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Esse é Sérvulo Esmeraldo: para abraçar o Cariri e expandir o mundo
Vida & Arte

Esse é Sérvulo Esmeraldo: para abraçar o Cariri e expandir o mundo

Nova mostra do Centro Cultural do Cariri demarca presença do multiartista Sérvulo Esmeraldo no Crato; obras mostram a ligação entre o menino inventivo e o escultor com reconhecimento internacional
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Multiartista Sérvulo Esmeraldo é homenageado em exposição no Centro Cultural do Cariri; cearense completaria 95 anos em 2024 (Foto: Gentil Barreira/Divulgação)
Foto: Gentil Barreira/Divulgação Multiartista Sérvulo Esmeraldo é homenageado em exposição no Centro Cultural do Cariri; cearense completaria 95 anos em 2024

Celeiro de arte e cultura, o Cariri cearense, esse alumbramento de território, ganhou há dois anos um espaço proporcional à feérica criatividade de seu povo. Localizado no Crato, o monumental Centro Cultural do Cariri, que tem no batismo o nome de Sérvulo Esmeraldo, é um contraponto feliz à Chapada do Araripe, relevo geográfico que emoldura a cidade.

À grandeza das edificações construídas, somam-se as áreas livres dos jardins com suas alamedas generosas, abertas e com algumas sombras, configurando um formato raro e muito bem-vindo no século XXI: um centro cultural-parque, plantado em plena zona urbana, a espreitar a curiosidade e o fascínio da população.

É neste lugar, portanto, que, no dia 24 de agosto de 2024, será aberta ao público, a exposição monográfica, "Esse é Sérvulo Esmeraldo", que reúne uma coletânea de 62 obras, entre esculturas, relevos, gravuras, desenhos, objetos, uma pintura e uma instalação do famoso artista da terra.

Compatível com a escala, o propósito e a abrangência da contribuição de Sérvulo Esmeraldo às artes plásticas, nos séculos XX e XXI, a identidade visual da mostra (criação de Guto Lacaz), traz o monograma desenhado pelo artista quando menino no Crato, inspirado na marca de ferrar a fogo do seu pai, Álvaro Esmeraldo.

A justaposição do S de Sérvulo e o E de Esmeraldo, também foi a inspiração para o título e o conceito da exposição: "esse é...", que o apresenta e o define. Esmeraldo e o seu apreço pelo discurso simples. "Para que complicar se você pode simplificar?", reiterava sempre.

Trocando em miúdos e trazendo para a esfera mais íntima, devo dizer que esta exposição é uma declaração de amor do artista para sua terra. Para o Crato que lhe mostrou a beleza das coisas exatas, que o despertou para o cheiro da tinta tipográfica nas oficinas do jornal "A Ação", que insuflou a sua imaginação de menino para as invenções colocadas em prática ao longo da vida. O conjunto de trabalhos exposto é um relato de uma vida dedicada a pensar a arte, a vivenciar o sentido da criação, a conviver com a arte.

Acompanhando a instalação de sua escultura "Pirâmides", hoje exposta na Encosta do Seminário, num instante de espanto com seu feito, ele falou que jamais poderia imaginar que um dia construiria uma pirâmide, por mais ambicioso que fosse o seu projeto de artista.

Fico imaginando agora o que ele pensaria vendo esta exposição ocupando os espaços de um centro cultural no Crato com esta proporção. E como se isto já não bastasse, veja seu nome: Centro Cultural do Cariri Sérvulo Esmeraldo. Agora todo mundo vai saber por quê.

*Texto de Dodora Guimarães Esmeraldo, curadora e presidente do Instituto Sérvulo Esmeraldo

A arte em laboratório vivo

O menino criado no Crato cresceu no mundo e, como numa linha que desafia o horizonte que o inspira desde a infância, retorna ao local onde tudo começou. O artista Sérvulo Esmeraldo (1929 - 2017) não chegou a conhecer o Centro Cultural do Cariri Sérvulo Esmeraldo, equipamento que completou dois anos em abril de 2024, mas ajudou a traçá-lo, ainda que não soubesse, com o próprio trabalho.

A instituição, erguida em 2022 no bairro Gizélia Pinheiro, recebe a primeira exposição do artista que a nomeia. A mostra "Esse É Sérvulo Esmeraldo" será inaugurada no dia 24 de agosto como um tributo ao Crato, mas é também uma expressão de amor em via dupla, na qual o sentimento ganha forma por meio de telas e esculturas.

Construído na década de 1940, o espaço está edificado numa área que já recebeu todos os tipos de visitantes. Inicialmente, foi o Seminário da Ordem da Sagrada Família e depois abrigou o Hospital Manoel de Abreu. Hoje, tem mais de 20.000 m² para debater e promover os fazeres artísticos dos 29 municípios da região do Cariri, entre espaços expositivos, anfiteatro, salas de aula e laboratórios.

O centro se projeta, nas palavras da diretora Rosely Nakagawa, como um "lugar de valorização do patrimônio natural e cultural". Neste contexto, o nome de Sérvulo surge como "patrono" do equipamento em uma relação que começa ainda em 2017.

"(Com) a ligação da obra 'Pirâmides', instalada como presente do artista para a cidade do Crato. Ao ser doado a um espaço público de onde nasceu, ela representa o ritual do retorno à terra natal e o reconhecimento da importância do território cultural de origem que o Crato representa em sua importante carreira, hoje reconhecida internacionalmente", explica.

Ela menciona que a estrutura é espelhada "na grandeza e abrangência" da obra de Sérvulo. O verde dos arredores conecta a história do filho de Zaira Cordeiro Esmeraldo e Álvaro Esmeraldo, que brincava de transformar a água, a terra e a luz em arte durante a infância.

A inspiração segue nos objetivos, que "foram desenhados de modo a entender os anseios da população que há muito requisitava a descentralização da cultura estadual", conforme elenca Rosely.

"(Com) a ligação da obra 'Pirâmides', instalada como presente do artista para a cidade do Crato. Ao ser doado a um espaço público de onde nasceu, ela representa o ritual do retorno à terra natal e o reconhecimento da importância do território cultural de origem que o Crato representa em sua importante carreira, hoje reconhecida internacionalmente", explica.

 

Com o título de quarto equipamento cultural implantado no interior do Estado, o Centro Cultural do Cariri recebeu cerca de 344.651 pessoas ao longo de 459 eventos culturais e educacionais realizados em 2023. Mesmo que em velocidade lenta, o número mostra um possível progresso na expansão das oportunidades culturais no Ceará.

"Possibilitando que a população, a classe artística, os mestres da tradição, artistas, estudantes, professores, pesquisadores, usufruam do patrimônio ao lado das manifestações contemporâneas que permanentemente se constroem, revendo as fronteiras históricas e culturais na contemporaneidade", acrescenta a diretora.

Receber, pela primeira vez, uma exposição daquele que titula o Centro é consolidar os vínculos entre o artista e o equipamento. Para a socióloga Kadma Marques, abranger as obras de Sérvulo institucionalmente também delimita as confluências entre Sérvulo a instituição cultural. Ela menciona que a pluralidade das ações do espaço alimentam "espírito inventivo, aberto à experimentação", o mesmo âmago formador do gravador cearense.


É por esta essência que ambos universos permanecem ligados "em diversas dimensões", desde modos mais sutis até os mais evidentes. Como pontua Kadma, a "pureza geométrica" das obras do escultor não se distancia das tradições populares, pois foram as cores e movimentos do Crato que compuseram o eixo que norteia o trabalho de Esmeraldo.

"Esse artista servirá de referência para as gerações presentes e futuras do público que passar por este equipamento cultural, que tiver sua sensibilidade afetada por esse lugar. Assumir o nome do artista para designar esse equipamento é sem dúvida uma forma de reconhecimento direto, mas as práticas artísticas que têm sido realizadas desde 2022 renovam e celebram a validade da trajetória realizada por Sérvulo Esmeraldo - do regional ao internacional", arremata.

Energia latente

Poesia publicada na exposição "Esmeraldo, Excitables, Sculptures", realizada em 1975 na Galerie Paul Bruck, em Luxemburgo, diz que Sérvulo é um brasileiro em Paris caminhando na luz à procura de imagens. Os versos em francês também transpassam a "constante pesquisa" que o artista fez dele mesmo.

O período mencionado é referente aos anos entre 1957 e 1978, quando o escultor viveu na França. Por lá, o cenário era de uma renovação no pensamento artístico. De acordo com o curador Max Perllingeiro, o país francês era o "centro das atenções dos artistas e intelectuais" à época.

O cotidiano nestas paisagens foi vivido ao lado de nomes como Lygia Clark (1920-1988), Sergio Camargo (1930-1990), Flavio Shiró (1928) Rossini Perez (1932-2020), Arthur Luiz Piza (1928-2017). Enquanto muitos deles se organizaram em coletivos, Sérvulo experimentou o diálogo - com demais artistas e técnicas -, sem perder a individualidade. Foi um período de extensa produção, no qual desenvolveu os famosos trabalhos cinéticos.

"Dentre as suas inúmeras criações geniais estão os 'Excitáveis'. A partir de 1964, inicia suas pesquisas sobre os “Excitáveis”. Uma série de objetos interativos, construídos pelo artista em caixas de plexiglas ou madeira, onde pequenas formas se movimentam por meio de eletricidade estática (eletrostática), produzida pelo observador ao friccionar a superfície do objeto", pontua.

A experiência internacional foi importante para que ele pudesse ser alguém que é, ao mesmo tempo, pintor, escultor, artista gráfico, gravador, designer de joias. A troca entre as nacionalidades e vivências mostraram o quão multifacetado um artista pode ser. É com essa característica, inclusive, que os críticos e curadores Nicolas Beurrent e Emmanuel Bailly o introduziram na galeria Artcurial, na Suiça.

"Desde suas primeiras pinturas até os Excitáveis, percebe-se uma continuidade em toda a sua obra, e é evidente que seu desenvolvimento é resultado de uma lógica cada vez mais profunda", continua texto que compõe o catálogo da galeria de arte, escrito no ano de 2016.

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Com Sérvulo ainda vivo, o documento mostra que a presença do artista no país estrangeiro é longa e persiste desde sua residência na França. "Esperamos que os visitantes desfrutem, assim como nós, de uma obra que reflete o caráter de seu criador: inventivo, original e livre de pretensão", finaliza o escrito.

O trabalho de Sérvulo segue as mudanças nas artes brasileiras e vai além com as inovações que passaram por galeiras na França, Suíça, Colômbia, Estados Unidos e Portugal - em exibições públicas e privadas. Em uma destas mostras, realizada na Galeria Denise René, em Paris, o artista citou a metamorfose por trás do trabalho artístico.

“Hoje ainda, quando dou forma, ou transformo um pedaço de metal, ou qualquer outra matéria, não posso evitar pensar nas forças invisíveis que, por minha intervenção, foram, de uma maneira ou outra, alteradas". As palavras, rememoradas e reconstruídas por Max, também classificam "Excitáveis" como "a energia latente" dos fluidos imponderáveis que mais interessam o artista.

 Sérvulo pelo horizonte

Ao longo da carreira, Sérvulo Esmeraldo participou de mais de 160 exposições. As mostras internacionais individuais envolvem países como França, Suíça e Colômbia. Confira:

  • Galerie Le Fanal, Paris - França (1961)
  • Galerie Maurice Bridel, Lausanne - Suíça (1961)
  • Galerie La Hune, Paris - França (1961)
  • Galerie Maurice Bridel, Lausanne - Suíça (1963)
  • Galleria II Canale, Veneza - Itália (1964)
  • Galleria Ítalo-Brasiliana, Milão - Itália (1966)
  • Galeria A Gravura, Lisboa - Portugal (1966)
  • Galerie Nouvelle Gravure, Paris - França (1966)
  • Festival de Viana do Castelo, Viana do Castelo - Portugal (1966)
  • Galerie Maurice Bridel, Lausanne - Suíça (1968)
  • Galerie 32, Lyon - França (1971)
  • Galerie La Pierre de Lune, Canet-Plage - França (1971)
  • White Gallery, Lutry, Lausanne - Suíça (1971)
  • Galerie La Pochade, Paris - França (1971)
  • Galerie Sanguine, Collioure - França (1974)
  • White Gallery, Lutry, Lausanne - Suíça (1975)
  • Centro Venezolano de Cultura, Bogotá - Colômbia (1979)
  • Sicardi Gallery, Texas, Houston - Estados Unidos (2010)
  • Maison Européenne de la Photographie, Paris - França (2010)
  • Beurret & Bailly Auktionen, Basel - Suíça (2015)
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