Quando assunto é música, existem diferentes formas de se gravar o nome na história. Existem os que gravaram discos clássicos que cruzam décadas sendo buscados em sebos de LP. Existe também quem tenha arregimentado uma turma e criado um movimento, como fizeram Caetano Veloso e Milton Nascimento, pedras fundamentais da Tropicália e do Clube da Esquina, respectivamente. Existem ainda os que ficaram famosos porque venderam milhões e os que não venderam nada, mas ainda ficaram famosos por terem criado uma obra rara.
Outro grupo é o dos estilistas, aqueles que são tão fieis ao próprio som que se tornam quase sinônimo da música que fazem. Esse é o caso, por exemplo, de Paulinho da Viola, que dedicou praticamente todos os seus 81 ao samba, sem nunca querer ser maior que ele. Sempre com a fala mansa, jeito e visual discreto, este carioca de cabelos grisalhos foi a atração do Ciclo Carnavalesco de Fortaleza no último sábado, 20, no Aterrinho da Praia de Iracema.
Depois de um desfile de blocos de Carnaval, do show dos Transacionais e da seleção da DJ Bruna Queiroz & Maestro Mecânico, Paulinho entrou na hora combinada, trajando blusa azul marinho de mangas compridas, calça escura e sua já reconhecida elegância sem excessos. O público era variado em idade, figurino e conexão com o que estava havendo no palco. Tanto havia quem cantasse tudo - ou quase tudo - com paixão, como havia quem perguntasse, sem desdém, "que música é essa?". Também teve um casal que passou soltando um "quem é esse 'véi' no palco?", mas este parecia ser a mais absoluta minoria.
Voltando à fidelidade, Paulinho é tão apegado ao estilo que o eternizou que ele vai anunciando o próximo momento do show dizendo que vai "cantar agora um samba..." - nunca uma "música" ou uma "canção", é sempre um "samba". E foi assim que ele anunciou Lupicínio Rodrigues para aquela plateia de jovens e adultos como um de seus homenageados antes de cantar "Nervos de Aço", que foi recebida com calor. O poeta baiano José Carlos Capinam também foi lembrado em "Coração imprudente". Na mesma temperatura, ele convidou a filha Beatriz Rabello para uma homenagem a Dona Ivone Lara. Outro nome que foi evocado, embora não tenha sido citado, é o de Clara Nunes quando eles cantaram "Coração Leviano" e "Na linha do mar".
Quem já viu algum show de Paulinho da Viola, como em 2012, no aniversário de 286 de Fortaleza (também na Praia de Iracema), deve ter tido a sensação de que o tempo parou desde então. A voz macia de frases curtas permanece a mesma, assim como a beleza de tantos sambas. "Dança da Solidão", lançada por ele em 1972 e resgatada com grande sucesso por Marisa Monte em 1994, foi uma das que fez o público cantar junto. O mesmo com "Pecado Capital", do famoso e certeiro verso "dinheiro na mão é vendaval". E seguiu com "Por um amor no Recife", "Esta melodia" (de Bubu da Portela e Jamelão, também regravada por Marisa Monte), "Quando bate uma saudade", "Bêbadosamba" e a obrigatória "Foi um rio que passou em minha vida".
Para quem viu a Nação Zumbi tocando naquele mesmo espaço no dia 6 de janeiro, deve lembrar da multidão pulando e suando ao som de "Meu maracatu pesa uma tonelada". Já o samba de Paulinho da Viola é leve como pluma e, generosamente, fez um público também volumoso flutuar por cerca de uma hora e meia. Em um de seus versos autobiográficos, ele afirma que canta samba porque só assim se sente contente. Na Praia de Iracema, ele reafirmou essa felicidade diante da resposta da plateia. Igualmente felizes saíram os foliões, certos de terem visto um dos maiores mestres da música brasileira exercendo seu ofício com classe, beleza, elegância e fidelidade.
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