De um lado, uma artista solitária tenta concluir uma maquete enquanto enfrenta os problemas de estrutura de sua própria casa. De outro, duas personagens se encontram em uma jornada de resgate em busca de uma amiga desaparecida. Duas sinopses, mas muitas histórias envolvidas para além de enredos filmados.
Esse é apenas um dos pontos em comum que podem ser ditos sobre os curtas-metragens cearenses "Jaci" e "Kila & Mauna". Produzidas em 2023, as obras também compartilham semelhanças ao terem integrado a 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes e, até 9 de fevereiro, ao fazerem parte do catálogo da plataforma de streaming Itaú Cultural Play.
RELACIONADO | 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes revela filmes selecionados
Assim, será possível assistir gratuitamente às obras. Essa é a primeira vez que a plataforma e o festival fazem parceria. É possível também conferir os curtas-metragens "Ramal", "Até O Último Sopro" e "Rei da Ciranda Pesada". Os curtas apresentam "a diversidade e novas representatividades da produção audiovisual no País".
Outro ponto é importante: "Jaci" e "Kila & Mauna" são dirigidos e protagonizados por pessoas trans. "Jaci", de Bruno Lobo La Loba, acompanha uma artista solitária que tenta concluir uma maquete enquanto enfrenta problemas estruturais em sua casa. Em uma madrugada tensa, ela é atormentada pela respiração de uma rachadura.
À medida que a proporção entre a realidade e a representação começa a se desmoronar, ela é levada a uma jornada de reconstrução interior. "'Jaci' é mais do que uma narrativa de aflição: é um filme que guia uma trajetória de autoconhecimento, conduzindo a uma jornada de reencontro com a luz, em busca da cura e do poder interior", define Bruno Lobo La Loba.
Com apenas seis meses de duração da produção, "Jaci" demandou muitas "camadas artesanais", como revela La Loba. Foi necessário investimento próprio para encomendar materiais presentes na obra. "Foi um filme com muitos riscos, mas a equipe inteira deu o seu melhor, alinhando-se, direcionando energia criativa e muita dedicação", conta.
O filme, aliás, foi gravado na própria casa de Bruno. "Abrir as portas de casa para uma equipe grande e mostrar minhas fragilidades foi um ato também de coragem, porque me sentia em alguns momentos vulnerável. Mas também precisei encontrar um outro lugar para morar, porque seria inviável fazer as alterações na minha casa para que se tornasse a casa de Jaci", revela.
O curta foi produzido na Escola Pública de Audiovisual da Vila das Artes, vinculada à Secretaria Municipal de Cultura de Fortaleza. A instituição foi criada para implementar projetos de formação que "potencializam processos de criação e abram espaço para o debate e o pensamento com os diversos circuitos da cidade".
Apesar de considerar necessária uma reformulação no formato do curso, Bruno ressalta ter sido "incrível como a turma em tão pouco tempo teve contato com os maiores realizadores da atualidade". Eles trouxeram "suas referências, seu modo de pensar e fazer cinema", o que foi "muito enriquecedor" e importante para o processo dos filmes.
La Loba indica como a participação na Mostra de Cinema de Tiradentes foi importante: "É meu primeiro filme em escala profissional. Estar lá representando não só o cinema cearense, mas uma direção de uma pessoa trans não binárie, são acessos de concretude que reverberam não só em uma estrutura social, mas é energia empírica, que passa da representatividade, para inspiração e partilha".
O reconhecimento para "Jaci", aliás, não veio "apenas" com a participação na Mostra de Cinema de Tiradentes. Até 9 de fevereiro, o curta-metragem estará disponível na plataforma de streaming Itaú Cultural Play de forma gratuita. Como avalia La Loba, é uma oportunidade de "elevar as possibilidades" de circulação das produções.
"Fico tão feliz em compartilhar nosso trabalho, pois o circuito de curtas é muito pontual. Muitas pessoas não conseguem estar presentes e ter acesso ao cinema, aos festivais e às mostras, seja devido ao horário, às condições financeiras que se implica ou o território onde estão inseridos. Poder ter não só um, mas dois filmes produzidos por alunes da Escola Pública de Audiovisual e Cinema de Fortaleza é elevar as possibilidades. Que nossas narrativas circulem cada vez mais, consigam ultrapassar as barreiras das distâncias e que as pessoas consigam ser tocadas por elas em diferentes camadas", enfatiza.
Além de "Jaci", o curta-metragem "Kila & Mauna", dirigido por Ella Monstra, foi selecionado para a Mostra de Cinema de Tiradentes e contemplado com o acesso gratuito na plataforma Itaú Cultural Play. Como citado por Bruno, o trabalho também foi resultado da inserção na Vila das Artes.
A equipe da obra é formada majoritariamente por profissionais LGBTQIA+ e o filme é protagonizado por pessoas trans. A obra de 2023 apresenta como uma ligação no meio da noite pode mudar todos os caminhos. Na ficção, as personagens Kila e Mauna se encontram em uma jornada de resgate. Entretanto, para chegar onde desejam, precisam atravessar "os desertos que o tempo sedimentou entre elas".
Em Tiradentes, "Kila & Mauna" foi exibido no último dia do festival e integrou a mostra "Formação". Ela teve como objetivo dar visibilidade a produções feitas em ambientes de estudo, fossem em universidades, escolas livres de cinema ou processos de formação pontuais.
As produções deste ano englobaram "desde exercícios formais resgatando imagens de cineastas estrangeiros cultuados no Brasil até documentários de cunho sociológico sobre tradições culturais brasileiras".
"Jaci" e "Kila & Mauna"
Onde: itauculturalplay.com.br