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A diversidade no Oscar e os desafios do cinema brasileiro
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A diversidade no Oscar e os desafios do cinema brasileiro

Para Fabio Rodrigues, a premiação já avançou muito em relação à diversificação das produções e profissionais indicados, mas ainda há muito o que progredir
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Fabio Rodrigues Filho está, desde 23 de agosto de 2022, à frente da curadoria e programação do Cinema do Dragão (Foto: Divulgação/Dragão do Mar)
Foto: Divulgação/Dragão do Mar Fabio Rodrigues Filho está, desde 23 de agosto de 2022, à frente da curadoria e programação do Cinema do Dragão

Marcada para o domingo, 10 de março, mais uma premiação do Oscar se aproxima e movimenta os cinemas brasileiros com público entusiasmado para acessar as produções contempladas neste ano. As indicações da academia costumeiramente levantam debates sobre diversidade e inclusão, o que vêm causando mudanças a cada ano. Para Fabio Rodrigues, curador da programação do Cinema do Dragão, o cenário já é positivo em relação a anos anteriores, mas ainda precisa de um olhar menos hegemônico.

O POVO - Como você avalia a diversificação dos filmes e personalidades indicadas pela academia neste ano? É um cenário positivo em relação a anos anteriores?

Fabio Rodrigues - Acho que tal diversidade - de fato celebrável e, penso, incontornável - é fruto de muita mobilização e pressão, o que fez com que progressivamente o Oscar fosse também dialogando com mais públicos. Se voltarmos o olhar para a história do Oscar, é muito recente a premiação e indicação de mulheres e, de forma geral, pessoas não-brancas, especialmente asiáticas e negras, em suas categorias. Não deixa de ser surpreendente que "Parasita", de Bong Joon-ho, tenha sido o primeiro filme em outra língua, que não o inglês, a vencer o prêmio de melhor filme - isto em 2019.

OP - Você julga que as indicações ainda representam um cinema hegemônico, que se concentra em produções estadunidenses de homens brancos e já consolidados no mercado?

Fabio - Os dados e as presenças de uma diversidade real são muito recentes, e creio que isso diz mais sobre o Oscar do que sobre esses cinemas, obras e profissionais. Podemos pensar campanhas e mobilizações para denunciar a predominância quase que exclusiva de produções e equipes brancas como parte da história do Oscar, isso inclui manifestações dos próprios convidados durante a cerimônia. Ou seja, tal diversificação tem a ver com uma mobilização intensa e constante, da classe mas também dos espectadores, alterações no próprio panorama do cinema mundial, questões políticas globais que ultrapassam e atravessam o cinema, mas certamente um chamado ético necessário a toda e qualquer continuação das instituições, e que estão nos filmes - mesmo dos grandes diretores que construíram a história do Oscar.

OP - Você acredita que houve uma pauta comum entre os filmes indicados? Uma premissa que possa ter feito "liga" entre os os filmes e influenciado as pessoas indicadas neste ano?

Fabio - Em alguma medida, isso me parece um tanto inevitável em qualquer seleção. Um método de escolha é também, sem dúvidas, a comparação e a busca por semelhanças e/ou contrastes entre obras. No entanto, a tirar pelos filmes que vi e que exibimos no Cinema do Dragão, todos tem uma diversidade de formas que impressiona. Se pensarmos na categoria Melhor filme, temos propostas estéticas radicalmente distintas: "Anatomia de Uma Queda", por exemplo, no modo como convoca o espectador àquele conflito, com um trabalho de som muito peculiar e, ao mesmo tempo, colocando em ebulição uma dúvida no meio daquela paisagem fria, é um trabalho muito contrastante a "Vidas Passadas", primeiro longa de Celine Song, que traz uma imagem do amor sensível e dolorosa - filmando os EUA de uma maneira, penso, diferente.

OP - Enquanto curador, quais você considera os maiores desafios em montar uma programação que seja diversificada e abrace diferentes temas, diretores etc?

Fabio - No caso de uma sala de cinema, estamos sempre negociando com condições comerciais, o que quer dizer que é um intenso diálogo para não blocar a programação com apenas um filme (mesmo que ele seja muito legal) e fazer da grade um ecossistema em que questões floresçam nas aproximações de filmes distintos, mas que também o espectador tenha real oportunidade de escolher e conhecer coisas novas, ter outras experiências estéticas e pensar singulares das obras, de modo a construir um gosto pessoal. Além disso, atender a uma demanda de uma programação diversa tende a provocar a uma perspectiva curatorial, digamos, unificada. No entanto, acho importante ressaltar que mesmo uma perspectiva curatorial deve se repensar e abrir-se ao diálogo, deve se provocar. No caso do Cinema do Dragão, trata-se de um cinema público, de qualidade técnica rara, com profissionais qualificados e comprometidos, e ingressos a preços verdadeiramente acessíveis. Na paisagem do território em que ele está inserido, ele precisa nutrir seu público cativo, mas também buscar diálogos com outros públicos. Precisar pensar os filmes, mas também o modo como avizinhamos filmes distintos. Nesse sentido, precisamos pensar nas vizinhanças físicas do cinema (bairros, territórios, comunidades), as redes de cinemas e distribuidoras parceiras, os profissionais do audiovisual e, ao tempo que afirmamos uma perspectiva curatorial e a defendemos, colocamos em diálogo para que ela se atualize e se faça conjuntamente.

OP- Sobre a não participação do Brasil no Oscar, a que você atribui a dificuldade de nos inserirmos na premiação?

Fabio - Creio que primeiro é preciso estar atento e não desprezar a pujança das produções cinematográficas brasileiras, em suas diferentes cinematografias. Sabemos que se por um lado não se pode, para o desenvolvimento do cinema nacional, desprezar disputas por premiações como o Oscar - esses fluxos internacionais, seja por festivais, circuitos e prêmios, é decisivo para que falemos do cinema nacional -, por outro lado elas não podem ser a régua também. As dificuldades são inúmeras, e vão desde a permanência e desenvolvimento de políticas públicas para o setor, mitigando as contínuas interrupções nos programas de fomento, como também a própria questão da distribuição. Ora, um dos requisitos para o filme ser candidato a uma vaga de representante do país é, justamente, ter sessões em horários nobre, de forma regular, em salas comerciais do país, além de ter circulado internacionalmente. Para isso, é necessário termos um circuito de exibição atento e implicado com o filme brasileiro, campanhas para que as pessoas vejam e discutam essa produção, mas também que os filmes possam ter condições, financeiras inclusive, de criarem suas campanhas para pautar o debate, para que os filmes saiam e voltem diferente, produzam pontes e diálogos dentro e fora do Brasil. Nesse sentido, a cota de tela para o filme brasileiro é uma reconquista, e tenho muito entusiasmo de estar junto de um cinema que está interessado em exibir, conversar e ser uma janela crítica e atenta. Mesmo neste momento, em que sem dúvidas o Oscar cria uma demanda grande de público para as salas de cinema, nós continuamos a exibir a produção nacional que está sendo lançada - como é o caso do filme "Levante", de Lillah Halla.

Carreira

Fabio Rodrigues Filho é crítico, curador, professor, cartazista e montador. Nascido em Feira de Santana, na Bahia, ele está desde agosto de 2022 à frente da curadoria e programação do Cinema do Dragão. Para além disso, o artista também é realizador de filmes como "Tudo Que é Apertado Rasga" (2019) e "Não vim no Mundo pra ser pedra" (2022).

Oscar 2024

Com filmes indicados em 23 categorias diferentes, que vão desde Melhor Atriz à Melhor Maquiagem e Penteados, a premiação do Oscar 2024 acontece no domingo, 10 de março, às 20h (horário de Brasília). A transmissão será feita na programação fechada do canal da TNT e no streaming Max (antiga HBO Max).

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