Para muitos, Beyoncé Knowles-Carter é um fenômeno divino. A presença da cantora estadunidense é capaz de transformar um dia cotidiano em evento histórico; Salvador que o diga. Desde os 15 anos no mundo pop-star, a influência cultural de Queen Bey já ultrapassa o tempo. O nome da artista deixou de ser apenas um marco dos anos 2000, seja ao lado das Destiny's Child, seja em carreira solo — hoje, Beyoncé é sinônimo de sucesso, excelência e poder.
Colecionadora de condecorações, ela é simplesmente a artista mais premiada do Grammy Awards, com 32 troféus. Ela bateu o recorde em 2023, ao ter o álbum Renaissance como vencedor na categoria Melhor Álbum de Dance/Eletrônica, o single Break My Soul como Melhor Gravação Dance e as faixas Cuff It e Plastic Off The Sofa como a Melhor Música R&B do Ano e a Melhor Performance Tradicional de R&B, respectivamente.
Mesmo antes de sair com os quatro megafones de ouro nos braços, Beyoncé já carregava o título de artista mais indicada na história do Grammy, com 88 indicações.
Para alcançar marcos do tipo, é preciso ser uma perfeccionista à frente da produção: "Eu escolho investir meu tempo e energia apenas em projetos pelos quais sou apaixonada. Depois de me comprometer, eu dou tudo de mim", afirmou à Vogue em novembro de 2020.
"É preciso muita paciência para trabalhar comigo. Meu processo é tedioso. Eu reviso cada segundo da filmagem várias vezes, conhecendo-a de trás para frente. Eu encontro cada pedaço de magia e então a desconstruo. Continuo construindo mais camadas e repito esse processo de edição por meses. Não vou desistir até o produto inegavelmente atingir todo o seu potencial."
Para quem já conquistou tanto, o que significa sucesso? Em 2019, à revista Elle, Beyoncé respondeu sobre uma possível frustração ao não vencer prêmios: "Eu comecei a buscar um significado mais profundo quando a vida começou a me ensinar lições que eu não sabia que precisava. O sucesso parece diferente para mim agora", disse a cantora.
Segundo ela, "a dor e a perda são na verdade uma dádiva", referindo-se principalmente aos abortos espontâneos que sofreu antes do nascimento da filha Blue Ivy. "Ter abortos espontâneos me ensinou que eu precisava me maternar antes de poder ser mãe de outra pessoa. Depois tive Blue, e a busca pelo meu propósito tornou-se muito mais profunda. Morri e renasci em meu relacionamento, e a busca por mim mesma ficou ainda mais forte. É difícil para mim voltar atrás."
É aqui que conhecemos a faceta mais forte de Beyoncé: a mãe. Em praticamente todos os relatos da cantora, a maternidade surge como suporte basilar para enfrentar os desafios pessoais e profissionais.
Em Black Is King (2020), filme musical co-escrito, produzido e dirigido pela artista para acompanhar o álbum de curadoria própria para O Rei Leão (2019), Beyoncé idealiza um Simba constantemente acompanhado pela mãe. Mesmo nos desvios, a figura materna do pequeno príncipe africano está sempre lá: no nascimento, nas veredas, nos erros, nos medos, na morte e, então, no renascimento.
Da mesma maneira, Beyoncé se empodera em maternidade. A sua heroína? A mãe, Tina Knowles. O momento de maior orgulho? Ter dado à luz à Blue Ivy, a primogênita da família Knowles-Carter.
Com o nascimento de Blue, a cantora encontrou algo mais importante que os primeiros lugares, os prêmios e os álbuns mais vendidos. Ser mãe, educar os filhos para confiarem em si e terem empatia e gentileza nas adversidades, além de usarem suas vozes para defender os seus. Isto define Beyoncé.
Maternidade
O anúncio da gravidez de Beyoncé ocorreu durante apresentação no MTV Video Music Awards de 2011, garantindo que a premiação fosse a mais assistida na história da MTV, com 12,4 milhões de espectadores.
Meses depois, no dia 7 de janeiro de 2012, nasceu a primogênita Blue Ivy Carter, apelidada pela revista Time como a "bebê mais famosa do mundo". Naquele dia, Beyoncé concretizava o seu momento mais orgulhoso e mudava, para sempre, a visão de mundo que tinha até então. A chegada de Blue foi comemorada pela família, que sofreu com abortos espontâneos.
"Algo se abriu dentro de mim logo após dar à luz minha primeira filha. A partir daí, entendi verdadeiramente meu poder, e a maternidade tem sido minha maior inspiração. Tornou-se minha missão garantir que ela vivesse em um mundo onde se sentisse verdadeiramente vista e valorizada", disse à Vogue em 2020.
Na época da entrevista, os gêmeos Rumi e Sir Carter já tinham três anos de nascidos. Foi quando a cantora também notou a responsabilidade de educar um menino, sentindo a importância de "enaltecer e elogiar os nossos rapazes e garantir que crescessem com filmes, livros infantis e música suficientes que promovessem a inteligência emocional, o valor próprio e a nossa rica história". Irmã mais velha da também cantora e atriz Solange Knowles, era o primeiro contato de Beyoncé na educação e crescimento de um homem.
Foi por isso que ela dedicou Black Is King (2020) para Sir, em um ímpeto de garantir que o filho cresça sendo visto e se vendo. "Minha mãe me ensinou a importância não apenas de ser visto, mas de me ver. Quero que ele saiba que pode ser forte e corajoso, mas também pode ser sensível e gentil. Quero que meu filho tenha um QI emocional alto, onde seja livre para ser atencioso, verdadeiro e honesto. É tudo o que uma mulher deseja em um homem, mas não ensinamos isso aos nossos meninos."
O esforço de criar Sir é, também, uma maneira de quebrar gerações de abuso de poder e desconfiança das relações entre homens e mulheres da família de Beyoncé. Dos quais ela mesma se viu envolvida quando foi traída pelo marido Jay-Z — uma das temáticas do álbum Lemonade (2016).
Já para Blue e Rumi, a dedicação da cantora é criar um mundo no qual as meninas possam se enxergar como ilimitadas. "Elas não precisam ser de um determinado tipo ou se enquadrar em uma categoria específica. Elas não precisam ser politicamente corretas, desde que sejam autênticas, respeitosas, compassivas e empáticas. Elas podem explorar qualquer religião, se apaixonar por qualquer raça e amar quem quiserem", refletiu também à Vogue.
E se a inspiração de Beyoncé agora vem da maternidade, o lado filantrópico dela com certeza é reforçado. Um dos objetivos da cantora é ser plataforma para a descoberta e promoção de jovens artistas: "Existem tantas barreiras culturais e sociais para adentrar no mercado que eu quero fazer o possível para nivelar o campo e apresentar diferentes pontos de vista para quem acha que sua voz não importa."
Natural de Houston (Texas), Beyoncé já fez diversas doações pós-desastres naturais, como na ocasião do pelo furacão Harvey e o furacão Irma, que em 2017 atingiram o Texas além do México, Porto Rico e outras ilhas caribenhas.
Durante a pandemia de Covid-19, a cantora fez uma parceria com a Igreja de Houston, ao lado da mãe e Jack Dorsey, para instalar centros de testagem para os moradores, especialmente aqueles mais pobres. Vale lembrar que o sistema de saúde dos Estados Unidos da América é pago, portanto muitas pessoas não tinham poder aquisitivo para fazer testes de Covid-19.
Ela também apoiou o hospital municipal ao garantir os materiais para o tratamento dos infectados. "Foi emocionante ver as fotos dos locais de teste e ler as cartas das pessoas de alto risco, devido a problemas de saúde pré-existentes, que conseguiram se recuperar e voltar para casa em segurança do hospital. Tive a sorte de ajudar ainda mais pessoas com os fundos arrecadados com o remix de Savage com Megan Thee Stallion. Doamos os lucros para apoiar as vítimas da Covid-19. Fiz a mesma coisa com Black Parade. Foi um ano de serviço para mim", comentou à Vogue.
Na mesma lógica de falta de acesso por barreiras econômicas, Beyoncé criou a fundação pública de caridade BeyGOOD, focada em apoiar programas "marginalizados e sub-financiados", assim como em garantir bolsas de estudos. Diversos microempreendedores estadunidenses sobreviveram à pandemia em razão da BeyGOOD.
Com a tour mundial do álbum Renaissance, a cantora lançou o programa Renaissance Scholars, para o qual destinou um milhão de dólares em bolas de estudos de US$10 mil para 100 estudantes de universidades dos EUA e de Paris.
Bey, a garota da igreja
Apesar dos muitos percalços, Beyoncé sempre se apoiou na fé para enfrentá-los. Frequentadora da Igreja St. John's Downtown em Houston (Texas), orações e Deus estão presentes em qualquer entrevista concedida pela artista. "Em novos projetos, o primeiro que faço é reunir minha equipe para uma oração", compartilhou à revista Elle, em 2019.
No entanto, a religiosidade nunca a impediu do exercício pleno da liberdade, principalmente quando o assunto é sexualidade. Para ela, o exercício da sensualidade e sexualidade não a tornam menos fiel; muito menos quem amamos.
Se Beyoncé é hoje um ícone para a comunidade LGBTQIA+, é porque ela sempre foi clara ao defender os direitos deles, sem se importar com a visão da Igreja Católica como instituição. Em entrevista à revista Instinct, em 2006, ela foi direta:
"Eu fui criada pelo meu tio (Jhonny) que faleceu de aids uns anos atrás. Ele era o melhor amigo da minha mãe, me levava à escola todos os dias. Ele me ajudou a comprar meu vestido de formatura, fez minhas roupas com a minha mãe. Ele era a minha pessoa favorita no mundo inteiro. Eu nunca misturei o cristianismo com o que eu sentia (por ele). Eu sou mais sobre a fé e a espiritualidade do que religião. (Sou de) fazer o certo pelos outros e não julgar."
Não à toa, o premiado álbum "Renaissance" é uma ode à cultura queer e negra. Resgatando samples do disco e R&B, Beyoncé produziu uma amálgama de ancestralidade, contracultura e resistência — uma homenagem ao tio Jhonny e, como bem lembrado pela teóloga Candice Marie Benbow em artigo na National Catholic Reporter, a todos os negros queer cristãos que foram constantemente afastados da igreja pela homofobia e encontraram nas festas e clubes "um refúgio".
O respeito também é estendido a outras religiões. Nos trabalhos em que Beyoncé aprecia e homenageia a cultura africana, religiões de matriz africana sempre marcam presença. Em "Black Is King" (2020), orixás e outras divindades constroem o universo visual do musical, em reverência à fé dos ancestrais da cantora.
Por isso, parece ser claro que não são os discos de platina e os looks de milhões que fazem de Beyoncé uma força do pop, mas os valores basilares de cuidado e respeito consigo e com os outros que a artista tem nutrido em mais de 20 anos de carreira. Para sempre, Beyoncé será rainha, dentro e fora dos palcos.