“É preciso entender que, de fato, só iremos prosperar e criar uma cena (de eventos e festas) mais saudável e segura para nós pessoas trans quando existirem pessoas trans em todos os espaços”, enfatiza Angel History, multiartista travesti, DJ e criadora de conteúdo. Em 2023, o número de pessoas trans empregadas no Brasil caiu em 7%, segundo o Transempregos, projeto voltado para a empregabilidade da comunidade trans.
Foram 1040 pessoas empregadas no ano passado e cerca de 3% em bares e restaurantes em todo o País. No Dia da Visibilidade Trans, DJs e produtoras refletem sobre como esses números se refletem na cena noturna de Fortaleza.
“No geral, se nós analisarmos, existe essa falta de comprometimento em melhorar os índices de empregabilidade E a grande maioria (dos postos de trabalho) continua nos excluindo ou optando por ter apenas uma pessoa trans em um line -up com 15/20 pessoas”, continua Angel.
“Eu consigo contar nos dedos quantas pessoas trans têm aqui no mercado (de festas) de Fortaleza. Então, é um mercado ainda muito escasso, que, entre diversos espaços que existem na Cidade, nós somos minoria entre homens cisgênero heteressexuais e gays. Somos super talentosas, criativas, mas nem sempre isso conta a nosso favor”, pontua a modelo e DJ Sol Duarte.
A prostituição segue como a principal fonte de renda da população trans no País. Um levantamento realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais estima que cerca de 90% das pessoas trans tenha que se submeter ao mercado do sexo para sobreviver. “É muito importante entender que no mercado de trabalho as portas para pessoas trans estão fechadas e infelizmente a prostituição é a única saída para muitas pessoas. Nós, que conseguimos fugir um pouco dessa triste realidade, precisamos impulsionar a empregabilidade das minorias que mais precisam e com certeza pessoas trans estão no topo dessa lista”, salienta Angel History.
Apesar do preterimento recorrente, a multiartista celebra as casas que têm acolhido a comunidade trans. “Felizmente existem muitas boates, principalmente as voltadas para o público LGBTQIAPN+, que sempre contratam pessoas trans, tanto na equipe de produção, como atrações e também equipe operacional”, celebra Angel. Ela atua como produtora e DJ na Gandaia Club, Boate Level, Bar Cultural Lions e Valentina Club e ressalta a percepção de melhoras e pequenas mudanças nesses locais. No último sábado, 26, o Bar Cultural Lions realizou a edição “Trans Pride” da Lions Folia somente com DJs trans na programação: Angel, Sol Duarte e Erick&Erison.
“São espaços que me sinto acolhida. Porém é preciso ampliar os espaços nos bares, boates, centros culturais, restaurantes, galeria e afins”, sublinha a produtora.
As listas “trans free” são “uma política de acessibilidade em eventos para pessoas trans”, explica a também modelo e social media. Ao possibilitar que mais pessoas da comunidade se façam presentes nesses eventos por meio da gratuidade, esse recurso também proporciona o contato com possíveis empregadores durante as festas. “Tal hora a pessoa vai na boate e alguém se interessa por essa pessoa e talvez ela possa trabalhar lá, enfim, eu acho que é uma via de mão dupla”, comenta Sol Duarte.
Mesmo com o avanço das listas “trans free”, alguns espaços voltados ao públicos LGBTQIAPN+ em Fortaleza ainda buscam priorizar o público homossexual masculino. “Existem inúmeros homens que ficam incomodados com a presença de mulheres cis e trans e travestis. E, principalmente nesses ambientes mais casuais, perdem o medo de expor seus pensamentos retrogrados”, pontua Angel. A boate Amsterdam é exemplo, entre os estabelecimentos da Capital, de espaço que realizou eventos voltados apenas a homens. Após o posicionamento do público nas redes sociais, o local voltou atrás na decisão e segue agregando diferentes públicos.
Além da falta oportunidades para produtores e DJs que não sejam cisgêneros, a segurança é outra problemática que surge para garantir o acolhimento da comunidade trans nas festas em Fortaleza.
“Muitas vezes sofremos transfobia na entrada, ou pela recepcionista, ou pela segurança, que não colocam mulheres para nos revistar porque não nos considera mulher. As recepcionistas de algumas casas que não têm a receptividade de entender o que é pessoas trans não-binárias, enfim, e acaba nos tratando no masculino”, destaca Sol. “Então, é muito importante essas pessoas que trabalham, principalmente na entrada da casa, ter essa responsabilidade de entender do que se trata, do que se fala, pelo menos um estudo, para não ser tão ignorante nesses assuntos”, frisa a modelo.