Ipomeias são flores consideradas ervas daninhas, que crescem em qualquer lugar. A flor também dá nome ao primeiro livro da jornalista Heloísa Vasconcelos, “Ipomeias”. A obra, que será lançada neste sábado, 2, na Casa de Juvenal Galeno, se debruça sobre a história não contada de quatro escritoras e jornalistas importantes para a imprensa cearense: Henriqueta Galeno, Francisca Clotilde, Alba Valdez e Emília Freitas.
Em uma época na história do País em que o espaço de atuação de figuras femininas era restringido somente ao cuidado do lar, foram consideradas rebeldes. Por isso, o título é também uma metáfora criada pela própria autora para retratar a expectativa da sociedade desse período em relação ao lugar ocupado pelas mulheres.
“Esperam que as mulheres sejam flores de vaso, como eu falo no livro, que sejam flores de buquês, flores bonitas, cheirosas, que estejam arrumadas em casa e que sejam do lar”, explica Heloísa. “E me surgiu a ideia de que essas mulheres (do livro) são ipomeias, as ipomeias são flores que são consideradas ervas daninhas, são essas mulheres que ultrapassaram os limites que eram colocado pra elas, que florescem em todos os locais, mesmo sem serem cultivadas e que se espalham aos quatro ventos para crescer”, completa.
As quatro mulheres viveram durante o século XIX e fizeram revolução com a escrita. Henriqueta Galeno impactou a sociedade intelectual cearense com as atividades culturais promovidas no Salão Juvenal Galeno, hoje Casa Juvenal Galeno. Inclusive, criou a ala feminina do local, um grupo formado por mulheres cujo intuito era discutir obras e divulgar livros de autoria feminina.
Como escritora, não chegou a publicar livros em vida, somente uma obra póstuma intitulada “Mulheres Admiráveis”, que aborda a trajetória de outras mulheres com feitos relevantes na história. Em vida, Galeno publicava textos em jornais da época, criando o jornal Jangada para que outras mulheres pudessem publicar também.
Atuou ainda de forma ativa no feminismo, representando o Ceará no 1° Congresso Feminista, no Rio de Janeiro, presidido por Bertha Lutz. Além de ter tido forte desempenho na luta para o direito ao voto feminino.
Já Francisca Clotilde foi a primeira mulher a lecionar na Escola Normal do Estado do Ceará. Colaborou em vários em vários veículos de imprensa locais, como A Quinzena, O Domingo e A Evolução. Emancipação feminina, a política, a liberdade e a campanha abolicionista eram suas principais pautas em sua produção literária.
Emília Freitas foi a responsável por escrever o primeiro livro de literatura fantástica do Brasil, “A Rainha do Ignoto”, em 1899. Antes disso, escreveu para jornais literários do Estado, como Libertador, Cearense e O lyrio e A Brisa. Participou de modo ativo da Sociedade das Cearenses Libertadoras, combatendo a escravização de pessoas negras no País.
Alba Valdez foi a primeira mulher a entrar na Academia Cearense de Letras. Também fez parte da Ala Feminina da Casa de Juvenal Galeno e da Liga Feminista Cearense, primeira organização de mulheres no gênero no Ceará, a qual chegou a presidir. Como jornalista atuou na Revista da Academia Cearense de Letras; Revista do Ceará, Panóplia, Diário do Ceará e Correio do Ceará, entre outros veículos. Publicou dois livros: “Em sonho” (1901) e “Dias de Luz” (1906).
A autora de “Ipomeias” explica que a ideia para a obra surgiu no início do curso de Jornalismo, na Universidade Federal do Ceará, quando Heloísa estava matriculada na disciplina de História do Jornalismo. Ao estudar a história da imprensa cearense, ela sentiu um incômodo em relação a ausência de mulheres no conteúdo ministrado nas aulas.
“No final do curso decidi pesquisar sobre essas mulheres, foi um desafio porque queria fazer um livro reportagem, e na minha cabeça esse tema funcionaria melhor com uma monografia. Mas queria fazer algo diferente, conseguir entrevistar familiares dessas mulheres, ir para além de biografia com fatos mais frios”, conta a autora, que produziu o livro para ser seu trabalho de conclusão de graduação.
“Queria conhecer quem eram aquelas mulheres, claro, algo difícil porque obviamente não conseguiria entrevistá-las. Só iria conseguir falar com bisnetas, que nem tiveram a chance de conhecê-las”, relata a jornalista. A escolha das quatro personagens só aconteceu após alguns meses de pesquisa. “Ia três, quatro vezes por semana na Associação Cearense de Imprensa, no Centro, para ficar vendo livros, jornais antigos”, relembra.
Para a escritora, falar das histórias de cada autora é relevante para que as pessoas conheçam. “Eu não poderia ser jornalista se não houvesse mulheres que decidiram escrever naquele tempo, dar a cara a tapa, os sacrifícios dessas mulheres para que pudéssemos estar atuando nessa profissão hoje”, pontua. “Pela primeira vez, por exemplo, estamos dando um rosto para a Emília Freitas, com base em descrições da personagem que tinha no livro da ‘Rainha do Ignoto’, que possuía um tom mais biográfico”, salienta.
A decisão em delimitar a quantidade somente a quatro foi para produzir um trabalho possível de ser feito. “Pensei em falar sobre Ana Facó, mas como ela já era citada num livro sobre mulheres na imprensa, mesmo que fosse acadêmico, preferi dar espaço a Henriqueta Galeno, por estar um pouco mais próxima de mim e que não havia sido citada, já as outras não tinha como deixar de falar delas, digo isso como mulher e jornalista”, reitera a paulistana radicada no Ceará.
O contato com os familiares da Henriqueta Galeno foi o mais fácil de alcançar durante o processo de pesquisa, segundo a autora. “Por ser o mais proeminente, a Casa Juvenal Galeno, era o ponto de start da minha procura, as outras personagens fui conseguindo na sorte e muito trabalho”, detalha. “Os familiares da Alba Valdez foram por acaso porque vi que o nome da biblioteca da Casa Juvenal Galeno era de alguém da família dela, então, a partir daí fui traçando conexões até conseguir chegar em quem eu queria”, ilustra.
O familiar a quem Vasconcelos se refere é Mozart Monteiro, sobrinho de Alba Valdez,. Heloísa descobriu a ligação entre os dois por meio de matérias que eram publicadas na época sobre fatos da alta sociedade, como o nascimento de novos membros das famílias, casamentos, entre outros. “Perguntei para o Antônio Galeno, que geria o equipamento na época, se ele tinha o contato de algum familiar para chegar na Alba Valdez”, rememora a jornalista.
Um dos momentos marcantes durante o processo de apuração da obra foi a visita a família de Francisca Clotilde, que reside em Aracati. “Me transpareceu de uma forma autêntica o amor que elas (as bisnetas) tinham por alguém que sequer conheciam. Tinham tudo da Francisca Clotilde guardado lá, os diários e as edições de jornal que ela escrevia”, conta.
“Uma das bisnetas disse que se sentia neta, porque é como se sentissem mais próxima por causa dos escritos. Elas me receberam na casa delas com bolo, café, conversamos sobre a Francisca a tarde inteira, me mostraram o teatro que leva o nome da bisavó delas”, lembra Heloísa.
Entre a edição a ser lançada e a primeira escrita para a faculdade foram realizadas poucas mudanças. Além da revisão, a jornalista incluiu um epílogo escrito por ela mesma, em que fala sobre História do Jornalismo, contexto atualizando o período vivido pelas escritoras presentes no livro. Para o futuro, a autora espera poder escrever uma ficção. “Sempre quis publicar um livro, gosto de escrever desde que me entendo por gente, então espero que seja o primeiro de muitos, porém, não tenho nada concreto no momento”, afirma.
Lançamento "Ipomeias"