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Karim Aïnouz: "Não estamos em Cannes só porque o filme é bom"
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Karim Aïnouz: "Não estamos em Cannes só porque o filme é bom"

Em entrevista ao O POVO, cearense Karim Aïnouz reflete sobre a construção de "Motel Destino" a partir do erotismo presente na obra
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Cineasta cearense Karim Aïnouz estreou
Foto: Christophe Simon/AFP Cineasta cearense Karim Aïnouz estreou "Motel Destino" no Festival de Cannes

 

 

 

“O filme não foi escrito para ser na praia, ele foi escrito para ser no sertão”, nos contou Karim Aïnouz enquanto ao fundo o Mar Mediterrâneo da França preenchia nossa vista. Em entrevista exclusiva ao O POVO, o diretor cearense fala sobre a sensação de levar o mar caloroso de Beberibe para o mar intocável de frio da Riviera Francesa. Contou sobre o processo de preparação de elenco com Fábio Assunção, Nataly Rocha e Iago Xavier, das polêmicas ao redor das cenas de sexo que movem a eletricidade de seus filmes e até das dificuldades de se fotografar no sol do Ceará.

Acompanhe a coletiva sobre "Motel Destino" em Cannes

O POVO: Faz 60 anos que “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e “Vidas Secas” estrearam aqui em Cannes, na mesma competição que seu filme participa. Mas o nordeste brasileiro que está em “Motel Destino” é muito diferente daquele que se enraizou no imaginário mundial, aqui tendo como plano de fundo o mar, a brisa, as falésias... Tem uma áurea paradisíaca, mas no filme é motivo de grande tensão, especialmente nas cenas noturnas. Queria que você comentasse sobre como se chegou à escolha de ser essa a parte do Brasil, e como a ideia desse cenário contribui com o contexto da história mesmo que o filme seja tão enclausurado no motel.

Karim Aïnouz: O filme não foi escrito para ser na praia, ele foi escrito para ser no sertão. Mas eu acho que tem algo ali que me interessava na praia que é a tensão de estar perto do mar. A gente não ficar olhando para o mar como algo paradisíaco, como algo que só nos faça sonhar, mas como algo que nos aterrorize também. Então achei que era bonito a gente tentar inverter isso. A luz do Ceará me lembra muito a luz do sul da Califórnia e do norte do México, outra latitude, e a geografia tem umas coisas que são muito comuns. “Deus e o Diabo na Terra do Sol” é um western, pensando como gênero, e o filme do Nelson é um drama. Me interessava muito pensar como que podemos contar o Nordeste, aprender o Nordeste, aprender o sertão, através de algo que fosse mais tensionado, mas que não fosse tão épico.

O POVO: Seu filme anterior foi “Firebrand”, um filme britânico, e quando você finalmente volta a filmar no Ceará, você também volta para Cannes. Como é para você trazer o Ceará para Cannes?

Karim Ainouz: Eu fui criado sempre achando que o Ceará era um lugar que estava na margem do mundo. Não só no cinema, mas em tudo. Eu acho que é uma afirmação da cultura da gente, da potência que a gente tem no Ceará, e de um estado que tem continuidade nas políticas públicas como nenhum outro estado no Brasil. Então não é à toa que a gente está aqui. A gente não está aqui só porque o filme é bom. A gente está aqui porque o filme é bom também. A gente está aqui porque o filme foi feito por pessoas que foram treinadas, formadas, dentro de um processo de políticas e de formação no audiovisual que é um projeto visionário do Dragão do Mar, do Porto Iracema das Artes. O roteiro foi escrito há seis anos e tivemos um hiato de quatro anos no governo federal com esse terror do mandato anterior. As pessoas não sabiam onde era o Ceará nas entrevistas internacionais. Então é muito bonito que esse lugar passe a existir no mapa do mundo.

Longa-metragem "Motel Destino" estreou no Festival de Cannes, no último dia 22 de maio, com a presença do elenco e do diretor Karim Ainouz(Foto: Loic Venance/AFP)
Foto: Loic Venance/AFP Longa-metragem "Motel Destino" estreou no Festival de Cannes, no último dia 22 de maio, com a presença do elenco e do diretor Karim Ainouz

O POVO: Além de voltar ao Ceará, você também voltou a trabalhar com uma fotógrafa muito talentosa que é a francesa Hélène Louvart. Ela até tem trabalhos em histórias litorâneas, mas acho que nenhum deles se assemelha com a estética do “Motel Destino”, especialmente com a luz do Ceará que você tinha citado antes. Como foi fazer esse trabalho junto com a Hélène?

Karim Ainouz: Foi muito curioso porque ela nunca tinha filmado lá e a gente decidiu filmar em película porque as altas luzes não funcionam no digital. Eu saí uma hora para tomar um café e ela marcou a luz do Elias e do Heraldo na praia. Quando eu voltei estava tudo amarelo. Eu disse “Helene, a luz aqui não é amarela, é branca, que cega o olho, e o contraste é muito grande”. Para ela foi uma revelação porque a luz branca é uma luz fria, tem mais azul do que amarelo. Teve uma coisa muito bonita na nossa colaboração que foi o fato de como que ela conseguiu traduzir a luz da minha casa. É diferente da luz do Rio de Janeiro, de Belo Horizonte, é uma luz muito próxima da linha do Equador. É uma luz perpendicular, um lugar onde o sol está mais perto da Terra.

O POVO: Quando a gente pensa o sexo no cinema, existe uma discussão voltando à tona sobre um incômodo da audiência. Tem gente falando até em criar um botão nos streamings para pular as cenas de sexo, que seriam "desnecessárias" na maior parte dos casos. Não se pode falar isso de "Motel Destino" onde o sexo faz parte diretamente do grande conflito, assim como em outros de seus filmes. O que você acha sobre isso ainda ser uma discussão hoje?

Karim Aïnouz: Eu nunca vi ninguém perguntar para o Guy Ritchie como que ele filmou aquela cena que entra uma bala na cabeça de alguém. Quando é sobre morte está tudo bem, mas quando é sobre vida parece que é um problema. É um negócio perigoso ficar centrando a conversa sobre isso quando, na verdade... Há algo mais humano do que trepar? Não tem. É maravilhoso. É o que nos aproxima dos animais. Acho que nos torna uma coisa só, que é uma coisa muito potente na natureza. Há uma fantasia sexual que se tem sobre o Brasil, principalmente vindo da Europa, uma coisa colonial. Para mim é muito importante que a gente comece a ver isso não como tabu. É vida, pulsação de vida. Na hora que os personagens estão transando no filme acho que eles viram um corpo só.

Nataly Rocha, Karim Ainouz e  Iago Xavier na coletiva de estreia do filme "Motel Destino" no Festival de Cannes (Foto: Loic Venance/AFP)
Foto: Loic Venance/AFP Nataly Rocha, Karim Ainouz e  Iago Xavier na coletiva de estreia do filme "Motel Destino" no Festival de Cannes 

O POVO: Como foi trabalhar com protagonistas que possuem experiências muito diferentes? Fabio Assunção tem uma larga história de TV e Cinema, a Nataly Rocha faz teatro e filmes há um bom tempo também no Ceará, enquanto para o Iago Xavier é tudo muito novidade. No filme essas distâncias somem um pouco.

Karim Aïnouz: Eu vejo os atores como instrumentos de uma orquestra. Como se equaliza isso? Eu acho que o grande trabalho do diretor é saber escolher os atores porque, sem isso, não tem nada que torne bom. A gente trabalhou muito na preparação de elenco com a Silvia Lourenço. O Fábio aprendeu muito com a Nataly, e vice-versa, então acho que foi uma experiencia boa para todo mundo. Não é só executar, a gente tem que ter processo de aprender também.

 

Alguns dos principais filmes de Karim Aïnouz 

 


O jornalista Arthur Gadelha viajou a França para cobrir a 77ª edição do festival de Cinema de Cannes

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