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Ilustradores falam das tirinhas como espaço de resistência
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Ilustradores falam das tirinhas como espaço de resistência

Quadrinistas do O POVO falam sobre importâncias das HQs no meio artístico e contam histórias por trás de cada quadrinho
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Emylle Sobre Rodas (Foto: Milene Correia e Emylle Torres)
Foto: Milene Correia e Emylle Torres Emylle Sobre Rodas

Histórias de quadrinhos, ou simplesmente "HQs", estão presentes culturalmente no Brasil desde o século XIX com o pioneiro Angelo Agostini, que criou "As aventuras de Nhô Quim" em 1869. Sempre com tom bem humorado e, às vezes, trazendo visão crítica da sociedade, as tirinhas representam também o contexto social em que estão inseridas e a vida do autor que a produz.

Todos os dias, o Vida&Arte apresenta tirinhas na página "Brincar" e 16 artistas no total são responsáveis pela veiculação dessas HQs. Daniel Brandão, de 48 anos, é quadrinista profissional desde 1998 e colaborador do O POVO desde 2018 com o quadrinho "Os Mundos de Liz", que tem publicação regular às segundas, quartas, sextas e domingo.

"Quando recebi o convite do Jornal, minha filha Liz já estava com 14 anos. Por isso, decidi que a personagem poderia crescer com ela. Como, a princípio, eu fazia tiras diariamente, eu precisava ampliar o universo da personagem para que eu conseguisse ter ideias para sete tiras semanais. Acabou que 'Os Mundos de Liz' fala muito sobre mim, meu ponto de vista. Com o tempo fui criando coragem para me desnudar cada vez mais, expor meus posicionamentos e opiniões", relata Brandão.

Para o quadrinista, as HQs brasileiras ainda não possuem o reconhecimento que merecem, ainda que o cenário esteja melhor do que quando começou a desenhar, nos anos 1990. "Não nego que, dos anos 1990 para cá, muita coisa melhorou, mas estamos longe do ideal. Pouca gente lê e consome livros no Brasil e os quadrinhos são um pequeno nicho desta fatia. Dos quadrinhos consumidos, os quadrinhos nacionais são uma minoria. Infelizmente. Até porque muita coisa boa é produzida no nosso País", afirma.

"Para mim, os quadrinhos são encantadores e uma forma de comunicação linda e poderosa. Não tenho dúvida de que esta linguagem merecia mais reconhecimento e alcance. O potencial dos quadrinhos é imenso. Fazer quadrinhos no Brasil é uma forma de resistência", finaliza Daniel.

Rédi Bortoluzzi é quadrinistra do O POVO desde maio de 2023(Foto: Rédi Bortoluzzi)
Foto: Rédi Bortoluzzi Rédi Bortoluzzi é quadrinistra do O POVO desde maio de 2023

Outro quadrinista que compõe o grupo O POVO é Gabo, 22 anos, que tem seu trabalho publicado aos sábados no Vida&Arte. Suas tirinhas "Finho Doguinho" são inspiradas em seu animal de estimação: "O Finho sempre foi um cachorro muito engraçado e bagunceiro, sempre se metendo em confusão e também tão caricato! É quase como se ele já viesse com o talento natural de ser um personagem. Ele é meu cachorro danado nos quadrinhos e na vida real também", explica sobre sua inspiração.

Gabo, que é autista e também produz a tirinha "Autistirinhas" para suas redes sociais, destaca o papel importante de suas HQs estarem presentes em jornais impressos: "Preservar esse espaço também é de certa forma uma validação para o quadrinista. Apesar da era digital, a maior forma de consumo dos quadrinhos continua sendo a forma física, livros impressos. Para um quadrinista que produz para a internet, ver algo seu publicado em meio físico é como se ele estivesse sendo validado".

Milene Correa é uma das quadrinistas das quintas-feiras no O POVO. Seu quadrinho "Emylle Sobre Rodas" é feito em parceria com Emilly Torres, que é paratleta. Juntas, criam a tirinha desde 2020: Milene como criadora e Emilly como curadora. "Conheci Emylle em 2020. Uma vez, no shopping, um idoso parou, olhou pra ela e levantou as mãos, como quem reza. Depois saiu como se nada tivesse acontecido. Emylle disse que era comum isso acontecer. Fizemos uma HQ curta e nos inscrevemos no prêmio Funarte daquele ano. Fomos contempladas e de lá pra cá, tudo vira tirinha", conta Milene.

A quadrinista explica ainda porque é necessário que a amiga esteja sempre presente em seus processos criativos: "A gente pega uma coisa que alguém faz, diz ou pensa, adiciona o humor da Emylle, e tudo vira roteiro pra tirinha. Emylle sempre faz a curadoria das tirinhas, aprovando ou modificando o conteúdo. Até porque não faria sentido falar sobre ela, sobre coisas que ela vivencia, sem a perspectiva dela".

Emylle destaca que o enredo para as tirinhas é o capacitismo sofrido por ela: "Como tem muito de minha vida nos quadrinhos, conteúdo não falta! Infelizmente, o capacitismo ainda está muito vivo nas pessoas. É literalmente eu só sair na rua, que acontece o roteiro do 'Emylle Sobre Rodas'".

Às terça-feiras, há também os quadrinhos de Rédi Bortoluzzi, de 38 anos, que criou o "Tem Alguém Aí". "A série surgiu quando fiquei sem emprego, bem na época do grande debate a respeito das inteligências artificiais e a possibilidade delas substituírem pessoas em algumas funções", explica.

O artista conta como usa inteligências artificiais em seus processos criativos: "Eu criava algumas situações e colocava a ideia nos chats de IA, o GPT, e o Bing, via como a IA reagia. Os roteiros foram saindo praticamente em parceria, a tira se desenvolvia a partir daí, eu direcionando a história para uma abordagem humorística e mostrando as diferenças e semelhanças entre os dois personagens e suas visões de mundo. A ideia sempre foi fazer o leitor pensar sobre o papel das inteligências artificiais na sociedade e na arte".

Tirinha "Coisinhas", de  Dhiow(Foto: Dhiow)
Foto: Dhiow Tirinha "Coisinhas", de Dhiow

"Quando a gente sai no jornal, subimos um degrau. A sua avó não vai guardar recortes dos seus posts no Instagram. Além disso, o quadrinho no jornal impresso fura a bolha, podemos levar a expressão da nossa arte para pessoas que não têm contato frequente conosco", aponta Régi.

"Cleitin o Vetim" é uma das tirinhas de sábado publicadas no Vida&Arte. O autor, Emmanuel Bezerra, 36 anos, é aluno de Daniel Brandão e se inspirou em personagens locais para o protagonista das histórias: "Humoristas como o Pobretion, Talmon Lima, Glavyson Pabollo e toda a carga de humor que adquirimos por viver no Ceará".

Emmanuel conta que deixou sua ocupação profissional antiga para se dediar inteiramente aos quadrinhos e ilustrações: "As HQs representam um recomeço. Eu deixei minha antiga profissão de farmacêutico para me dedicar integralmente aos quadrinhos e à ilustração. Sempre gostei de desenhar, por isso, quando criança, queria trabalhar com desenho, mas os caminhos da vida me levaram para outro lugar. No fim, acabei voltando para a arte. Acho que fugir disso é inevitável, ou eu voltava a desenhar ou eu ia adoecer, uma vez que a arte faz parte de você fica inviável abrir mão dela".

Todos os quadrinistas do O POVO

> Daniel Brandão (Os mundos de Liz)(estudiodanielbrandao.com): às segundas, quartas, sextas e domingos

> Rebeca Jessica (Zootirinhas) (@rebecajessicaart): às segundas

> Dhiow (Coisinhas) (adivinhadindi.tumblr.com): às segundas

> Luís Carlos Souza e Cristiano Lopes (Demonaldo) (@luisacarlososousa e @cristianoartist): às terças

> Rédi Bortoluzzi (Tem alguém aí?) (@rediroger): às terças

> Ise Nishi (Entre as Sarjetas) (@entreassargetas): às terças

> Fabrício Selva (diversos títulos) (@fabricio_selva_art): às quartas 

> Domitila Andrade (Mulher Listrada) (@mulherlistrada): às quartas

> Lya Calvet (Em Processo) (@lyacalvet): às quintas

> Milene Correa e Emilly Torres (Emylle Sobre Rodas) (@meenhasaventuras): às quintas

> Pâmela de Castro (Metatirinhas) (@pameladecastro.ilustra): às quintas

> Marcos Rocha (Cê tá me Tirando?) (@marcosrocha.colorist): às sextas

> Blenda Furtado (Nanda a Ver) (blendafurtado.com): às sextas

> Emmanuel Bezerra (Cleitin, O Vetin) (@nemelzaketch): sábados

> Julieanne Almeida (A Cara de Ju) (@acaradeju): aos sábados

> Gabo (Finho Doguinho) (@gaboseiras): sábados

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