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M. Dias Preto fala sobre sua relação com as multilinguagens artísticas
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M. Dias Preto fala sobre sua relação com as multilinguagens artísticas

Multiartista M, Dias Preto abre a porta do seu ateliê e faz uma viagem no tempo para falar sobre arte visual, performance e infância
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FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 02-02-2024: O perfil do multiartista M. Dias Preto, que atua na área da fotografia, performance, colagem, entre outros. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo) (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 02-02-2024: O perfil do multiartista M. Dias Preto, que atua na área da fotografia, performance, colagem, entre outros. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

O título é o refrão da música de mesmo nome "Young, gifted and black", de Nina Simone. A letra, que virou hino para a comunidade negra estadunidense, fala dos desafios que pessoas pretas enfrentam para não desistirem dos seus sonhos. E sobre sonhos, Matheus Dias Aguiar, o M. Dias Preto, entende bem.

Tanto que uma das obras de M. Dias se chama "O Sonho não falha", composta pela frase escrita em uma faixa rosa. A ideia surgiu em um sonho que o artista teve com a mãe, que faleceu em 2022. "Ela me mostrava coisas que aconteceram na vida real assim e nesse sonho ela falava essa frase para mim: 'O sonho não falha' e aí assim que eu acordei eu fui escrever o sonho, porque a minha terapia é jungiana", conta M. Dias.

"E aí quando eu escrevi essa frase, fiquei todo arrepiado e disse: 'Eita aqui tem'. Deixei a frase guardada e quando veio o Arte-Praia, fiz ela em um bandeirão de 30 metros lá na ponte da Barra (do Ceará) e que foi muito especial assim", revela o multiartista, que conversou com a equipe do Vida&Arte em seu novo e primeiro ateliê.

Localizado no prédio Palácio do Progresso, no Centro, o espaço abriga as produções de Matheus há menos de um mês. Fez da antessala do local um pequeno depósito para guardar os materiais com os quais trabalha, como E.V.A, strass e tecidos. Vestido com uma de suas obras, uma camisa com a primeira estampa feita por ele mesmo, confeccionada entre 2019 e 2020 para a marca Negro Piche.

Nascido e criado no Vila Velha, bairro da periferia de Fortaleza, o jovem de 28 anos teve seu primeiro contato com a arte por meio da escrita e da fotografia. “A escrita dos diários quando eu era criança, ele era muito mais mesmo para liberar a criatividade, era um exercício contra ansiedade. Era um momento que eu estava muito agressivo, eu não sei até hoje o que que tinha acontecido comigo, mas foi ali naqueles diários que eu aprendi a me conectar comigo mesmo assim, sabe?”, relata.

Matheus manteve os diários até os 9 anos. Nessa época, se dividia entre a casa dos pais no Vila Velha, onde mora até hoje com o pai, e a casa dos avós no Jardim Guanabara. Depois de adulto, só voltou a escrever por volta dos 23 anos. "Eu assisti a um documentário e ele me fez perceber que tinha passado por mim, tinha sido um assédio. Foi uma maneira instintiva de lidar com isso, pensei se tinha dado certo antes, vai dar certo agora de novo, e aí eu voltei tanto com a terapia", relembra o multiartista.

"A escrita agora, mais maduro vendo como que eu me relaciono com ela, é tanto uma escrita do dia a dia assim como no meio da escrita começo a fabular e escrever outra coisa, inventar uma história. Então, lá na exposição (Campo de Passagem),quando a gente via alguns escritos, tinha muita verdade muita mentira, eu joguei fake news e verdadeiras também", brinca. "Era isso que tinha lá e obviamente que quando eu vou para a mentira é sempre uma coisa muito esdrúxula, não é? Muito fantástica", pontua.

Dias revela que procura trazer elementos do afrofuturismo para as suas narrativas. "Eu gosto muito de trabalhar com essa ideia de fantástico sobrenatural. Hoje em dia também mais maduro pensando em um afrofuturismo, nessa possibilidade de futuro e como é que eu quero esse futuro então, ele é especulativo, ele é um um uma ficção também, mas é a partir da ficção que a gente consegue construir as narrativas da realidade, não é?" elucida o artista também graduado em arquitetura pela Universidade Federal do Ceará.

"A escrita vem, eu me conecto com ela e aprendi a esperar a hora que ela vai para o mundo", conta Matheus sobre o processo de transformar os relatos em obras de arte. A ideia para os diários veio do tratamento psiquiátrico que o multiartista fizera na infância. "Hoje em dia meus diários não são cronológicos e eu me divirto, porque tenho vários cadernos e nunca sei onde escrevi o que, então, às vezes estou fazendo um curso on-line e encontra um relato de dois atrás", diz.

A fotografia também foi inserida precocemente na vida de Matheus."Eu começo a fotografar aos 13 anos, que é exatamente o período que passei por assédio sexual e hoje em dia entendo que a fotografia foi esse momento, que utilizei ela para voltar a ver a realidade. A fotografia tem esse lugar de afeto para mim, porque às vezes consigo enxergar melhor pela lente da câmera do que a olho nu", explica o também performer.

"Primeiro eu comecei com um celularzinho bem simples que era do meu pai, depois ele viu que tava muito fissurado e que não largava o celular dele, aí teve uma black friday e ele comprou uma câmera digital toda programada, que eu não podia modificar as configurações", relembra. Segundo ele mesmo conta, passou dos 13 aos 20 anos investigando esse novo olhar da realidade por meio das lentes da câmera.

"Na faculdade de Arquitetura, eu fiz algumas fotografias para um trabalho de Urbanismo, o professor ficou passado disse: 'Gente, como assim?'", continua o multiartista. Depois desse momento na graduação, Dias foi desenvolver a técnica e o olhar fotográfico na Casa Amarela. "Nesse período houve um salto que talvez seja de maturidade de imagens assim e de técnica, em seguida, eu vou para o Porto Iracema (das Artes) em 2018, para experimentar possibilidades", ilustra.

Em 2017, M. Dias Preto fez um curso de fotopintura com o Mestre Júlio, também na Escola Porto Iracema das Artes. Como resultado, produziu a primeira colagem digital. "De 2018 para frente acontece outro momento que é o de investigar fotografia a partir do digital, dessa intervenção, dessa mistura, da colagem também", elucida Dias.

"As minhas primeiras colagens, por exemplo, foram criadas a partir de fragmentos de fotos minhas, porque eu dizia que estava de saco cheio de fotografar, que não havia mais nada de novo", revela. Durante a pandemia, o olhar fotográfico do artista passou por uma virada. "Eu costumava fotografar paisagens, mas aí em casa tive que olhar para mim, com isso voltou o diário e a fotografia por meio de autoretrato e com intervenções", M. Dias se refere as fotos de família as quais ele realizou intervenções por meio de colagens. "Eu digo que estou tomando posse dessas imagens e criar outra narrativa", pontua.

Para ele, a fotografia é uma forma de terapia e cura. "Eu entendo a cura muito mais como conseguir conversar sobre os assuntos sem ter um surto.Hoje eu consigo. E aí foi a arte que me levou a isso, não é? A arte para mim, ela é uma estratégia de sobrevivência"defende. "E também é um mecanismo de modificação. Se eu faço é porque eu acredito que vai modificar pessoas assim", conclui.

Além da fotografia e da escrita, o artista realiza performances. Iniciou a primeira em 2023, no Museu de Arte e Som. Intitulada de Refugo, ao trabalho colocava em pauta questões de gênero "fazendo o paralelo entre o descarte das roupas e o descarte da bicha", segundo M. Dias. Na ocasião, o artista puxava as pessoas para dançar uma valsa, fazendo alusão a uma festa de 15 anos.

"Para mim é muito mais cansativo o trabalho de performance, eu demoro para fazer porqueu tenho uma relação de troca muito intensa", conta. "É porque também tem a sensação de você está sendo visto o tempo inteiro, não é? Que é uma mania de perseguição que vem junto da ansiedade e que claro que toda a bicha vai ter isso porque ela é vista o tempo inteiro e aí a performance você realmente está ali para ser visto tempo inteiro", pontua.

A vontade de realizar performances surgiu por causa do olhar das pessoas sobre ele, quer fosse na rua ou em festas. "As pessoas já acham que a bicha é uma performance, elas não acham que isso sou eu, entendeu? Teve um dia que eu estava vestida assim normal. E aí um amigo de um amigo meu que não conhecia disse: 'ai tá linda. Adorei o seu figurino'", rememora;

"Eu fico assim: "gente as pessoas acham realmente que eu sou uma performance, então vou ser uma performance ambulante, principalmente no Centro, acontece bastante uns olhares para mim e é muito gostoso. Então, se eu já já sou colocado nesse lugar, por que que eu não vou fazer um trabalho?", justifica.

Apesar de ter tido exposições em museus pela Capital como o MIS e o Centro Cultural do Banco do Nordeste, além de ter tido uma exposição individual em Belo Horizonte, Minas Gerais, Matheus lamenta ainda não conseguir viver exclusivamente da sua arte. "Eu tenho meu trabalho como designer, então é muito duro. Como assim eu tenho que estar aqui como artista, mas eu não consigo viver disso?", questiona.

"O que eu tenho na verdade é o popular, é o boca a boca, são as pessoas que vem a arte e que esse destaque vem por isso, vem das pessoas que eu acho que o meu trabalho é muito popular assim", destaca o multiartista. "Na exposição, eu fiquei muito feliz, porque foi no Centro e as pessoas que passaram pela exposição são do cotidiano, não são especialistas de arte, mas eram pessoas que é eu eu ia lá no horário de almoço que eu trabalho perto, então chegava gente para me dizer: 'é a primeira vez que eu entendo uma exposição de arte", relembra.

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Instagram: @mdiaspretooo

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