Quando a Lei Paulo Gustavo (LPG) foi regulamentada pelo presidente Lula (PT) em maio, a classe artística celebrou o "respiro" que seria proporcionado pela lei. Afinal, R$3,8 bilhões seriam distribuídos em todo o território nacional, e o Ceará receberia R$177 milhões disseminados em 22 editais.
No Estado, os editais da LPG foram anunciados pela Secretaria da Cultura do Ceará (Secult-CE) em agosto. No último dia 7, porém, o Fórum Cearense de Teatro publicou uma carta aberta em formato de vídeo alegando demora na publicação dos resultados finais da LPG e solicitando, entre outros pontos, menor burocracia nos editais.
As demandas dos artistas incluem desejo por maior celeridade no processo dos editais, apresentação de cronograma com datas, divulgação dos resultados, assinatura do termo de execução, pagamento e avaliação, editais simplificados e de fácil entendimento, e apresentação do investimento do Estado na política pública para o teatro.
Segundo o ator, diretor e produtor cultural Raimundo Moreira, a situação vem se arrastando desde o meio do ano. Ele relata que houve diálogo da Secult com as linguagens artísticas e foram apresentadas à pasta pautas com ações que os artistas gostariam "que fossem olhadas com atenção".
"Teve todo o processo de escuta da LPG e já estávamos alertando para encurtar prazos, para que fossem mais ágeis e que tivessem mais pessoas para dar conta da demanda. Mas as coisas não foram acontecendo e com essa burocracia que estamos lidando vamos chegar em dezembro e o dinheiro da LPG não consegue chegar aos trabalhadores e trabalhadoras da Cultura", afirma.
Raimundo relata ter inscrito dois projetos de Teatro, dois de Literatura e um de Música. Além da cobrança de pagamento e da divulgação dos resultados finais, ele destaca como uma das demandas específicas do Fórum Cearense de Teatro o olhar para os equipamentos públicos, como no caso do Teatro Carlos Câmara, que atualmente está fechado para manutenção.
"O tempo do Estado não é o nosso tempo. Ele tem um tempo que pode passar o ano todo para dar um resultado, e nós temos o ano todo esperando uma das poucas políticas públicas para a cultura, que é a dos editais. Você não teve o Mecenato Estadual funcionando direito neste ano por causa do problema com a Enel. Não tem recurso direto ainda sendo injetado, a não ser nessas grandes ações, como o Carnaval", elabora.
As reivindicações são confirmadas pela atriz e produtora Luana Lopes, que representa o segmento do Teatro no Conselho Estadual de Política Cultural do Ceará (CEPC). Ela participou de oitivas para a implementação da LPG no Ceará e relata que a classe artística "está muito insatisfeita" com o cenário atual de indefinições.
Um dos principais pontos levantados por Luana Lopes segue sendo o nível de burocracia dos editais. Membro do grupo Populart, original do bairro José Walter e há mais de 30 anos em atividade na cena local, a atriz indica que há preocupação de coletivos da periferia pela dificuldade de compreensão dos editais.
Para contornar a situação, a artista e outros colegas passaram a prestar "consultorias" para auxiliar aqueles que não estavam entendendo como inscrever projetos na LPG. "Uma das nossas maiores bandeiras é a desburocratização, para que mais pessoas e coletivos tenham acesso aos valores que estão presentes nesses editais", afirma.
A burocracia, porém, não é a única situação em debate. Segundo Luana Lopes, ao longo das oitivas foi solicitado que os valores dos editais fossem disponibilizados antes do final do ano, pois alguns coletivos realizarão espetáculos no Natal e precisam do dinheiro para a execução. A atriz tem a sensação de que as quantias não serão distribuídas ainda em 2023.
Apesar de haver diálogo com a Secult, o entendimento da produtora cultural é de que ele não é eficaz, pois surgem lacunas que, segundo Luana Lopes, não são preenchidas, como a falta de "cronogramas concretos" para aplicação dos recursos previstos nos editais. "Precisamos saber das datas", alega.
Ela também destaca que houve a decisão de publicar a "carta-vídeo" para que "as pessoas vejam os rostos" dos participantes para despertar nelas a coragem de fazer reivindicações. "A cultura é feita de rostos. Nós entendemos que as pessoas têm que nos ver também para que desperte nelas a coragem de mostrar o rosto", compreende.
A representante do teatro no CEPC analisa o contexto como um ponto de "muita preocupação". Luana descreve como muitos artistas e coletivos idealizaram trabalhos e também o uso de espaços públicos, mas que atualmente há incertezas rondando esses desejos.
"O sentimento é de preocupação. O ano vai virar e não tivemos respostas de muita coisa. A preocupação se dá em vários âmbitos. Estamos muito felizes com a volta no Ministério da Cultura (MinC), é uma conquista, pois muitos haviam desistido de trabalhar com a Cultura pelo retrocesso que tivemos nos últimos anos. Agora, fica a preocupação de como será feita a execução desses projetos", avalia.
Raimundo Moreira complementa o posicionamento e afirma que os sentimentos diante do cenário apresentado são de "frustração, desalento e tristeza profunda". "Foram pessoas que se dedicaram tanto para escrever dois, três, quatro ou até cinco projetos tentando aprovar pelo menos um, para saber se terminaria o ano o executando. O ano vai terminar com a sensação de que parece que a gente nadou, nadou e morreu no cerco", relata.
Procurada pelo Vida&Arte, a Secult-CE se posicionou a respeito das demandas levantadas pelo Fórum Cearense de Teatro. A pasta reforçou que é possível acompanhar o andamento dos editais no site da Secult Ceará, passando pelas fases de conhecimento público, abertura de inscrições, processo de seleção e contratação. Até 5 de dezembro, foram publicados 21 editais.
Segundo a secretaria, as etapas "seguem os trâmites burocráticos necessários, comuns a todos os editais", e afirma que tem tido "compromisso com a celeridade dos editais" lançados em 2023. Quanto ao atraso na execução dos recursos da Lei Paulo Gustavo, a Secult afirmou que o ocorrido é "fruto da ausência de compromisso da gestão passada do Governo Federal" e que "os desafios de execução dos recursos no ano de 2023 são uma situação nacional".
A secretaria também afirmou que o Plano de Ação da LPG foi feito em "diálogo permanente com o setor cultural" e que houve 100% de adesão dos municípios cearenses - e alguns deles "já concluíram suas execuções". "O Governo do Ceará recebeu os recursos no começo de agosto/2023, com providências imediatas para procedimentos legais e orçamentários necessários para início das atividades", disse ainda a pasta.
No site da LPG Ceará é possível acompanhar o cronograma previsto de divulgação dos resultados e pagamentos, como aqueles previstos para serem realizados ainda em dezembro. Quanto à solicitação de editais mais simplificados, a pasta afirmou que seus editais são "produzidos com aplicação de Linguagem Simples, Direito Visual e Design Editorial".
Em 2023, foram lançados mais de 25 editais para várias linguagens artísticas, segmentos culturais, territórios e grupos identitários, sendo o volume de investimentos composto por R$90 milhões da LPG e R$34 milhões com recursos do tesouro estadual. A Secult-CE aponta também investimentos de mais de R$130 milhões por meio da Rede Pública de Equipamentos Culturais.
A secretaria pontua também que desenvolve ações de fomento para a linguagem do teatro, sendo algumas delas apresentações na rede de teatros (em que se encontram espaços como o Cineteatro São Luiz, Teatro do Dragão do Mar e Theatro José de Alencar), fomento direto por meio de editais, indireto por meio do Edital Mecenas Ceará e projetos com ênfase na formação, como o Curso Princípios Básicos de Teatro (CPBT).