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Rappers femininas debatem espaço ocupado por mulheres no rap nacional
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Rappers femininas debatem espaço ocupado por mulheres no rap nacional

Rappers femininas refletem sobre a falta de visibilidade para mulheres dentro da música
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Drik Barbosa integra o Laboratório Fantasma. (Foto: Lana Pinho/Divulgação)
Foto: Lana Pinho/Divulgação Drik Barbosa integra o Laboratório Fantasma.

"Essa semana eu li que o cérebro do, do, do homem/Levo, é, só amadurece com 25 anos", com essa frase Ebony inicia a diss-track "Espero que entendam". Lançada em 15 de novembro no canal do youtube da rapper, a faixa critica a estrutura machista ainda presente no rap nacional.

Não se sabe exatamente quando o termo diss-track foi criado. Mas, “diss” é abreviação de disrespect em inglês e track se relaciona à música. No entanto, uma diss-track não é só uma "música desrespeitosa", é um modo de criticar ou atacar alguém por meio de versos ou rimas.

Dentro do rap, as diss são inspiradas nas beefs, que eram batalhas de rimas disputadas entre rappers rivais. Uma das diss-tracks mais famosas e lembradas até os dias de hoje é "'Hit 'Em Up" (Dar uma surra neles, em tradução livre para o português), de 1990. Escrita por 2pac em parceria com Outlawz, a canção é um ataque a The Notorious B.I.G, outro rapper icônico da época.

Diferentemente dos estadunidenses, Ebony não ataca ninguém em específico. Apesar de citar vários rappers famosos como BK, Djonga e Baco Exu do Blues, a artista salienta que seu propósito com "Espero que entendam" é denunciar a estrutura machista ainda presente no rap brasileiro.

Becka Nizers trabalha como cuidadora de idosos, em paralelo a carreira no rap. (Foto: Helano Moreira)
Foto: Helano Moreira Becka Nizers trabalha como cuidadora de idosos, em paralelo a carreira no rap.

"Se eles respondessem uma diss que não era atacando eles e, sim, a estrutura, eles estariam do lado da estrutura. Eu estou falando de oportunidade, de coisas que são retiradas das pessoas porque elas são mulheres", afirmou a artista em um vídeo publicado no Tik Tok dela mesma. Posteriormente, Ebony excluiu o vídeo, sem explicar a razão. Procurada pela reportagem do O POVO, a rapper não respondeu às solicitações de entrevista.

A artista contou com o apoio dos fãs nas redes sociais e de outras rappers femininas do País, como a paulista Drik Barbosa, dona de sucessos como "Inconsequente" e "Cabeça Erguida".

"Eu vejo todos os movimentos feitos por mulheres no rap como extremamente válidos, necessários e muito urgentes. Então, o que a Ebony fez foi mais uma abordagem usada por nós para que façamos as pessoas entenderem que é uma questão estrutural, que se mantém tanto por conta da indústria quanto pelo público", argumenta. "Porque, ao meu ver, a base onde começa tudo isso, se tratando de rap, é o público, que realmente não consome rap feminino", conclui.

"Ebony fala sobre sua insatisfação e não seria diferente com a estrutura vivenciada há anos pelas mulheres desse País. Acredito que iniciativas como essa são válidas, mesmo que a mudança venha aos poucos", defende a rapper cearense Becka Nizzers. "O público não tem se conectado como deveria com as rimas das mulheres e com as histórias que a gente conta, com a nossa realidade", continua Drik Barbosa.

Para ela, cada MC tem seu modo de demonstrar o descontentamento com o patriarcado e a estrutura machista. "Eu acho que o mais importante é a gente realmente se apoiar nessas movimentações e mostrarmos de fato o quanto é importante cada uma estar colocando a sua criatividade e seu talento para poder bater de frente com tudo isso”, avalia.

A rapper cearense relembra ainda a trajetória de Dina Di, primeira cantora de rap nacional que alcançou sucesso no País. "Houve antecessoras como Dina Di , em sua música 'Mente engatilhada' ela disse: 'São muitos que vão ficar do lado de fora e poucos do lado de dentro/Ter equilíbrio mental, no rap é fundamental'", rememora a artista sobre a vocalista do grupo Visão de Rua nos anos 1990.

"O machismo em si já é estrutural, social e na música não seria muito diferente. Independentemente de diss ou não, ainda tem muita estrada pela frente, para que a estrutura machista no rap seja quebrada", finaliza a cearense.

Apesar das mulheres conseguirem ocupar um espaço maior no rap atualmente, o mercado ainda impõe desafios. "Hoje em dia eu vejo um espaço maior, mulher no rap é um sinônimo de poder e voz. Ainda sim, os cachês de artistas homens são maiores, assim como contratos", salienta Becka, que, inclusive, não consegue tirar toda a sua renda da música.

A artista trabalha como cuidadora de idosos, em paralelo com a carreira musical, e estuda Estética. "Essa estrutura ainda vai demorar um pouco para ser mudada, porém eu acredito que com os talentos femininos que surgem todos os dias na cena, isso irá mudar e se não quiserem nos dar, vamos tomar porque além de talento não somos tão frágeis quanto dizem por aí", enfatiza a trapper cearense.

Drik também vê pequenas mudanças acontecendo para as mulheres dentro do rap. A rapper paulista, que começou a batalhar com 14 anos de idade, vê o cenário mais positivo no presente.

"Eu tenho uma irmã de 14 anos, inclusive hoje estou com 31 anos. Então, vejo uma diferença bem grande hoje, positiva, ainda longe do ideal, mas positivo. E essa minha irmã começou a me pedir para ir acompanhar ela nas batalhas. Levei ela na Batalha da Norte, nós moramos na Zona Norte (São Paulo), e aí ela foi me apresentando os MCs. Aí vi várias ‘minas’ da idade dela, vários moleques da idade dela curtindo e fazendo tipo um grito de guerra, da batalha e eu me vi na minha irmã, sabe? E eu achei muito bonito isso", comenta a artista sobre a irmã Mirella.

Nizers sente também um aumento de produções independentes femininas, além de uma maior participação de mulheres em batalhas de rima. "Hoje eu percebo muito mais produções independentes femininas, feats, entrevistas, eu mesma lancei 'Malibu' um som apenas com artistas mulheres de Fortaleza. Nas batalhas de rima muitas garotas estão mais instigadas nas rodas tanto que uma mulher ganhou o nacional, coisa que não se via antigamente", cita.

A cearense se refere a Kaemy, primeira mulher a ganhar a Batalha Nacional de Rimas. Três vezes campeã estadual por Goiás, a rapper ganhou o maior título neste ano. Vale ressaltar que a goiana já havia chegado à final da Batalha três vezes também, antes de levar o prêmio principal.

Leia no O POVO + | Confira mais histórias e opiniões sobre música na coluna Discografia, com Marcos Sampaio

Diss-tracks emblemáticas

A diss-track não é algo que se limita ao hip hop. Gênero como rock, pop e outros, usam e abusam dessa forma de fazer música para gerar embates interessantes ao longo do tempo. John Lennon escreveu “How do you sleep?” para atacar Paul McCartney. A canção era uma resposta ao disco solo Ram, de McCartney, onde ele também alfinetou Lennon nas letras de “Too many people”, “The Back Seat Of My Car” e “Dear Boy”.

Mariah Carey também protagonizou uma diss emblemática. Com “Obsessed” ela questionava por que o rapper Eminem estava tão obcecado por ela. A briga começou porque os dois se relacionaram romanticamente por um breve período em 2001. Em 2009, Eminem resolveu xingar o então marido de Mariah, Nick Cannon, e dizer que queria voltar com a estadunidense na música “Bagpipes from Baghdad", do álbum “Relapse”. Carey respondeu com “Obsessed”, onde a cantora aparece no clipe vestida igual ao rapper e imitando os trejeitos dele.

O dono do hit “Slim Shady” retrucou com "The Warning". Além de falar mal de Mariah, o rapper aproveita para atacar novamente Nick Cannon. A música contou com a colaboração de Dr. Dre.

“Não escolha esse caminho” é considerada a primeira diss no rap brasileiro. A canção dos “Balinhas do Rap”, dupla formada por André Freitas, de 15 anos, e Caio Rocha, de 12, se assemelha bastante com “Espero que entendam” de Ebony. A letra tece crítica a “Mulheres Vulgares”, música presente no disco Holocausto Urbano, lançado pelo grupo “Racionais MCs”, em 1992. OS versos eram os seguintes: “porém vulgaridade pior está nas ruas, homens que não perdem a sua posição e acabam se tornam maus, na qual prejudicam a nação, somos os Balinhas, sempre normais e para vocês não seremos legais”. O Racionais MCs chegou a excluir a faixa do repertório e Mano Brown pediu desculpas publicamente.

“Sulicídio” lançada em 2016 por Scooby em parceria com Baco Exu do Blues e com Diomedes Chinaski. Por meio de rimas, os dois criticam o fato do rap concentrar sua atenção no eixo sul-sudeste do Brasil. Nocivo Shomon, Felipe Ret, Felp, são alguns dos artistas citados na música. “Seu Mc favorito fala muito na internet/ Seu Mc favorito compra coca e paga com b*quet*/ Fila da p*ta, respeita o Nordeste/ Não é comendo traveco que se vira fenômeno (Ronaldo)”, diz a letra.

Baco apagou “Sulicídio” tempos depois, por causa da letra problemática. “Eu acho que usei dois termos que não deveria ter usado na letra. Já falei e cansei de falar sobre isso, acho que não preciso me repetir sobre. E é o motivo que eu tirei a música do ar”, explicou o rapper em entrevista ao Flow Podcast, em 2020.

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