Costumam referir-se a Hayao Miyazaki como grande mestre da animação. Já eu, prefiro dizer que ele é um dos grandes mestres do cinema como um todo e que ele se utiliza das animações porque elas lhe proporcionam mais possibilidades de criação em seus mundos tão abstratos.
Referência do cinema japonês, o animador, cineasta, roteirista, escritor, artista de mangá e co-fundador do estúdio Ghibli tem em sua filmografia grandes obras como “Princesa Mononoke” (1997), “Vida ao Vento” (2014) e o vencedor do Oscar de melhor animação “A Viagem de Chihiro” (2003). Após 10 anos longe das grandes telas, o cineasta retorna em boa forma com “O Menino e a Garça”.
Mahito, um jovem de 12 anos que perdeu a mãe durante a Segunda Guerra Mundial, acaba se deparando com o fato de que agora seu pai tem uma nova companheira, sua madrasta, e que partir de agora eles irão morar em uma mansão afastada da cidade que já pertence à sua família há algumas gerações. Ao chegar ao local, o protagonista se depara com uma garça e logo descobre que a criatura é muito mais do que aparenta.
Como de costume em muitos de seus longas, Miyazaki se utiliza de algum artifício que conecta o mundo do protagonista com um mundo paralelo, mágico. A diferença aqui é que o diretor aborda isso de uma forma mais sóbria, por assim dizer. Quase imediatamente após chegar em sua nova casa, Mahito se separa desse ser que o conectará com outros mundos com a justificativa de que irá encontrar sua falecida mãe.
Trabalhando em cima disso, o diretor traz uma alegoria do que seria um mundo entre a vida e a morte. Mas também pode funcionar, de certa forma, como a visão de uma despedida como artista, já que esse talvez seja seu último filme. Ele mostra o amadurecimento do protagonista ao lidar com temas como morte, empatia, respeito e aceitação, e são esses pontos que tornam esse um dos longas mais melancólicos e sombrios do famoso cineasta.
Um dos traços mais marcantes do diretor é a utilização de animais antropomorfizados em suas histórias. Algumas vezes fofos e divertidos, como em “Meu Amigo Totoro”, de 1988, outros sombrios e até asquerosos, como é o caso da garça que atrai Mahito. De início podemos projetar que o espectador pode ficar confuso, mas rapidamente passa a entender como funciona a física daquele ser, que de início é gracioso e grotesco ao mesmo tempo. Com o passar dos minutos, ele vira algo comum e até engraçado em certos pontos. Algo que funciona muito bem, dado o fato de que é feito em uma animação.
Mas se engana quem pensa que essa animação é usada apenas em pontos tão simples quanto este citado acima. Miyazaki deixa claro em tela o porquê desse filme ter demorado tanto tempo para sair do papel. Logo no início temos uma cena cheia de movimento e cores que se mesclam, tornando a tela quase como uma pintura abstrata e realista ao mesmo tempo. Esse trabalho se mantém durante todo o filme e surpreende até quem é acostumado com a qualidade gráfica já apresentada pelo diretor. Porém fica claro que em “O Menino e a Garça” essa qualidade vai muito além, justificando com tranquilidade sua indicação para melhor animação no Oscar deste ano.
Outro ponto que sem dúvidas merece destaque é o trabalho de Joe Hisaishi, já conhecido pelas parcerias com o diretor. Assim a animação e o trabalho da trilha sonora original feito por Joe são notáveis. Sempre trazendo toda a delicadeza e suavidade que encaixam muito bem com os traços extremamente delicados do filme, a música também explode em momentos de ação e tensão de uma forma muito bem orquestrada. É quase como um personagem do longa.
Abordando temas complexos como a Segunda Guerra Mundial, luto e universos paralelos - por vezes de forma direta e outras de forma bastante subjetiva - “O Menino e a Garça” passa muito longe de ser um mero filme infantil. Ele crava seu papel como um dos melhores filmes da carreira de um dos maiores cineastas do mundo e encerra, com perfeição, essa que provavelmente é a despedida do diretor de cinema.
O menino e a Garça