Mais de 15 anos se passaram desde que o último episódio de “Avatar: A Lenda de Aang” foi lançado. Exibida entre 2005 e 2008, a série animada se tornou um clássico e mobilizou gerações de fãs para além do público-alvo inicialmente estabelecido - afinal, originalmente a obra era direcionada para audiência infantil de 6 a 11 anos de idade.
Os temas, a direção de arte, as referências culturais e as lições presentes na trama foram apenas alguns dos motivos responsáveis pelo tamanho sucesso da série e pela ruptura de barreiras geracionais. Assuntos complexos como guerra, militarismo, imperialismo, amizade, autodescoberta e até genocídio são trabalhados de forma inteligente ao longo das três temporadas.
Aclamado pela crítica e pelo público, o trabalho inevitavelmente chamou a atenção de outros produtores, que desejaram levar para os cinemas e com atores reais a história de “Avatar” (não o de James Cameron, para deixar claro). Em 2010, foi lançado o primeiro live action nas telonas, mas o resultado foi um fiasco, com alta rejeição da audiência devido às mudanças na trama.
Logo, é possível perceber a responsabilidade nas “mãos” da Netflix ao produzir sua própria versão live-action. Com oito episódios, a primeira temporada de “Avatar: O Último Mestre do Ar” estreia na plataforma de streaming nesta quinta-feira, 22. A produção adapta a primeira temporada da série animada e consegue avançar na profundidade do desenho, por mais que soe repetitiva ao apresentar as angústias de seus personagens.
Antes, vale a introdução. “Avatar” é ambientado em um mundo no qual quatro nações representam, cada uma, um elemento da natureza, sendo eles Água, Terra, Fogo e Ar. Elas vivem em harmonia e sob a “tutela” do Avatar, guardião da paz e mestre desses elementos. A cada nova encarnação, uma nova pessoa assume o posto de Avatar, seguindo um ciclo que passa por cada nação.
A situação de equilíbrio muda quando a Nação do Fogo resolve expandir seu reinado e conquistar o mundo, estabelecendo uma guerra devastadora. Ela ataca e dizima os Nômades do Ar - mas não contava que o único sobrevivente seria justamente a nova encarnação do Avatar: um garoto de 12 anos que passa cem anos congelado em um iceberg.
Seu nome? Aang, que no live-action é interpretado por Gordon Cormier. Ao lado de novos amigos da Tribo da Água do Sul, os irmãos Sokka (Ian Ousley) e Katara (Kiawentiio), ele embarca em uma missão para dominar os outros três elementos e reagir à matança do Senhor do Fogo Ozai (Daniel Dae Kim). Não será simples, porém, pois o príncipe Zuko (Dallas Liu) está determinado a capturá-lo, sendo acompanhado pelo seu tio, o General Iroh (Paul Sun-Hyung Lee).
Adaptar uma animação para o live-action não é tarefa fácil, ainda mais quando se trata de uma história consolidada e premiada como “Avatar”. Diferentemente do original, que tem 20 episódios no primeiro livro, a primeira temporada tenta condensar os principais acontecimentos ao longo de oito episódios com duração de uma hora cada.
Ao mesmo tempo que “limita” os produtores quanto ao leque de assuntos a serem abordados, permite que os roteiristas pensem em novas estratégias para narrar a história. Como resultado, o live-action se permite explorar momentos que antecederam a guerra, apresentando ao público seu início e lados não tão explorados no desenho.
Além disso, tenta estabelecer seus próprios rumos - respeitando o legado da animação - ao localizar personagens de diferentes episódios em um mesmo ambiente. Outro fator que leva a essa consideração é a representação gráfica dos horrores da guerra, por vezes a um passo da colocação explícita.
Afinal, o mundo está em conflito. Há perdas incontáveis. Os efeitos visuais contribuem para essa demonstração. Ainda que em algumas cenas seja notável a presença de computação gráfica na caracterização dos cenários, as dobras dos elementos são bem apresentadas e aparecem de forma natural.
Na adaptação da Netflix, o sofrimento passa a ser mais visível a partir de traumas e pela devastação causada pela Nação do Fogo ao meio ambiente e, claro, às vidas humanas. O imperialismo e suas consequências são trabalhadas enfaticamente ao longo dos capítulos. Apesar de não ser um tema novo, ganha força pelo modo como é apresentado.
A dor também é transmitida pelos personagens principais, cada um à sua maneira. Enquanto Sokka e Katara lamentam perdas familiares, Aang precisa lidar com o extermínio de seu povo, com o choque de descobrir um mundo tomado pela violência e com a responsabilidade de ser a esperança para aqueles que anseiam pelo fim da guerra.
Nesse aspecto, a obra se torna redundante ao lembrar ao espectador a todo instante os pesos vividos por um garoto que ocupa o posto de ser “o salvador”. O fardo carregado por Aang é comunicado por ele e por outros personagens de forma literal em diferentes momentos, ainda que o público já saiba da dificuldade de sua missão.
Ao longo da temporada, Zuko assume papel de destaque ao ter seu passado revisitado, levando a audiência a entender a construção de sua história. “Avatar”, neste primeiro momento, preza pelas relações, sejam elas entre o trio protagonista, entre Zuko e seu tio, entre os irmãos Sokka e Katara ou entre o príncipe da Nação do Fogo e seu pai.
Essas interações são ressaltadas pelas atuações de um elenco bem escolhido, principalmente quanto a Dallas Liu e Kiawentiio. Gordon Cormier, porém, parece ainda estar na esteira de evolução quanto ao seu personagem, visto que chega a repetir trejeitos para contextos diferentes. Aang busca evolução, aliás. Os capítulos mostram como o jovem Avatar precisa encontrar sua individualidade em meio ao contato com conselhos de avatares passados.
Como saldo final, a primeira temporada do live-action da Netflix respeita o legado da animação ao mesmo tempo que busca caminhar com as “próprias pernas”. Uma boa adaptação, fiel aos principais momentos da narrativa, e que cria expectativas para sua continuação.
Avatar: O Último Mestre do Ar