Até que ponto é válido mentir para proteger os sentimentos de quem se ama? Essa é uma questão que permeia o contexto no qual está inserido o espetáculo “Tom na Fazenda”, obra que retorna ao Cineteatro São Luiz neste fim de semana.
Inspirada em texto do autor canadense Michel Marc Bouchard e adaptada para o teatro brasileiro por Armando Babaioff, a peça acompanha Tom (Armando Babaioff), que cai em uma rede de mentiras quando viaja para a fazenda onde a família de seu falecido companheiro mora. Chegando lá, o publicitário descobre que sua sogra desconhecia sua existência e a orientação sexual do filho. Além disso, ele precisa lidar com a violência do irmão do falecido, que não quer que a mãe em luto saiba do relacionamento de Tom.
Nesse sentido, um dos principais assuntos da peça é a homofobia, algo que Babaioff considera ainda bem presente no contexto atual. “Quando você consegue transpor para a arte uma discussão que é cara para a sociedade, ainda mais com um texto com esse acabamento primoroso de ‘Tom na Fazenda’, você se sente um pouco responsável por levar essa discussão para outros lugares”, conta. “A gente encontra na arte uma maneira também de fazer política, fazer a nossa denúncia e dizer para o mundo o que a gente pensa do mundo”.
Sobre os primeiros contatos com a obra, o artista conta que já começou a produzir assim que a leu. “Naquele dia, lá em dezembro de 2014, eu já estava produzindo essa peça, mas a gente só foi estrear em 2017, no Rio de Janeiro”, explica. Em meio ao desenvolvimento do projeto, o artista teve a oportunidade de conhecer Bouchard, em 2016, quando ambos estavam na cidade de Montreal (Canadá).
“Ele foi super receptivo às minhas questões, dúvidas, à maneira como eu estava vendo o texto dele. Ficamos amigos, e ele me pediu para vir ao Rio de Janeiro, pois gostaria muito de assistir à estreia da peça no Brasil. Então ele veio, enlouqueceu com o texto e disse que precisava levar a nossa montagem para Montreal, para mostrar pra eles lá no Canadá como o texto dele deveria ter sido dirigido”, lembra Armando sobre o contato com Bouchard.
A peça já está em cartaz há cinco anos, e, ao longo desse tempo, a equipe teve que enfrentar alguns desafios para continuar levando arte por aí. “É difícil você viver em um país onde a cultura não é valorizada e você ter que falar e defender um posicionamento que não deveria ser sequer questionado, que é a função da arte, a função do teatro”, afirma o ator.
Por outro lado, Armando celebra os momentos bons que viveu, como quando apresentaram a peça em Ribeirão Preto-SP e receberam os aplausos mais longos da trajetória do espetáculo em solo brasileiro. “Ali tinha um sentido, a peça tinha ganhado mais uma camada de interpretação, que é o fato da gente estar fazendo uma peça que se passa em uma fazenda em um lugar onde existem muitas fazendas, que é Ribeirão Preto”.
Sair do País com a peça também foi marcante para Babaioff, mas explica que a maior diferença entre o público brasileiro e o parisiense, por exemplo, é o sentimento de valorização da arte teatral. “Eu me senti muito respeitado pelo público, em um lugar de entendimento do ofício”, explica. “Você sabe que aquelas pessoas que estão ali amam teatro”.
Para o ano de 2024, os planos são de uma turnê de 5 meses pela França, Bélgica e Suíça. “Ir lá para fora, não é simplesmente levar uma produção minha, é também levar teatro brasileiro. Ninguém nos conhece lá fora, nós somos os latino-americanos que chegamos em cada cidade e vamos nos apresentar”, comenta Armando sobre a importância de levar o teatro nacional para fora, como um ato de demonstração de cultura e descolonização, já que a peça é apresentada em português mesmo em outros países. “Hoje em dia eu não faço muita ideia de quais caminhos a peça percorre para chegar nas pessoas, mas eu sei que ela chega”.
Em Fortaleza, esta é a segunda vez que a peça acontece, tendo sido a primeira no período pós-pandêmico vivido em 2021. “Nós apresentamos a peça com as cadeiras do teatro ocupadas seguindo o distanciamento social, já que, nesse momento de abertura, não podíamos ficar todos juntos no teatro. Foi uma apresentação que me marcou, mas que eu não senti que foi completa, então eu acho que esse retorno para o Cineteatro São Luiz vai ser muito forte e importante para o projeto”, finaliza Babaioff.
Tom na Fazenda