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Aos 100 anos, estilista Eliana Macêdo fala sobre o amor à costura
Vida & Arte

Aos 100 anos, estilista Eliana Macêdo fala sobre o amor à costura

Aos 100 anos, Eliana Macêdo reflete sobre a paixão pela costura e a vida enquanto mulher que transgrediu comportamentos sociais em sua juventude
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Eliana Macedo, estilista cearense, celebra 100 anos de vida (Foto: Aurélio Alves)
Foto: Aurélio Alves Eliana Macedo, estilista cearense, celebra 100 anos de vida

Quando a vida é pautada por uma paixão e este amor se torna seu código de liberdade e sucesso, referências como Eliana Macêdo vem à tona. A estilista famosa por criações para noivas, completa seu centenário nesta quinta-feira, 29, celebrando a força e a independência que a costura trouxe em sua vida.

Nascida em Fortaleza, Eliana aprendeu a costurar com a mãe e essa se tornou a sua brincadeira favorita de infância. Fazer roupas para a irmã Celeste e para as suas primas era o desenvolvimento de uma paixão que futuramente veio a se tornar uma profissão que lhe deu grande destaque na sociedade cearense.

Com belos vestidos frutos de seu cuidado e dedicação, a artista vestiu importantes nomes da alta sociedade cearense. No entanto, ela garante que nunca foi “amiga das estrelas” e o que mais lhe importava quando atendia clientes no ateliê era a simpatia das pessoas. “Eu gostava de fazer vestidos para pessoas educadas, cheirosas, gente legal mesmo. Isso é muito importante”, destaca Eliana.

Antes de se inserir no mercado de trabalho com costuras, a cearense atuou como funcionária pública na empresa de energia Light, ainda assim, seguia com suas criações para familiares. Ao se tornar mãe e casar, com 21 anos, a artista saiu de seu ofício profissional e percebeu que seu talento com desenhos, linhas e agulhas poderiam ser uma fonte de renda.

“A mamãe costurava, então eu comecei a costurar também para ficar independente e para ter uma situação financeira mais folgada”, conta a artista, que viu na moda uma forma de ganhar liberdade financeira.

Eliana Alcântara, sua filha caçula que assumiu o ateliê Eliana Macêdo, conta que recebeu uma educação da mãe, que priorizava a independência. Em conversa bem humorada com Eliana, ela brinca: “A senhora foi péssima porque sempre exigiu da gente muita independência, porque achava que homem não tinha que sustentar a gente. Isso foi a maior burrada que ela ensinou para os filhos”.

“Ela deu, na educação para mim e minhas irmãs, isso de independência, de você ter liberdade de fazer o que quiser, de ser dona da própria vida. Ela passou esse sentimento. E eu acho que foi bom porque nos deu muita segurança”, destaca a filha. Para ela, a mãe é um grande exemplo de mulher transgressora, pois nunca cedeu à pressão patriarcal de sua juventude. Eliana Macêdo nunca deixou de viajar e ir aos teatros e cinemas que gostava por não estar acompanhada de seu marido na época, que era professor universitário e trabalhava dando aulas no período noturno. Em seu casamento, ela sempre teve o apoio do marido para ser livre.

“Eu não vivia desejando homem”, aponta Eliana sobre não ter vivido com dependência de nenhuma figura masculina. Ela sustenta ainda a ideia com sua concepção de quem viveu há diferentes épocas: “Naquela época, os homens achavam que as mulheres eram posse deles. Era tão engraçado… Hoje em dia não tem mais esse papo. Para começar, elas não se julgam mais propriedade de Pedro…de Afonso…”.

A filha Elianinha explica: “Ela sempre achou que a mulher não tinha que ter uma relação de ser posse, de ser submissa a alguém. Quando ela diz que sempre buscou ganhar o dinheiro dela, é porque ela sempre achou que era através do dinheiro ela ia impedir que alguém tivesse o poder de mandar nela. Mamãe vem de um regime extremamente matriarcal. Não houve no relacionamento dela aquele papel de homem ‘machão’. E ela não gostava quando via o relacionamento das amigas e das primas, que não era assim”.

Uma lição importante que Eliana leva desde criança e ensina até hoje é sobre a tristeza: “Seu rosto pertence aos outros, o coração é seu”. Para a artista e mãe de seis filhos, o choro não é algo a se contemplar, mas sim o sorriso. “Eu não sou dessas que fica atrás de choro”, afirma.

Eliana Macêdo nasceu com uma deficiência no pé, com a falta de ossos no membro, que a fez passar por 20 cirurgias ao longo da sua vida. Aos cinco anos, em 1929, ela fez a primeira operação no membro - época em que não haviam anestesias e a única maneira de diminuir as dores era por meio da inalação de formol durante o procedimento. Na recuperação da cirurgia, sua mãe Nayde ensinou para ela que não poderia chorar e, desde então, a cearense carrega esse símbolo de força.

“Pode chorar, eu não discordo do choro não. Agora eu acho que a gente não tem obrigação de ficar a vida toda choramingando. É melhor rir”, destaca a estilista, que brinca dizendo que era “perversa” com seus filhos que choravam.

A filha Elianinha relata: “Uma vez eu chorei e ela disse ‘Não chore, seu rosto pertence aos outros. O coração você pode derreter’. Eu achei aquilo um absurdo. E, na morte do meu pai, minha irmã chegou chorando muito e minha mãe: ‘Diga a ela que pare de chorar’. Como é que você manda uma pessoa parar de chorar?”.

Para Eliana, que já sofreu com três AVC e muitas cirurgias delicadas em seu pé, não vale a pena lamentar as dores e a tristeza, que é o que o choro representa. Aos 100 anos de vida, a artista compartilha que o melhor a se fazer é sempre sorrir. “Eu acho que eu consegui muita coisa e venci muita coisa”, declara.

Eliana Macêdo: 100 anos de um ícone da moda

No dia 29 de fevereiro, um ícone da moda cearense completará cem anos de vida. A estilista Eliana Macêdo celebrará seu aniversário e uma longa carreira marcada pelo alto padrão de seus vestidos de noiva. Chamada de Naninha pelos mais próximos e conhecida profissionalmente como Eliana Macêdo, Eliana Porto Sampaio de Alcântara tem influenciado a moda cearense há décadas. De feitio gentil e simples no trato, e definida pelo caráter retilíneo, Eliana angariou uma vasta clientela das mais variadas condições sociais, principalmente da elite cearense. Sua reputação ilibada foi reforçada ao longo dos anos pela atenção e presteza com que sempre tratou os clientes, e pelo esmero e qualidade na feitura de vestidos que ainda não foram alcançados por outros estilistas.

O ateliê de Eliana foi fundado por sua mãe, Naíde Porto Sampaio, há mais de cem anos. Tornando-se viúva quando a filha tinha menos de dois anos, Naíde já produzia roupas, entre as quais vestidos de noivas, primeiramente, para parentes e amigas, mas logo expandindo o negócio para sustentar os filhos. Eliana explicou sua iniciação na arte: "Eu era pequena, fingia que estava brincando no chão, e olhava minha mãe. Comecei fazendo vestidos para minhas bonecas. Eu aprendi porque achava lindo. E ainda acho".

Eliana pertence a uma tradicional família que, há gerações, repercute positivamente na sociedade cearense. Seu avô, o farmacêutico João Jacinto de Sampaio, foi veterano da Guerra do Paraguai (1864-70) e fundador da Sociedade Libertadora Icoense, uma das principais associações abolicionistas que atuaram contra a escravidão no Ceará, e cuja bandeira foi doada ao Museu do Ceará em 1932. O bisavô de Eliana, Antônio Francisco de Sampaio, foi eleito conselheiro de estado junto a Dom Pedro I durante a Independência do Brasil, em 1822, e, posteriormente, serviu como deputado na Assembleia Legislativa do Ceará, quando de sua instalação em 1834.

Do consórcio com o falecido intelectual e professor José Denizard Macêdo de Alcântara, antigo Secretário de Cultura do Governo do Estado, Eliana teve seis filhos: Caetana, Inês, Celeste, Bernadete, coronel Fernando Alcântara e Elianinha. Dentre seus netos, podemos citar Luciana Dummar, atual presidente do Grupo de Comunicação O POVO, e o doutor Leonardo Alcântara, presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará. O ateliê de Eliana continua sob sua filha mais nova, Elianinha, onde a célebre estilista ainda é vista ocasionalmente, verdadeiro exemplo de mulher cearense: resiliente e independente.

Licínio Nunes de Miranda, historiador e neto de Eliana Macêdo

 

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