Quando a psicóloga Ana Cristina Monteiro decidiu empreender no mercado da moda, ainda em 2020, não dimensionava o quanto o rumo poderia impactar a maneira como ela mesma se enxergava no espelho. Carioca e residente em Fortaleza por cerca de três anos à época, ela saiu do mundo corporativo de uma multinacional para se dedicar a D'lê Artesanal (@dleartesanal). O empreendimento tem o objetivo de desenvolver peças autorais e versáteis para o público 40+ .
O olhar para o nicho é necessário. De acordo com dados do Censo Demográfico 2022, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o índice de envelhecimento chegou em 55,2% no último ano, mais de 20% em comparação ao registrado em 2010. A mudança segue tendência global de envelhecimento da população. Por outro lado, consumidores ainda enfrentam dificuldades para encontrar peças que se adequem a diferentes biotipos e apontam falta de representatividade em campanhas publicitárias.
"À medida que as pessoas foram me convencendo a aparecer nas redes sociais, o público mais jovem começou a mostrar para as mães e os pais", compartilha Ana. Com itens que usam o tie-dye (técnica de estamparia colorida e irregular) e o shibori (técnica que utiliza padrões regulares no tecido), a D'lê utiliza modelos de diferentes idades para mostrar que é possível ser "irreverente" em todas as fases da vida. "É sobre quebrar a mesmice e, de repente, colocar uma cor. Você não deixa de estar sóbria, mas pode estar alegre".
Esta percepção, entretanto, ainda é recente na vida da empreendedora. Sair de um armário com roupas formais, consideradas por ela como "armaduras", trouxe mais liberdade no cotidiano. "Para mim foi muito libertador porque eu posso usar o que quero e me conectar a minha essência. É muito ruim quando você precisa estar o tempo inteiro dentro de um padrão", considera. Desafiar a normatividade imposta também foi uma maneira de sentir mais autonomia ao escolher as roupas, visão possibilitada por meio da maturidade adquirida com o passar dos anos. "Eu tenho 56, mas quando tinha 18, achava uma mulher de 40 velha. Você passa por todas as fases da vida, compreende sua beleza e aceita que o corpo, sim, muda, fica diferente, tem momentos difíceis por conta dos hormônios. Hoje eu vejo muitas mulheres que querem transparecer a idade que têm", compara.
E, assim, ela diz que conseguiu criar uma rede de apoio de mulheres que têm a mesma idade e desejam compartilhar experiências. O movimento, inclusive, também se expande para as redes sociais. Plataformas como o TikTok, Instagram, Pinterest e YouTube direcionam cada vez mais conteúdos para pessoas acima dos 40 anos. Enquanto a sociedade ainda dita que é necessário temer o envelhecimento, evitar as rugas e retardar a chegada dos cabelos brancos, outros nomes chegam para mostrar que há distintos caminhos.
"Muitas vezes, tem aquela vozinha da autossabotagem. Será que você deveria estar com esse tipo de roupa na idade que você tem? Aí você abre uma revista e tem lá: "mulher acima de 50 anos não pode ter cabelo comprido". É absurdo! Cada vez mais eu tenho entendido que a beleza vem de dentro de mim e de como eu me sinto ao meu respeito, sabe?", acrescenta. E para aquelas que podem temer as consequências do progresso do tempo, a psicóloga confirma: o melhor sempre está por vir.
"Quando a gente está mais velha, a gente já está estabelecida profissionalmente, já desmanchou o casamento ou está em outro, os filhos já cresceram... A gente tem mais independência e segurança. É uma forma de olhar para a sua história e aprender com os erros porque não tem tanta urgência. Se você está com mulheres que passam pela mesma coisa que você, você consegue aprender com os outros. Aí pouco importa a roupa que você está usando, o corte de cabelo que você tem. Cada vez mais eu tenho entendido que a beleza vem de dentro, de como eu me sinto ao meu respeito".
Maturidade e identidade
As vestimentas são itens essenciais para a formação de identidade da estilista Beatriz Castro. Aos 62 anos, ela assina as criações da Ethos (@arteethos), marca de roupas autorais que fica situada na rua dos Tabajaras, localizada na Praia de Iracema. As peças únicas são artesanais, produzidas com bordados à mão. "Quanto mais o tempo passa, mais desejo simplificar minha modelagem com o mínimo de costura. Gosto da pureza nas formas, prezo o conforto e a praticidade aliados à beleza. Penso que roupas são para facilitar a nossa vida e nos tornar mais bonita", elabora.
Por isso, ela acredita que as modelagens devem se adequar da maneira ideal às clientes. "Acho que a idade nos deixa até bem mais folgadas e menos críticas sobre nosso corpo ou tipo físico. Acho que as queixas se devem muito ao tamanho das modelagens, que muitas vezes são muito pequenas", opina. Boas saídas para tornar os itens mais democráticos, indica, são "bons cortes aliados da beleza das cores e adornos (bordados, estampas, aplicações). Sem esquecer de boas matérias primas", reforça.
Esta variedade de possibilidades em peças também é visível no guarda-roupa da influenciadora Sandra Jurema, que está por trás de perfil destinado ao público 50 no Instagram (@sandrahju). Por lá, ela faz questão de compartilhar dicas de moda, estilo, viagem e bem-estar. "Ando por todos os estilos e vou me atualizando, não fico presa só a um", afirma.
O acolhimento nas redes sociais, entretanto, foi uma surpresa para Sandra. Com formação em Turismo, ela iniciou no mundo digital com os blogs por incentivo de pessoas próximas. "Naquele boom, as pessoas me falavam para postar looks. Comecei a postar e ganhei alguns seguidores fiéis. Depois, me aposentei e me dediquei mais a essa parte, fiz um curso de consultoria e abri uma conta no Instagram. Minha intenção não era atingir o público 50+, mas foi o que se tornou. Mas também tenho seguidores mais jovens, de 30 anos".
O novo fluxo a colocou em posições que ela nunca tinha imaginado. Além das postagens diárias de conteúdos na web, ela também relata a realização de eventos e desfiles. "Me acho bonita, elegante, fashion. Sem querer humilhar ninguém, mas me acho", ri. "A gente vai ficando mais velha e a autoestima vai melhorando. Tudo é conhecimento. O etarismo é forte no nosso País, é um absurdo. Não pode usar isso, não pode usar aquilo. Acho que esse direcionamento para pessoas mais velhas é importante porque muitas mulheres ficam com medo de usar algo só porque não tem um tipo de corpo ou pelos cabelos brancos. É uma prisão, uma loucura!", contesta Sandra.
Influenciar em comunidade
A influenciadora Iara Sanny, de 55 anos, desenvolveu um quadro que engaja milhares de comentários e curtidas no TikTok. Com o título "Esse look é estiloso mesmo ou é uma jovem que tá usando?", a seção recria combinações utilizadas por mulheres mais novas. O conteúdo é um dos materiais desenvolvidos por ela ao lado do filho, Gabilo, e do genro, Gustavo. Com mais de 362 mil seguidores na plataforma, Iara acredita que a interação no meio digital pode ampliar a rede de apoio para outras mulheres. "Foi uma surpresa maravilhosa descobrir as redes sociais e a conexão que eu tenho com as pessoas", assegura.
O POVO - Como a sua relação com a moda foi desenvolvida ao longo dos anos?
Iara Sanny - Quando eu era criança e adolescente, o que ditava a moda era a novela das 8. Não existia muitos recursos, não tinha internet, a gente não tinha onde vivenciar outra moda. Ou, então, algumas pessoas da cidade faziam a própria moda e eram muito criticadas. Eu fui criada nesse universo, assistindo uma moda muito padronizada pelos canais televisivos. Por volta dos 17 anos eu viajei pela primeira vez para os Estados Unidos e ali me deparei com um universo totalmente diferente e me influenciou, mas eu tinha medo de usar. Hoje não tenho mais. Se tenho vontade de usar, uso, acho que tem muito a ver com maturidade.
OP - Quando você começou a desenvolver a confiança e senso de identidade dentro da moda?
Iara - O que me trouxe essa autoconfiança foi o conhecimento, o estudo e a independência financeira. Um termo que é muito comum hoje, que as pessoas usam muito quando vão criticar ou elogiar alguma celebridade que é mais ousada, é "segurar o look". Portanto, eu penso que sim, eu seguro meus looks. Me sinto segura, viu?
OP - Você entrou nas redes por influência do filho do genro. Qual foi a virada de chave para levar à frente o conteúdo nesta área da moda?
Iara - Os meninos acreditaram em mim e, quando alguém acredita em você, lhe dá mais estímulo. Por mais autoconfiança que eu tenha, as redes sociais são canais de comunicação muito novos para a minha geração. Mas o retorno foi muito positivo, eu achava que só ia conversar com pessoas 45 , mas eu tenho um público muito grande de jovens que falam "eu quero ser igual você quando crescer". Ainda vou escrever um livro com esse título, quando eu tinha 18 anos, eu não queria ser uma mulher de 55 anos. Ouvir isso de meninas jovens é muito estimulante e me faz continuar.
OP - Como acontece o planejamento para as postagens?
Iara - De uma maneira muitíssimo orgânica. A gente se planeja pouco e mal, estamos melhorando porque as demandas estão aumentando, mas com muito cuidado para não perder a espontaneidade. A gente também se preocupa com a linguagem da rede, que são diferentes. Nisso, os meninos são muito bons.
OP - Influenciadoras com mais de 40 anos falam que é muito importante ter outras mulheres para discutir questões sobre o envelhecimento. Como você enxerga essa comunidade feminina que você construiu a partir do seu trabalho?
Iara - É muito legal quando você conversa com as pessoas nas redes sem hierarquizar, sem se colocar num patamar acima, ou porque você tem o poder de influenciar ou porque você é mais velho que o seu público. É uma comunidade mesmo.
OP - Quais são as perspectivas profissionais e pessoais para 2024?
Iara - A palavra de 2023 foi surpreendente. Não esperava, com uma vida inteira no mercado financeiro e com formação em Direito, que eu ia estar nas redes sociais. Foi uma surpresa maravilhosa ver a conexão que eu tenho com as pessoas e poder ter tantas causas como a do etarismo, do feminismo, do público LGBTQIAPN , usando a moda como artifício para me conectar. Para 2024, a palavra é imprevisível. Quero deixar outras surpresas chegarem também
Conheça também:
Avós da Razão
(@avosdarazao)
Sonia Massara, 85, e Gilda Bandeira, 81, mantêm o perfil nas redes sociais para "divertir e inspirar". Elas são autoras do livro "Avós da Razão: Quebrando a Cristaleira".
Viva a Coroa
(@vivaacoroa)
Colunista da Vogue Brasil, Adriana Coelho Silva utiliza o meio digital para trocar figurinhas com mulheres 50 . As seguidoras também interagem em posts sobre o processo de envelhecimento.
Janie Medley
(@medleystyle)
A influenciadora norte-americana Janie Medley, de 64 anos, compartilha inspirações de looks no seu perfil.