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Com novos projetos, Tati Bernardi quer ainda mais alcance em 2024
Vida & Arte

Com novos projetos, Tati Bernardi quer ainda mais alcance em 2024

Dos jornais aos cinemas, Tati Bernardi já ocupou a maioria das plataformas. Em entrevista ao V&A, escritora conversa sobre os desejos dentro da comunicação
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Tati Bernardi está à frente do videocast
Foto: Maria Ribeiro/divulgação Tati Bernardi está à frente do videocast "Me Desculpa Alguma Coisa"

Algumas pessoas podem se aproximar da escritora Tati Bernardi pela primeira vez como se fossem amigas de longas datas. Ela menciona situações nas quais desconhecidos já relataram circunstâncias das dores crônicas e das crises de ansiedade, por exemplo. Estes encontros geralmente acontecem entre leitores que, de alguma forma, sentem identificação com os relatos compartilhados. Também colunista, roteirista, resenhista e apresentadora, Tati é referência na autoficção e singular ao utilizar a vulnerabilidade como ferramenta de comunicação.

As colunas mais recentes publicadas na Folha de S. Paulo passam pela "comoção odiosa" por uma antiga colega de trabalho que virou "bolsonarista ferrenha", alguns episódios de emetofobia (fobia de vômito) e certos efeitos da mudança de medicação psiquiátrica. Episódios cotidianos que poderiam ser discutidos numa roda entre colegas ou na sessão de análise, mas que estão disponíveis para milhares de pessoas em apenas um clique. "Minha sede maior é de comunicar", justifica a escritora enquanto elabora sobre a gama de temas e formatos utilizados nas próprias obras.

Com formação em publicidade, Tati começou como colunista aos 19 anos e, desde então, foi responsável por livros como "Homem-Objeto e Outras Coisas Sobre Ser Mulher" (2018), e roteiros de filmes e programas televisivos. Também desenvolveu podcasts, entre eles "Calcinha Larga" e "Meu Inconsciente Coletivo", e segue com temporada do videocast "Desculpa Alguma Coisa". Após firmar o próprio espaço a partir do apreço pela escrita, ela compreende cada vez mais a importância de se expor para ampliar o que considera interessante e pertinente.

O POVO – Você sempre diz que a escrita serve para organizar sentimentos. Quando surgiu esta percepção? Como ela também modificou a sua relação com a escrita?
Tati Bernardi – Eu sabia que eu queria ser escritora, já falava desde adolescente, mas tinha aquela coisa de "ah, artista não vai ganhar dinheiro" e você escreve de hobby. Eu era muito apegada ao meu avô materno e, quando eu tinha de 14 para 15 anos, ele faleceu. Durante o velório, percebi que eu não ia aguentar ficar lá, mas também não tinha para onde ir. Então, eu comecei a narrar o velório do meu avô dentro da minha cabeça. Comecei a narrar quem ele era, como eu estava me sentindo, a minha mãe, os meus tios. Isso foi me acalmando, fui organizando o mundo externo, a minha cabeça também. E eu aguentei ficar ali, sabe? Comecei a fazer isso dentro da minha cabeça na escola. Tinha uma crise de ansiedade, os primeiros namoradinhos que eu sofria horrores, eu ficava narrando as cenas. E comecei a colocar no papel. Acho que ali, eu virei uma escritora. Mas não era ainda.

OP – E se autointitular como escritora?
Tati – Eu dizia que era uma publicitária que gostava de escrever. A gente demora para se autorizar, principalmente nas coisas que a gente quer muito. Quando eu saí da TPM, várias pessoas me chamaram. Eu lancei meu primeiro livro com 24 anos, aí comecei a assinar como escritora. As pessoas falavam que eu ia ter vergonha porque ia melhorar muito a escrita, e eu dizia que não teria vergonha porque era o único livro que eu poderia escrever aos 24. Ele é cheio de exageros, de deslumbramentos, mas eu tenho um carinho por ele. Quando eu comecei a ser chamada pela Folha de S. Paulo, pela Companhia das Letras, pela FLIP, comecei a me sentir escritora. Hoje eu apresento podcasts, entrevisto pessoas, tenho a minha formação em publicidade e formação em psicanálise, mas digo que sou escritora antes de tudo. Acho que isso foi, é meio bobo dizer isso, a partir de algumas coisas que te dão certificado, né? Perto dos 28, 30.

OP – Você começou muito jovem em mercados comandados por figuras masculinas. O que te custou conquistar esses espaços ainda muito nova?
Tati – Tinha que escrever sobre sexo para ter espaço na mídia. Homem escrevia sobre assunto sério, mulher só vai ser lida se contar da vida amorosa e sexual dela. Eu não era jornalista, não podia fazer um texto sobre política, sobre guerra, para me dar aquela seriedade. Naquela época, eu cheguei a ter coluna na VIP, escrevi vários textos para a Playboy e tive coluna numa revista chamada Alfa, todas comandadas por homens brancos, um ambiente machista. Hoje em dia eu vejo isso, na época era uma felicidade estar lá. A vida é complexa, ao mesmo tempo que era machista, eu também agradeço a oportunidade. Escrever sobre relacionamentos dava muita audiência. Dos 18 até os 32 é aquela saga de namorar, acabar, se apaixonar, levar pé na bunda. Era o que eu vivia, o que me perturbava e o que me interessava. Eu escrevia bem sobre isso e foi que fez meu nome, então eu não tenho nenhuma vergonha e inclusive ainda escrevo muito sobre relacionamentos. Mas quando eu tinha pra lá de uns 30, eu cansei. Já estava arriscando escrever um pouco mais sobre Brasil, sobre sentimentos, sobre maternidade, depressão, ansiedade.

OP - Gera uma identificação muito forte com o público também…
Tati -
Tenho isso muito forte. Não quero ser aquela escritora, nem para crônica, nem para livro, nem para podcast, que vai se comunicar com um nicho muito intelectualizado minúsculo. Quando é um papo intelectualizado, gosto de popularizar e traduzir. Eu amo psicanálise, estudo há 8 anos, tenho um podcast de psicanálise, mas eu trago pessoas que falam e todo mundo entende. Não me interessa me comunicar para três críticos de cinema da Unicamp, entendeu? Eu quero poder falar de coisas interessantes para todo mundo. Vou falar de relacionamento, ou de sexo, ou da minha relação com a minha mãe, ou de crise de pânico, mas para me comunicar com todo mundo, né? Não vou fazer uma coisa super nichada, até porque não consumo.

OP – Você é o tema central do seu trabalho e isso foi expandindo conforme a sua carreira foi evoluindo. Hoje tem colunas, filmes, livros, podcasts e videocasts. Este caminho de fazer outros produtos também foi escolhido para se comunicar com as pessoas de diferentes formas?
Tati – É engraçado. Eu sempre acreditei em algo assim: "sou escritora, mas escrever não é uma coisa que vai me dar muito dinheiro, então eu preciso diversificar, fazer freelas e inventar". Depois eu descobri que não, que a minha sede maior é de comunicar. Entendi que escrever em várias mídias e plataformas era muito mais pela minha sede de me comunicar do que pela grana.

OP - Quando você migra para as redes sociais, os podcasts e videocasts ganham outra dimensão. Um vídeo viraliza as suas falas, assim como as falas dos entrevistados. Como é a relação atual com essa repercussão?
Tati - Agora tá na moda esses vídeos curtinhos, que as pessoas consomem nos Stories, nos reels, no TikTok. Vou fazer 45 anos, mas gosto muito de estar atual com o tempo que eu tô, até para sobreviver. Eu tô lendo um texto difícil de um livro de 400 páginas, paro e vou ver TikTok, tô na mesma pilha dos outros, entendeu. Acho que é importante para sobreviver, mas também é uma cagada porque eu conseguia ler de boa.

Algumas pessoas vão me dar entrevista e falam que têm medo dos cortes. Eu tenho culpa dos cortes. Não fui eu que editei, que fiz aquele corte, mas o programa é meu, a cara é minha e eu que convidei. Botei no meu contrato que eu tenho que aprovar todos os cortes, porque se já tem que vai fazer vídeo curto, que esse vídeo tenha o mínimo de contexto. Tive uma conversa longa lá no UOL e falei que precisava aprovar todos os cortes e, principalmente, título. Tem clickbait e isso é ridículo, porque deixa de ser jornalismo e vira “caça-like”.

OP – Você já mencionou que prefere escolher mulheres que considera interessantes para o "Desculpa Alguma Coisa". Agora que já tem mais tempo de produção do videocast, o que está estabelecido como aquilo que te interessa para o rumo que você busca seguir no programa?
Tati – Me interessa me surpreender. Muitas vezes eu fico querendo levar mulheres da minha idade ou mais velhas, que são incríveis, né? Às vezes falam: "ah, traz fulana". Quando eu vou ver é uma novinha que o Instagram dela é todo vendendo produtos. Eu geralmente veto, mas falam que vai ser importante porque ela tem 1200 bilhões de seguidores. Eu chego numa preguiça e, de repente, a mulher é super interessante. Esse lugar de se surpreender me ajuda em outros, me alimenta como escritora. Agora, me interessa manter o que eu já faço e sempre inventar. Estou com muita vontade de fazer mini documentários sobre alguns assuntos. Por que tantas mulheres têm dores crônicas? Me interessa esse lugar de me comunicar, principalmente, com mulheres. Descobri que me interessa mostrar minha cara, porque eu era muito travada e eu só queria ficar atrás das câmeras. Agora com o videocast, as pessoas assistem e eu comecei a gostar desse negócio de falar. Acho que os meus próximos interesses são esses: de repente ter um programa na TV de entrevista. Mas eu tenho a preocupação que isso me roube muito tempo dos livros, é uma equação difícil de equilibrar.

OP - É muito interessante a resposta ao seu trabalho. Como é o retorno do público feminino?
Tati - Três pessoas vieram falar comigo no aeroporto ontem, andando aqui na praia umas quatro pessoas deram tchauzinho e eu tenho vontade de virar cambalhota. Claro que tem vaidade, mas tem esse sentimento de porra, aconteceu, eu consegui que meu trabalho chegasse a ser relevante e emocionasse as pessoas. Valeu meu esforço.

OP - E essa troca deixa mais fácil para falar de si?
Tati - Tem muitohater também. Todos os quatro anos do Bolsonaro na presidência eu fiz crônica batendo. Não tenho problema com a direita, mas com a extrema direita. Com esses haters eu confesso que tenho até um pouco de medo, mas não me abala intelectualmente. Se eles não gostam de mim é porque eu tô no caminho certo. Mas me dá medo, do tipo se eu encontrar e vão querer me dar um soco. Tem aquele hater que diz: “sua voz é chata”, claro, eu tenho cinco podcasts. Tem minha voz em todos os lugares. No começo me magoava, hoje em dia já acho que a pessoa gosta de mim. Se ela tá me achando chata, é porque tá me escutando muito.

Tem um outro tipo de hater que eu confesso que me pega um pouco. É aquele que fica: “fala que é escritora, mas não lança um livro há três anos”. Pega num lugar que estou incomodada. Cadê meu livro? Fica essa briga interna dentro de mim, da parte literária, mais intelectual, e da parte que vou ganhar dinheiro, vou aparecer mais.

OP - E como está esse sentimento e noção de planejamento?
Tati - De três anos para cá, quando vai acabando o ano eu já entro angústia do que não deu tempo de fazer. Já está na minha terapia, tá? Toda voltada para o ano que vem, preciso lançar meu livro, já fui numa taróloga para ver o que tenho que fazer para me conectar com o livro. Acho que é não vai ter o momento em que tudo vai estar super equilibrado. Com 20 anos eu tinha essa coisa do equilíbrio, de saber tudo que eu quero fazer da vida e vai estar tudo muito perfeito. Mas é do caos que a gente cria, das incertezas que a gente se emociona e sai algo.

Meu sonho era tirar um sabático para estudar muito, terminar a minha formação de psicanálise, fazer talvez um começo de mestrado e entregar meu livro. Mas não dá, a filha pequena, eu sustento minha mãe e meu pai.

OP - Nesse fim de ano, como está o balanço? Você costuma ter essa reflexão?
Tati - Em relação à política eu tenho algumas críticas, mas é mil vezes melhor criticar o Lula do que o Bolsonaro. O Lula erra, mas ele está dentro da democracia. Não tem mulher no STF, ele falou que ia olhar uma questão de gênero e não está olhando. Acho que é muito difícil estar ali onde ele está, mas é sempre melhor criticar o Lula do que quem estava antes. Se vier o próximo presidente e for um cara de direita, mas dentro da democracia, é melhor do que a ameaça que estava antes.

Esse ano foi para correr atrás, mas um ano de movimento. Para mim foi muito intenso, mas eu termino o ano muito feliz. A política tem todos os seus problemas, mas dentro de uma democracia. Um ano de recuperação para a arte. Minha preocupação agora é a questão climática. A sensação de mundo acabando que teve na pandemia, agora tá com a questão climática. Já tem uns seis anos, mais ou menos, que a gente sempre termina o ano com uma sensação de catástrofe. Eu tenho uma filha de 5 anos, então tem uma deprê em relação a isso.

Mas eu acho que muita coisa melhorou. Não sei se é uma bolha progressista, mas tem mais discussão sobre o que que é abuso sexual, abuso moral, racismo. Já melhorou muito se a gente pensar em dez anos atrás. 

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