Logo O POVO+
O aumento das buscas por cosméticos e o medo de envelhecer
Vida & Arte

O aumento das buscas por cosméticos e o medo de envelhecer

Aumento das buscas precoces por cosméticos e procedimentos "anti-aging" ampliam discussões sobre o medo de envelhecer
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Busca precoce por cosméticos aumenta discussão sobre o medo de envelhecer (Foto: Drobot Dean/ Adobe Stock)
Foto: Drobot Dean/ Adobe Stock Busca precoce por cosméticos aumenta discussão sobre o medo de envelhecer

Nos últimos anos, foi possível perceber a popularização de cosméticos anti-envelhecimento no mercado, pois cada vez mais precocemente jovens fazem busca por esses produtos. Em redes sociais, como o TikTok, a rotina de skin-care (cuidados com a pele) passou a ser glamourizada com abundância de itens, mesmo entre adolescentes e crianças.

A consequência dessa nova tendência ganhou até um nome: geração anti-aging (anti-envelhecimento). Esse grupo nomeia geralmente a geração Z (nascidos entre meados da década de 1990 e o ano de 2010). A febre do anti-envelhecimento é refletida em quase 700 mil publicação com a hashtag #antiaging, que tem vídeos com mais de 10 milhões de visualizações em apenas um dos vídeos mais populares.

É ainda por meio das redes sociais que alguns procedimentos e produtos estéticos ganharam popularidade, como foi o caso do botox de prevenção, dos adesivos redutores de rugas, do peeling de fenol e do lifting. Além disso, vídeos virais na internet impulsionam ainda mais o medo de envelhecer, como os filtros "Time Travel", com 4,2 milhões de publicação, e do "Old But Crispy Baby" com 3,8 milhões; nos dois casos, o efeito promovido na própria imagem é de simulação do envelhecimento no próprio rosto. As reações ao visualizar-se com face envelhecida são quase sempre de espanto desproporcional.

Preocupar-se com rugas e com o envelhecimento da pele no geral não é novidade dos últimos anos. O que há de novo é a busca precoce por cosméticos antienvelhecimento, que, se não for acompanhado por um profissional, é extremamente perigoso. Conforme a dermatologista Helena Rios, desde a pandemia de Covid-19 houve um "boom" da busca por produtos do gênero entre adolescentes. Antes disso, o público que procurava retardar o amadurecimento da pele tinha idade próxima aos 30 anos.

"Não tem lógica. Isso é uma coisa totalmente anormal. Não vejo necessidade disso. Você tem que manter uma pele saudável, podendo até usar um protetor solar adequado para a faixa etária e para o tipo de pele. Isso sim é uma ação anti-idade: uma boa fotoproteção", argumenta.

Helena alerta ainda para a necessidade de um acompanhamento médico: "Isso não deve ser feito via internet ou por estímulo de influenciadores porque problemas podem aparecer, a pele pode ficar sensível, pode manchar e ter alergias".

A dermatologista relata ainda o aumento de casos de jovens que chegam em sua clínica com rotina de skin-care criada a partir de criadores de conteúdo. "Eles já chegam com exageros, comprando produtos que veem na farmácia já orientados pelas redes sociais", aponta.

Dentro desse contexto, alguns jovens influenciadores ganharam milhões de seguidores no TikTok mostrando sua rotina de cuidados com a pele. Como o caso de Liz Macêdo, que tem 14 anos e 4 milhões de seguidores; Antonela Braga, de 15 anos e 1,7 milhão de seguidores; e Sofia Schaadt, de 13 anos e 1,8 milhão de seguidores.

Em entrevista ao Vida&Arte, Sofia, que é de Santa Catarina, conta que já criava conteúdo para as redes sociais desde os seis anos para divulgar seu trabalho como modelo.

"Eu sou modelo desde os três anos e eu sempre estive nesse mundo (internet). Uma das coisas mais importantes para mim nesse meio é que eu sempre tratei como um trabalho e uma responsabilidade", conta a influenciadora.

Os vídeos mostrando sua rotina de skin-care, no entanto, tiveram início em setembro de 2023 quando ela e suas amigas decidiram participar da trend GRWM - "Get Ready With Me" ("Arrume-se Comigo", em português). Em vídeos dessa categoria, pessoas mostram seu processo de produzir-se para sair de casa.

O impacto do conteúdo foi o salto de 180 mil seguidores para os mais de 1,8 milhão de seguidores atualmente. Nos vídeos, Sofia mostra a preparação de sua pele e maquiagem que faz para ir para a escola. A riqueza de produtos chamou a atenção na rede social e gerou comparações com a rotina de cuidados dos jovens em épocas anteriores.

"Meu GRWM da minha época de escola era só passar um rímel no dia que o cabelo tava sujo para não repararem tanto" e "Meu GRWM para ir para a escola era dormir de uniforme para acordar dois minutos mais tarde" são comentários populares em um vídeo de Sofia que já ultrapassa 12 milhões de visualizações.

Além disso, dermatologistas com perfis no TikTok viralizam ao reagir aos vídeos de Sofia, julgando os produtos que a jovem usa como certo ou errado. Para a influenciadora, tais comentários não são negativos, mas sim "algo de muito aprendizado".

"Eu sempre procuro minha dermatologista para tudo porque eu acho que é algo muito importante e eu sei que ela conhece minha pele do jeito que ela é. (...) Os dermatologistas do TikTok podem falar dos meus vídeos no geral para abrir para várias pessoas entenderem. Eu sempre procuro ver o que as pessoas estão falando e sempre estou aberta para críticas construtivas que vão me ajudar", diz.

A influenciadora explica que, em todos os vídeos, ressalta a importância de procurar um dermatologista antes de tentar imitar seu skin-care, pois os produtos que ela usa são os indicados para a sua pele e podem não ser adequados para outras pessoas.

Com o sucesso de produções de conteúdo do gênero, Liz, Antonela e Sofia se tornaram referências para outras jovens também iniciarem rotinas de cuidados com a pele. Uma dessas pessoas é a fortalezense Alice Maia, de 12 anos, que procurou uma dermatologista quando sentiu vontade de iniciar rotinas de skin-care a partir do que consumia nas redes sociais.

Alice explica que sente a existência de uma pressão estética neste novo momento de busca precoce pelo skin-care em relação aos anos anteriores: "Eu acho que é por conta da internet porque a gente sempre vê meninas lá e a gente se compara, achando a pele delas bonita. Com isso, a gente vê o que elas fazem e tentamos fazer igual para ver se a gente consegue se sentir melhor consigo mesma, para tentar nos sentir bonitas que nem a menina (da internet)"

"Tem as meninas da internet que se preocupam (com o envelhecimento da pele), outras são pelo hobby e acabam fazendo as pessoas gostarem também", complementa.

A psicóloga clínica Luísa Freire, que atende jovens há 13 anos, explica que a adolescência é um período delicado por ser um momento da vida marcado pela necessidade de autoafirmação e construção de uma autoestima. Nesse sentido, as redes sociais não são totalmente determinantes, mas representam sim um grande meio de absorção de referências.

"A internet tem a capacidade de intensificar algo que já está ali e ela se combina com outros fatores sociais e culturais. [...] Mas quando a gente fala desse medo de envelhecer, temos que entender que isso é algo que antecede a própria internet, os filtros de internet… A gente tem uma sociedade que tem uma supervalorização da juventude. A gente quer morrer velho o mais jovem possível", explica.

Luisa menciona que em outras culturas o envelhecimento é visto de forma diferente do que no Brasil, onde existe a maior preocupação com a manutenção da juventude e do corpo jovem.

"Quando a gente tem os filtros que simulam o envelhecimento e isso impacta as pessoas, certamente isso intensifica esse receio. Ao mesmo tempo, em que os problemas são criados, existem as soluções, ainda que com ressalvas. Você fazer um skin-care ou usar um creme específico anti-aging não vai te impedir de envelhecer, esse processo de envelhecimento vai acontecer", diz.

Skincare

Segundo a dermatologista Helena Rios, a média de idade adequada para iniciar rotinas de skincare é aos 12 anos, mas não com a mesma quantidade de produtos de uma pessoa adulta. O ideal no começo da adolescência é preocupar-se com a higienização da pele devido às mudanças hormonais que afetam a pele nesta fase da vida.

"Uma boa higienização com um sabonete ideal para a face, um tônico para complementar a limpeza talvez. Se for hidratar a pele, sem exageros, pois nem sempre precisa nessa idade. O exagero é a pior coisa, é o que mais causa problemas", diz Helena.

A profissional prossegue: "Um exemplo de excesso é uma menina de 12 anos fazer uso de ácidos fortes e hidratantes pesados, sem necessidade. Não há motivo para prevenção de rugas nessa idade".

Sobre os prejuízos do excesso de produtos nessa idade, Helena alerta: "O risco principal é a alergia, uma dermatite de contato alérgica. Os adolescentes gostam muito de esfoliações, de máscaras. As alergias e as manchas vêm aparecendo muito como consequência disso. Até mesmo o protetor diário que eles tentam usar podem causar acne, então tem que ser visto com cuidado".

Autoimagem

A psicóloga Luisa Freire discute a questão da autoimagem no contexto das redes sociais e influenciadores digitais. "A parte que mais toca a questão da psicologia é sobre autoimagem, ou seja, é uma falta de aceitação da sua imagem muito intensa. Existem aqueles adolescentes que usam filtro na internet e têm dificuldade grande de se aceitar sem ele, por exemplo", pontua.

"Alguns desses conteúdos reforçam a insegurança porque eles partem do pressuposto de que eu tenho que fazer muitos esforços que melhoram a minha pele para que essa pele melhore ao ponto de talvez chegar a um ideal inexistente", argumenta.

A profissional cita o padrão de beleza coreano, que tem se popularizado nas redes sociais brasileiras como representação de pele ideal. "Muitas vezes, perfis coreanos aparecem para a gente, são pessoas sem poros e com pele perfeita… Temos que ter muito cuidado com os conteúdos que estão sendo consumidos e onde chegar com isso. A gente sabe que a adolescência é um período já muito marcado por uma necessidade de se afirmar, de construção de uma autoestima. Já é um momento muito vulnerável para assistir a conteúdos que talvez façam você querer padrões que nunca vai conseguir alcançar".

"Nesse momento a gente pode entender que todo o imperativo do autocuidado e dos rituais com a pele são uma linha tênue, o que pode gerar um prejuízo mental, uma obsessão por autocuidado que leva, na verdade, a uma falta de aceitação. Pode se tornar o desejo de chegar a uma pele irreal", prossegue.

Em um comparativo com sua geração, a psicóloga de 36 anos salienta que essas pressões estéticas sempre estiveram presentes na sociedade, mas as referências mudaram com o tempo. Se em sua época a aparência ideal era das mocinhas das novelas e das meninas populares de sua escola, hoje em dia há milhões de pessoas que influenciam esse sistema.

"Quando a gente fala de rede social, a gente tá falando de bilhões de contas. A internet é um mundo, não é mais só sobre a menina da escola ou do bairro, são milhões de contas que podem servir de padrões de autoimagem. Tudo na internet é muito mais amplificado, são números muito grandes", conclui.

O que você achou desse conteúdo?