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Produtores de grandes shows avaliam "saturação" do mercado musical
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Produtores de grandes shows avaliam "saturação" do mercado musical

Movimento de grandes shows Brasil afora provoca reflexões sobre sustentabilidade do modelo após cancelamentos de turnês de Ivete Sangalo e Ludmilla
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FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 28-04-2024: Para comemorar o Aniversário de 25 anos do Dragão do Mar recebe o show do músico Marcelo D2 e Essas Mulheres.  (Foto: Samuel Setubal) (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 28-04-2024: Para comemorar o Aniversário de 25 anos do Dragão do Mar recebe o show do músico Marcelo D2 e Essas Mulheres. (Foto: Samuel Setubal)

Ao anunciar à imprensa sua primeira turnê, o cantor Leo Santana desabafou sobre o atual cenário do mercado da música brasileira. Ele considerou "preocupante" e afirmou que está "difícil" vender ingresso. A fala do artista teve como contexto o cancelamento das turnês das cantoras Ludmilla e Ivete Sangalo na última semana.

A fala reflete as dificuldades enfrentadas por um mercado que se vê diante da alta incidência de eventos e de projetos cada vez mais "grandiosos", por assim dizer. Nos casos de Ludmilla, com "In The House", e Ivete, com "A Festa", foram duas turnês organizadas pela mesma produtora, a 30e.

Apesar de projetos semelhantes já terem dado certo, como a turnê "Encontro", dos Titãs, que lotou estádios, as duas iniciativas não seguiram adiante. Sem dúvidas, os custos são altos, mas não acompanham o poder de compra do público. A grande expectativa criada se equivaleu aos preços dos ingressos. Diante disso, como administrar a sustentabilidade do mercado depois do boom de shows após a pandemia?

Os principais custos envolvidos em turnês estão relacionados à logística (com aspectos como passagens aéreas e hospedagem), ao cachê e à equipe. Nesse caso, o mercado tem demandado "espetáculos maiores, mais rebuscados, com luz e DJ", e por isso é necessária uma equipe maior "para entregar o espetáculo à altura".

A análise é de Edu Porto, produtor e chefe comercial da agência Let's GIG, que atua na área de agenciamento de shows, produção artística e de eventos. No escopo da agência estão nomes como Luedji Luna, FBC, Banda Uó e Rico Dalasam.

Dentro do planejamento de uma turnê estão as cidades por onde o artista se apresentará. Segundo Edu Porto, a seleção dos municípios "depende de cada artista", mas há levantamento de dados para fazer estratégia "em cima do que o mercado tem de realidade e de quais são as expectativas do empresário, da produtora ou do artista".

Da mesma forma varia o valor necessário de investimento para uma turnê, afinal cada artista tem projeção e mercado diferentes. Para "começar a circular", porém, é necessário ter um material, seja ele um disco, um EP ou uma proposta de show, segundo Edu Porto. Há gastos com ensaios, gravação de discos e músicos envolvidos, por exemplo.

"Faz de conta que é um artista que tem cinco músicos que vão gravar no disco. Se cada músico cobrar quinhentos reais por faixa, estamos falando aí de R$ 2 mil por faixa Se o disco tem dez faixas, são R$ 25 miul só de músicos. Ainda tem outros investimentos, como assessoria, gestão de redes sociais, figurino, fazer foto, fazer vídeo, fazer toda a divulgação… É um investimento gigante", afirma.

Quais são os principais desafios na realização de shows atualmente? Segundo Edu Porto, há o ponto da necessidade de maior profissionalização do meio, ainda que o cenário tenha evoluído nos últimos anos. "Precisamos do olhar empático de todas as partes, tanto de quem vende shows como do artista, de quem contrata, dos festivais, das casas de shows, de todos os agentes dentro desse mercado. Acho que esse é o grande desafio desse mercado: como ser sustentável para todas as partes".

João Carlos Parente, produtor artístico e diretor da Arte Produções, elenca como um dos principais custos para produzir uma turnê pelo Brasil ações logísticas, devido às distâncias entre os estados e pelo fato de ser um "país continental". Levar equipamentos, materiais e pessoas, assim, demanda investimentos maiores. Por isso, é difícil estimar o preço para se construir uma turnê, pois cada artista tem suas particularidades - tanto de equipe, quanto de estrutura idealizada.

"Não há um preço específico, é algo subjetivo. Quando você constrói uma turnê, você vê o que o artista quer, o que ele precisa, o que ele está pensando, coloca no papel, faz planejamento e vê se tem a capacidade de colocar o público que ele deseja. Não pode chegar e dizer: 'Vou fazer o show para dez mil pessoas'. E se elas não forem? Então, é preciso ter ideia dessa construção, que é muito delicada", afirma.

Na avaliação de João Carlos Parente, dos shows nacionais que pesquisou ainda não viu "nenhuma distorção" no preço dos ingressos. Para ele, os valores estão "razoáveis", pois aumentaram bastante os custos, como mão de obra. "Se você fala em um show na Arena Castelão, por exemplo, você mobiliza de 800 a 1.000 pessoas trabalhando", indica.

João Carlos compreende que será necessária uma "reorganização" desse cenário de muitos shows, pois há excesso de eventos para o "mesmo" público, que ainda enfrenta problemas com o poder de compra reduzido. "Está todo mundo agora observando, entendendo como está o mercado. Precisamos falar sobre essas novas situações que estão surgindo, mas com esse olhar de que vai ser necessário melhorar. Vai ser preciso equalizar, ajustar as coisas. Acho que em 2025 talvez entremos em uma 'normalidade''", explica.

Há dúvida: o movimento de grandes turnês e shows pode afetar o funcionamento de shows de pequeno e médio porte? Para o produtor artístico, se os grandes shows pararem de acontecer nesse ritmo - até por questão de viabilidade - será possível retornar ao "aquecimento normal da segunda linha de espetáculos".

Além de aspectos econômicos, existem também as tendências musicais como desafios para manutenção do alto volume de shows de grande porte. De um lado, há artistas já consagrados como Caetano Veloso e Maria Bethânia entrando nesse movimento. De outro, há estilos como o samba em alta e artistas do gênero conseguindo movimentar grandes públicos. Ele chama a atenção, porém, para a necessidade de se abrir espaço para novos artistas.

Com mais de 40 anos de carreira, quais são os aprendizados da produção de shows? Acima de tudo, é preciso planejamento: "Tem que se preparar bem. Precisamos de mais pessoas no mercado produzindo atividades culturais, é bom, provocativo, mas é algo que requer planejamento. Lógico, você também tem que ter o sonho, não pode perder isso, mas também agir com o pé no chão".

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