Em 1º de dezembro, os Jardins da Reitoria da Universidade Federal do Ceará (UFC) foram tomados por um desfile especial. A iniciativa foi uma das ações realizadas para celebrar os 30 anos do curso de Design-Moda da instituição. "Decidimos não passar em branco, porque há muito o que comemorar", afirma a professora e coordenadora Emanuelle Kelly.
De fato, são vários os motivos que levam a comemorações. Um deles foi a conquista da nota máxima (5) de avaliação do Ministério da Educação (MEC). O resultado, anunciado em julho, é apenas um dos atestados da relevância que o curso alcançou ao longo de três décadas. A avaliação também se insere em contexto de constantes reflexões sobre o papel do Design-Moda na sociedade.
Criado oficialmente em 1993, o curso inicialmente era intitulado Curso de Estilismo e Moda da UFC e era vinculado ao Departamento de Economia Doméstica. Em 2010, passou a chamar-se Design-Moda e desde 2013 funciona no prédio do Instituto de Cultura e Arte (ICA). Foram incluídas novas matérias e o currículo foi atualizado.
"A matriz curricular é algo vivo, está sempre se atualizando de acordo com a sociedade e as demandas de mercado", pontua Emanuelle Kelly. "O diferencial do nosso aluno é que ele tem uma visão criativa e ao mesmo tempo crítica da moda. Ele não vai só perpetuar os processos vigentes da cadeia produtiva. Ele vai interferir nesses processos, propor soluções e inovar dentro da cadeia produtiva da moda", elenca.
Atualmente, são oferecidas 60 vagas para ingresso de novos alunos e o programa envolve conhecimentos históricos, sociais, econômicos e ambientais aplicados à moda ao longo de oito semestres.
A coordenadora aponta a importância de se ter uma matriz curricular que apresente discussões sociais atuais, como acessibilidade e decolonialidade na moda: "O aluno é estimulado a pensar sobre padrões como construções sociais e até que ponto essas narrativas sobre o corpo, a cor e as classes influenciam nossa visão de mundo. Como podemos reverberar isso nas nossas criações como designers e formadores de opinião?".
A estilista Marina Bitu, que terminou a graduação em 2011 e vivenciou diferentes processos do curso, o compreende como importante para a formação "ética e moral". Em 2023, sua marca, a "Marina Bitu", esteve na São Paulo Fashion Week (SPFW) com a coleção "Hotel Bitu".
"Acho que a importância do curso na minha trajetória está muito além do conhecimento adquirido. Está em uma preparação ética e moral, de situar os alunos sobre a realidade política e social do nosso país e do mundo. É um curso com uma grade muito ampla. Você só começa a ver sobre o mercado no terceiro ano de faculdade, porque antes disso está em estudos mais voltados para Psicologia, Antropologia, Arte, Cultura… Isso me preparou muito no sentido de me fazer ter um olhar mais amplo sobre o segmento", relata.
Ao longo dos últimos 15 anos (que incluem o seu primeiro ano de faculdade), Marina Bitu analisa que a sociedade tem tido mais discussões sobre uma Moda que fuja de estigmas já estabelecidos anteriormente. Em sua visão, atualmente os mais jovens conseguem "trazer um senso crítico ainda mais apurado" que em sua época, sendo estimulados também pelo incentivo à criticidade.
Para além do campo da prática do mercado, a moda permite o avanço em estudos sociais sobre sua constituição e suas influências. Esse é o caso de Breno Guedes, 29, egresso da UFC e atualmente mestrando em Antropologia. Mesmo em outra frente de atuação, ele enxerga a moda como "intrínseca" à Antropologia.
Breno foi aluno de Design-Moda na UFC de 2017 a 2021, e em sua monografia buscou discutir como a moda influenciou a história da quadrilha junina. "Fiz esse resgate histórico, percebendo os traços de modas - mas não somente o vestuário, mas também no comportamento, para entender como ela estava nas escolhas de músicas e figurinos propriamente ditos", explica.
Ao longo da graduação, Breno buscou sempre olhar mais teórico e social para a Moda. Hoje, ele segue pesquisando sobre quadrilhas juninas, mas mais próximas do seu campo de mestrado. Segundo Guedes, a importância de estudar sobre Moda é percebê-la "enquanto algo que é muito maior do que somente o que vestimos".
"A Moda extrapola muito os limites do que entendemos de forma habitual. Geralmente, quando falamos de Moda para as pessoas, elas já atrelam ao vestir, mas o "vestir" envolve outras pessoas, é também como você se mostra, é um local político, que demarca relações de poder, questões de gênero e de raça. Temos muitas questões sociais dentro desse vestir e dentro do agir, porque a Moda também é forma de agir", consolida.