"Eu acredito ser uma profecia. Um termo que anuncia a corrosão do termo histórico, ‘cabra da peste’", anuncia Isadora Ravena, sobre o título de sua exposição.
“Trava da Peste: Linda Quanto Sol” é o nome da exposição idealizada pela artista, travesti, professora e crítica de arte, que estreia no Museu de Arte Contemporânea do Ceará, com a curadoria de Lucas Dilacerda.
Entre 9 de março e 28 de julho, a exposição de Isadora irá compor as obras do Museu cearense, carregando uma filosofia que contesta o binarismo do masculino e feminino. Sua produção carrega a perspectiva de que a transição de gênero não é sobre “se tornar homem ou mulher”, mas caminhar para outro caminho.
"A exposição convoca o esforço para sairmos dos binarismos, das dualidades que historicamente foram construídas e que se mostram como aprisionamentos", afirma a artista, que complementa: “O começo e o fim, ou o próprio binarismo homem e mulher. Os travestis não estão mais reféns desse binarismo, estão no processo de expansão e de constante retroalimentação e aprendizagem."
Isadora Ravena explica que o nome da exposição também relaciona a potência da beleza solar com a beleza travesti, entendendo como uma beleza natural, presente desde as primeiras civilizações.
"Linda quanto o sol é uma referência a essa força travesti não só na cultura nordestina, mas enquanto o componente essencial da beleza de qualquer paisagem, já que esses corpos, travestis, habitam a terra antes mesmo de serem nomeados assim", reforça.
Lucas Dilacerda, explica um pouco sobre o seu processo de curadoria da exposição, explicando sobre seu objetivo enquanto curador e sobre sua perspectiva acerca da temática e crítica filosófica levantada por Isadora.
“A exposição apresenta um recorte de 10 anos da produção artística de Isadora Ravena. A minha curadoria buscou apresentar essa trajetória errática que atravessa desde as discussões de gênero até as questões ecológicas. Encaramos a transição de gênero como a mutação da espécie humana,” afirma o curador.
Além disso, Lucas se desdobra sobre a força do trabalho da artista, enfatizando o impacto da mensagem que a sua arte carrega.
“Quando a gente olha esses 10 anos de produção artística de Isadora Ravena, podemos perceber que o que atravessa as suas diferentes criações é um desejo de corroer a carcaça do humano. Se hoje a nossa época padece de mudanças climáticas, crises ambientais e aquecimento global, é porque colocamos o humano no pedestal do planeta. Por isso, as obras derrubam as bases modernas e apontam para outras maneiras de habitar a terra” expressa Lucas.
Além disso, a exposição fará uma menção à vida e obra de Márcia Mendonça, artista trans cearense que, este ano, completa 75 anos desde seu nascimento. Sobre esta homenagem, Isadora fala sobre a importância da arte de Márcia, pintora conhecida pela beleza de suas artes sacras, presente em diversas igrejas do Ceará, do Brasil e do mundo.
"Márcia Mendonça, essa artista trans, do interior do Ceará, de Limoeiro do Norte. Essa trava da peste, assim como eu. A beleza das suas obras permanecem no anonimato ou permanecem sendo invisibilizadas. Pessoas trans não têm acesso a história e arte de Márcia Mendonça. Isso é negar o direito à própria construção de uma ancestralidade trans,” afirma a artista.
Finalizando a conversa com o Vida & Arte, Isadora Ravena faz um convite: “A exposição é um convite a pensar como o modo de existência humana está falido, e olhar como as resistências travestis têm proposto novas formas de vida, de criação de vida no planeta. Que as pessoas venham ver a exposição e discutam sobre os temas e abordagens que a exposição traz”, encerra.
Trava da Peste - Linda Quanto Sol