O Carnaval é composto por incontáveis símbolos. Para além das fantasias que vestem os foliões e dos blocos que carregam as multidões pelas ruas, a música é o elemento de encontro de milhares de pessoas. Em uma época de hits do momento, aquelas canções de duração efêmera que ganham pico na festividade carnavalesca e logo somem, manter clássicos que ultrapassam gerações é ponto chave para perpetuar tradições. Você já deve ter escutado, por exemplo, os versos de "Coisa Acesa": "atravessei os sete mares/ e por todos os lugares/ por onde andei/ você me dava vida". Outra letra que costuma estar na boca do povo é a de "Eu Também Quero Beijar": "beijo a flor/ mas a flor que eu desejo eu não posso beijar".
O que elas têm em comum? Ambas, assim como tantos outros sucessos da festa momina, foram escritos pelo compositor, arquiteto e poeta Fausto Nilo - a primeira em 1982, com Moraes Moreira, e a segunda em 1981, com Pepeu Gomes. O artista natural de Quixeramobim, cidade no interior do Ceará, pode ser considerado um dos precursores de grandes êxitos que marcam o período e é o homenageado do Ciclo Carnavalesco de Fortaleza neste ano, divulgado pela Prefeitura como uma homenagem ao "arquiteto dos clássicos".
Ele foi um dos primeiros letristas a trabalhar com Armandinho - filho de Osmar, criador do trio elétrico ao lado de Dodô - e Moraes Moreira, que à época estava iniciando uma trajetória com a banda A Cor do Som. "Fausto e Moraes já se conheciam de fama, mas não eram amigos. Eles começaram a conversar e bateu uma afinidade. Não tinha essa indústria do Carnaval como tem hoje, mas era algo que vendia muito", rememora o crítico de música e editor do Vida&Arte, Marcos Sampaio, autor do livro "Fausto Nilo" (2017), da Coleção Terra Bárbara.
A reunião dos dois iniciou uma relação proveitosa que perdurou até o fim da vida de Moreira (1947-2020) e possibilitou músicas como "Chão da Praça", "Bateu no paladar" e "Vida Boa". As parceiras, inclusive, fazem parte do legado de Fausto, que já foi interpretado por Gal Costa, Geraldo Azevedo, Caetano Veloso, Elba Ramalho e outros. "Nos anos 1980 a indústria musical se profissionalizou. Antes não tinha muito essa história de música nichada. Essas figuras eram os 'pops' da época, estavam na televisão, nos programas de auditório, no rádio. Elas começam a fazer músicas para o Carnaval para vender, por que já era um mercado forte. Então começam a ser feitos clássicos. Isso rende histórias e vai se perpetuando. O Fausto é autor destas letras", sustenta o jornalista.
Estas composições, inclusive, construíram a identidade do Carnaval do Estado e seguem embalando os eventos, como indica o tema do Luxo da Aldeia em 2024. O grupo leva shows com a temática "80 Carnavais", em alusão aos 80 anos do artista homenageado. A obra de Fausto também intitula o Chão da Praça, bloco carnavalesco da banda Os Transacionais que retornou à programação do Dragão do Mar após quatro anos. "As palavras de Fausto foram as primeiras cantadas do Carnaval no trio elétrico. Essa relevância, vinda de um Carnaval gigante como o da Bahia, não podia deixar de reverberar na sua terra. Ela é a espinha dorsal do que é o Carnaval do Ceará, composto de cearenses para cearenses", pontua o cantor Jolson Ximenes, vocalista dos Transacionais.
A opinião é seguida pela cantora Lídia Maria, vocalista do Bloco do Prazer, que mantém um setlist composto por sucessos do compositor desde 2016. "A obra do Fausto está no Carnaval de Fortaleza de uma forma muito espontânea, porque o Fausto está no Carnaval do Brasil. Independente de saberem se a composição é dele, as pessoas cantam. É muito natural cantar Fausto Nilo no Carnaval, que bom que temos artistas que fazem questão de reverenciá-lo".
Para escutar
Outros Carnavais
O compositor e arquiteto também foi homenageado pela Prefeitura de Fortaleza no Carnaval de 2010, ano de lançamento do disco "Quando Fevereiro Chegar - Uma Lírica de Fausto Nilo". O álbum traz diversas canções do cearense na voz de diversos intépretes.
Leia no O POVO + | Confira mais histórias e opiniões sobre música na coluna Discografia, com Marcos Sampaio