “Eu era uma criança introspectiva, com imaginação fértil e fui da geração criada por televisão. Então, as HQs eram uma mídia que a gente podia revisitar, diferente de desenhos animados na televisão”, conta.
Mesmo sem ter publicado antes, Kamello já produzia quadrinhos. O quadrinista afirma que foi um diferencial contar com o acompanhamento de Janaina de Luna e Pedro Cobiaco, dois autores de HQs reconhecidos no mercado nacional e ligados à editora Mino.
Rayane Araújo por sua teve os traços de obras shoujo para a criação de “Bola na trave”, mais uma das histórias de “Mah ". “Eu queria brincar com a dinâmica de garoto desajeitado tentando conquistar alguém, sabe? Achei que seria divertido fazer ele um fã de futebol, como vejo os jovens de hoje serem”, diz a quadrinista. A trama acompanha um rapaz apaixonado e desajeitado que joga e é fã de futebol.
A estudante de Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e freelancer de 29 anos também se inspirou na história “Lovely Complex”, de Aya Nakahara. As obras “Ao No Flag”, mangá shonen de Kaito, e “Shimanami Tasogare”, de Yuki Kamatani que debate questões da comunidade LGBTQIAP+.
Por estudar em Natal, uma das maiores dificuldades de Araújo foi conciliar a rotina, já que também está em processo de produção do Trabalho de Conclusão de Curso. “O que me ajudou foram as aulas do curso, em especial os feedbacks do Pedro e da Jana. Sempre aproveitava esses momentos para explorar o potencial máximo da história”, explica. A ilustradora também salienta que o ambiente do curso a ajudava a mantê-la um pouco mais disposta.
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