A festa começou ainda no tapete vermelho quando o ator Iago Xavier puxou o primeiro passo de dança diante das câmeras, empolgando o próprio Karim Aïnouz que estava ao lado. Já nos créditos finais da sessão, quando a plateia já estava aplaudindo mesmo com as luzes desligadas, o ator tornou a empolgar Fábio Assunção que o acompanhou nos passos até a hora em que a exibição chegou ao fim.
Na noite desta quarta-feira, o Festival de Cannes projetou pela primeira vez imagens do Ceará. Já nos primeiros segundos vemos as ondas do mar para em seguida já conhecermos o protagonista que brinca com o irmão em meio às falésias – as torres de areia são, de repente, paredes de um labirinto. Naquele momento ainda não estava claro o símbolo dessa imagem, mas não demora muito para que o roteiro de Karim, Wislan Esmeraldo e Mauricio Zacharias abra o jogo de forma bastante enxuta: Heraldo precisa fugir e Dayana, mesmo que ainda nem saiba, precisa acolher.
A sessão não causou tanta reação da plateia, mas os clássicos longos aplausos de Cannes não faltaram a “Motel Destino” e a equipe ficou visivelmente emocionada, trocando beijos e abraços enquanto a aclamação não cessava. Thierry Frémaux, diretor geral do festival, também estava lá para acompanhar o momento.
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“Estou muito feliz em poder voltar a filmar no Brasil e fazer um filme que é sobre vida, alegria e que celebra a paz”, disse Aïnouz para encerrar a noite de estreia. É uma fala especialmente peculiar porque a trama é carregada de violência, seja em narração da memória ou em ato, repetindo algumas ideias para dar rumo ao “thriller sensual” onde desejo e ódio caminham lado a lado.
Para dar esse tom, Karim se aproveita das cores-neon tradicionais aos motéis para criar delírios e estilizar na própria realidade a tensão, o medo e o prazer, mesmo que essa gravidade nem sempre esteja em sintonia com o que estamos assistindo. É uma pena que personagens com forte surgimento permaneçam pouco em tela, como Isabela Catão e Jupyra Carvalho, o que faz a trama desafiar a lógica da sua dramaticidade ao tentar segurar toda a projeção com apenas três personagens que soltam entre si as mesmas faíscas.
Por aqui, as primeiras reações ao filme dizem respeito principalmente à sua carga erótica, elemento que sempre esteve presente na filmografia do diretor, mas que em “Motel Destino” ganha uma intensidade mais constante que dita os rumos do suspense, deixando com que o tesão seja como um motor muito difícil de desligar. Ao longo do filme, ouvimos quase sempre gemidos de prazer de algum casal que está hospedado em algum dos quartos, subtexto que parece ser uma oferta aos demais.
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Compromissado com o motel-título, o filme é enclausurado, sendo encenado quase que integralmente num único lugar, local que Heraldo precisa ficar para se esconder de uma perseguição. Então ele vai ficando até ser incorporado à rotina do estabelecimento pelo casal que o administra: Dayana e Elias, vividos com firmezas distintas por Nataly Rocha e Fabio Assunção.
Diante desses limites, “Motel Destino” me soa bem mais comportado do que parece, curiosamente, mas a obra e sua equipe deixaram uma marca memorável que Cannes pouco tem na sua história e muito menos nesta edição – a marca de um cinema latino-americano cuja sensualidade pode esquentar um pouco mais essa Riviera Francesa tão fria.