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Casas de shows diminuem em Fortaleza e estacionamentos viram opção para shows
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Casas de shows diminuem em Fortaleza e estacionamentos viram opção para shows

Espalhadas por todos os cantos, mas nem sempre lembradas quando se fala do cenário musical, casas de shows estão cada vez mais escassas em Fortaleza e abrem espaços para espetáculos nos estacionamentos
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O Siará Hall foi uma das casas de shows mais conhecidas de Fortaleza, chegando a receber atrações internacionais (Foto: Kléber A. Gonçalves, em 04/05/2012)
Foto: Kléber A. Gonçalves, em 04/05/2012 O Siará Hall foi uma das casas de shows mais conhecidas de Fortaleza, chegando a receber atrações internacionais

Fortaleza é uma capital repleta de diversidade, cultura, paisagens de tirar o fôlego e não podemos deixar de citar a música. Vamos do forró ao samba, funk, sertanejo, MPB, rock e o mais famoso entre os jovens da época atual, o trap.

E entre artistas, produtores, festivais, gravadoras, um dos elos mais importantes da cadeia musical são as casas de shows. Bem adaptadas, com boa estrutura, gigantes ou pequenas, são elas que recebem artistas no dia a dia, proporcionam o contato mais íntimo entre fã e ídolo, possuindo um importante papel enquanto formadoras de espaços significativos nas cidades.

Espalhadas por todos os cantos, mas nem sempre lembradas quando se fala do cenário musical, elas são fundamentais para a circulação da mais popular das artes. E é claro que cada geração tem os seus "points" favoritos.

O cenário musical de Fortaleza no fim dos anos 1990 e 2000 era repleto de locais para apresentações, sejam eles grandes ou pequenos. E atualmente a maioria desses espaços que fizeram história no mercado, já não existem mais e deram lugar para um grande vazio no mundo de espetáculos, de acordo com as fontes ouvidas pelo O POVO.

Isto ocorre em função de algumas características econômicas do negócio, como a estrutura de custos e a limitação de ganhos; da tendência dos consumidores em priorizarem espetáculos de artistas famosos em casas com grande dimensão ou em festivais.

E o que tem crescido exponencialmente e chamado atenção é o aumento de shows em estacionamentos, tanto em shoppings como em estádios de futebol. De espaço para receber carros a point ideal para grandes eventos, eles ganharam em visibilidade e importância ao longo dos últimos anos.

A exemplo disso temos o lançamento do Iguatemi Hall, que aconteceu no dia 20 de fevereiro. O novo espaço será uma casa de eventos em Fortaleza. O local está situado no shopping Iguatemi Bosque e será um lugar multifuncional destinado a shows, festas de formatura, casamentos e diversos eventos.

Com capacidade para 5 mil pessoas na área interna, o novo empreendimento conta ainda com uma área externa de 20 mil m², em frente a sua entrada principal, onde é possível realizar shows a céu aberto.

Fábio Júnior, Zeca Pagodinho, Ana Carolina, Samuel Rosa, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, Paula Toller, Jão, Ludmilla, ForFun e Lulu Santos e Natiruts com sua turnê de despedida já estão confirmados no local.

Mas o questionamento que fica é: Fortaleza ainda possui casas de shows ideais para apresentações de grande ou pequeno porte, que façam seus artistas se sentirem contemplados? O Vida&Arte conversou com alguns artistas e produtores a respeito do assunto e fez um raio x desses espaços.

Tem lugar para todo tipo de público?

As casas de shows desempenham um papel relevante no ecossistema musical e muitas delas são formadoras de público, bandas e profissionais, alimentando ciclos de cultura nos seus respectivos nichos.

O cantor, compositor e produtor cultural, Khalil Goch, conta que as apresentações em locais de Fortaleza dependem do artista em questão e pontua que o mercado musical é bem diversificado. "Eu acredito que para essa galera mais consagrada, como o pessoal do forró, existem sempre estruturas muito bem montadas. Mas para a galera alternativa, que não tem tanto público assim, a 'ralação' é bem maior, é bem grande. Fortaleza é muito carente nesse quesito de lugares estruturados", expõe.

E acrescenta: "Eu não acho que existe uma variedade de espaços. Fortaleza tem uma característica que é assim: de vez em quando abre um local para shows, depois fecha e depois abre um outro no mesmo lugar e assim vai".

Para apresentações pequenas, o produtor cultural afirma que a Capital não é o melhor lugar, pois existe uma carência de locais para abrigar um público mais íntimo. "Você tem em alguns locais pontuais, como o Cantinho do Frango, que é um local mais alternativo. São poucos bares e pequenas casas que se aventuram a fazer algo um pouco fora da curva e é bem menos do que deveria ter. E isso é um reflexo desse comportamento do público", reflete.

Goch opina que a falta de segurança no Centro da Cidade, onde estão localizados espaços culturais propícios para essas apresentações, ficam "sucateados" pela falta de segurança no entorno, fazendo com que o público se afaste. Ele cita o Theatro José de Alencar, Cineteatro São Luiz e Centro Cultural BNB.

"Esses espaços da cultura são sempre locais que não têm estacionamento ou que ficam localizados no Centro, onde é perigoso ir à noite. Os artistas mais alternativos estão sempre relegados a ocupar espaços da Cidade que estão meio abandonados. E que são lugares maravilhosos, porém, que não têm segurança", opina, acrescentando que isso faz com o público procure outros locais, como os eventos que acontecem em estacionamentos de shoppings.

Já para o produtor musical Denor Costa, atuante no mercado de cultura há quase 15 anos, a mudança de gerações e comportamentos do público dos últimos tempos é um dos vários fatores que influenciaram o fechamento e surgimento de espaços de shows em Fortaleza.

"As gerações mudam, os comportamentos também. O cenário musical sempre vai mudar e isso acompanha o cenário global, o cenário de como se consome música, o econômico e assim por diante. Para o empreendedor cultural, sempre será um desafio acompanhar o que a geração atual quer consumir e isso sempre será retrato da mudança constante de cenário", destaca.

"Casas de shows de agora farão falta daqui a 20 anos. Não podemos esquecer que esses locais também existem por que estão diretamente ligadas à produtoras que realizam um ano inteiro de eventos para os seus públicos", expõe o produtor.

Denor também sinaliza que mesmo que a Cidade seja uma grande produtora de bandas de forró, a cena hardcore teve sua vez e foi responsável por trazer grandes nomes do metal mundial para Fortaleza. "Inclusive o seguimento do metal talvez seja o estilo em que mais nomes de ponta tocaram por aqui. Isso graças a produtores, casas de shows que abrem suas portas para o estilo e o público que permanece fiel pagando um ingresso mais caro por entender que aquele valor de fato é para viabilizar essa circulação", revela.

Theatro José de Alencar, Cineteatro São Luiz, Centro de Eventos do Ceará, Marina Park, Estação das Artes, Dragão do Mar e Colosso são alguns dos espaços existentes para apresentações na Capital. Mesmo assim o mercado musical teve que se reinventar e espetáculos artísticos feitos em estacionamentos passaram a acontecer com frequência, fato que o produtor musical enxerga como positivo.

"Vejo de forma positiva a entrada desses locais no circuito dos grandes shows. A chegada de arenas em shoppings viabilizando diversos artistas que de fato não pisavam mais na Cidade, muitas vezes por falta de onde tocar. Público tem sempre, nossa cidade é uma metrópole que gosta de festa, o turista vem curtir as férias aqui onde moramos", conta.

A segurança que os espaços oferecem também é um dos fatores favoráveis para Denor. "Além de que, locais como os shoppings oferecem uma estrutura que remete ao conforto para o público. Tem estacionamento ou um local mais seguro para pegar uber, tem mais segurança, praça de alimentação, os horários são melhores, terminando mais cedo e isso é um fator fundamental para o sucesso desses locais em qualquer lugar", declara.

Impacto do forró nas casas de shows em Fortaleza

 

O forró se consolidou como um dos pólos da indústria da música brasileira nos últimos anos, gerando artistas, movimentando milhões de reais e grandes grupos empresariais que influenciam o mercado musical possuem contribuição com isso.

Esses grupos, em Fortaleza, junto com casas de shows, rádios, estúdios e tecnologia, fizeram com que o domínio do chamado “forró eletrônico” fosse quase absoluto na cidade.

Espaços como Kangalha, Forró no Sítio, Clube do Vaqueiro, Cantinho do Céu e Sitio Siqueira são apenas alguns locais que receberam grandes espetáculos, públicos, faziam parte dessa cooperação, ficaram marcados na história da cidade e que já não existem mais.

Andre Camurca, produtor musical e ex -proprietário de algumas dessas casas de shows na cidade explica como ocorreu isso.

"Funcionava como uma parceria de empreendedorismo, era uma engrenagem que tinha que funcionar, todo mundo tinha contas e funcionários para pagar. Cada uma teve seu momento e depois o forró ganhou o Brasil todo", esclarece, complementando que casas de shows possuem vida útil de cinco a seis anos, pois o mercado é complicado e que isso já virou algo cultural da cidade.

Ainda comparando ao cenário de anos atrás, Camurça destaca que não existe mais casa de shows que sejam responsáveis pela formação de artista, onde era preciso gravar CDs e fazer inúmeros shows para divulgá-los, fator importante para o sucesso dos locais.

"Hoje só temos que fazer a divulgação na internet, via streamers nas plataformas digitais,que são tantas. O único caminho que tem para um artista começar hoje é isso, e existem poucas oportunidades para quem está começando conseguir chegar nesses grandes eventos", revela, acrescentando que em Fortaleza existe poucas opções para grandes eventos e cita Marina Park, Colosso e Arena Castelão como alguns dos locais.

Ele também atribuiu o fechamento desses locais à Lei nº 13.711 de Poluição Sonora, que na época estabelecia limites de 55 decibéis para o período diurno, das 7h às 20h, e 50 decibéis para o período noturno, das 20h às 7h.

"Eu acho que até o ano de 2015 existiam muitas casas de shows aqui em Fortaleza e a extinção dela se deu devido a dois fatores bem preponderantes: a lei seca e a poluição sonora. A cidade ficou muito populosa, como uma grande metrópole, muita habitada e ficou inviável ter casa de show aberta por conta do som e da vizinhança", expõe.

A poluição sonora é um crime ambiental atestado pela Polícia do Meio Ambiente através do equipamento decibelímetro. Em geral, a infração é cometida, principalmente, em circunstâncias envolvendo festas ou eventos públicos com presença de som alto.

 

Novos usos

O professor Bruno Braga, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), aponta vantagens e desvantagens em aproveitar estacionamentos e estádios para a realização de eventos. Se, por um lado, é positivo mesclar usos distintos e garantir mais movimento nos espaços, por outro é preciso ter cuidado para não se criar lugares sem significado, dificultando a apropriação por parte do público.

"Outra questão a ser considerada é a importância que um lugar de lazer tem na construção de cidades mais inclusivas, democráticas e com mais espaços públicos. Ao se levar estes equipamentos para dentro de shoppings, assim como tem acontecido com vários outros tipos de lazer, acaba-se por reforçar a privatização do espaço de lazer, que, ao invés de contribuir para a construção de uma cidade melhor, acaba por se fechar para ela", esclarece.

Para ele, um dos problemas das casas de show é que elas acabam por ter um uso restrito em horário e função. Assim, ao longo do tempo, estes espaços podem se tornar obsoletos tanto pelas novas demandas, naturais do processo de evolução e transição das pessoas e da sociedade, quanto por passarem boa parte do dia sem uso.

"Como estes espaços demandam grandes áreas, seu entorno acaba por ficar mais inseguro. Uma forma possível para buscar maior segurança para as casas de show e seus entornos seria mesclar usos diversos para estas áreas, garantindo utilização e movimento em diferentes horários, além de permitir adaptações e apropriações que são necessárias a todo tipo de edificação ao longo do tempo", declara.

Fachada da casa de show Siara Hall
Fachada da casa de show Siara Hall

Antigas casas de shows

Relembre locais que fizeram sucesso em Fortaleza. Mas cuidado para não ficar muito nostálgico!

1. Siará Hall
A casa ficava na avenida Washington Soares e foi responsável por trazer grandes atrações. É o caso de Billy Paul, Chuck Berry, A-Ha e o grupo mexicano RBD. O local encerrou suas atividades em 2017.

2. Kangalha
A casa ficava localizada entre os bairros Messejana, Lagoa Redonda, Barroso e Cambeba, e recebia artistas de várias regiões. O nome ficou tão popular entre os forrozeiros que se espalhou entre outras casas de shows no Norte e Nordeste.

3. Clube do Vaqueiro
O Clube do Vaqueiro permaneceu aberto por quase quatro décadas. Referência dos eventos de vaquejada na região, teve seu auge entre os anos 1980 e 1990. O local ficava no Eusébio e foi fechado em 2018.

4.Gigantão da José Bastos
Era o local de encontro dos jovens que curtiam funk. Os responsáveis por disseminar os bailes funk em Fortaleza na década de 1990 era a Turma do Circuito, que fazia parte de um programa de rádio na época.

5.Casa do Engenho
Na avenida Bezerra de Menezes, a casa de show recebeu grandes nomes, como Chico Buarque. O ambiente rústico era um diferencial para o local que era um misto de casa de shows e restaurante.

6. Mucuripe Club
O Mucuripe Club funcionou em três espaços de Fortaleza e recebeu shows de artistas nacionais como Maria Rita, Ed Motta, Monobloco e Ney Matogrosso, e as prévias do Fortal. David Guetta e The Offspring também passaram pela casa.

7- Cantinho do Céu
Também no Eusébio, o Cantinho do Céu recebeu muitos artistas do forró brasileiro. Quando ainda era adolescente, Wesley Safadão era um dos artistas que tocava no local ao lado de sua antiga banda, Garota Safada. Além dele, as bandas Aviões do Forró e Saia Rodada também marcaram presença no local.

8- Cais Bar
As décadas de 1980 e 1990, em especial na Praia de Iracema, marcaram a juventude de Fortaleza. A região reunia os mais diversos estilos musicais, com destaque para o histórico Cais Bar. O lugar, singular do ponto de vista cultural de Fortaleza, e plural na sua essência, tinha seleção de músicas de artistas locais, nacionais e internacionais. Ele foi inaugurado em 1985 e seu cardápio era composto por frutos do mar, cerveja, além de reunir artistas experientes e jovens que desejavam apresentar seus trabalhos. Com o crescimento da prostituição e a falta de estrutura nos arredores, o bar fechou suas portas em 2003.

9- Forró no Sítio
Também no Eusébio, o Forró no Sítio era outro ponto de referência para artistas de forró no início dos anos 2000.

10- Sítio Siqueira
Aberto por quase 30 anos, a casa de show ficava localizada no bairro Siqueira e foi palco para grandes bandas de forró. Além das festas, recebia vaquejadas em meio à área urbana de Fortaleza.

11- Brisa do Lago
No Mondubim, o Brisa do Lago teve seu auge na década de 1990, mas continuou aberta pelos anos seguintes. O lugar foi cenário de apresentações de vários artistas diferentes, passando por Roberto Carlos, Sepultura, até as bandas de forró, Mastruz com Leite,Líbanos.

 

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