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Como a arte melhora a autoimagem e autoestima de pessoas com deficiência?
Vida & Arte

Como a arte melhora a autoimagem e autoestima de pessoas com deficiência?

No consumo ou na produção, pessoas com deficiência apostam na arte como forma de ressaltar suas identidades, ainda que encarem desafios
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Aos 29 anos, Norton Lima é artista visual e fruidor de diferentes linguagens culturais (Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA Aos 29 anos, Norton Lima é artista visual e fruidor de diferentes linguagens culturais

Norton Lima lembra bem de como começou sua relação com a arte e com a cultura. Ele ainda era pequeno e estudava na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) em Fortaleza. Enquanto artista plástico, suas referências passeiam pelo que seus olhos atentamente observam, como paisagens, elementos da natureza e as belezas do dia a dia.

"Faço pinturas do que vem na minha cabeça. Gosto de pintar paisagens, o sol, serras, rios e também vendo as obras", exemplifica. Hoje com 29 anos, Norton sempre admirou tudo relacionado a artes plásticas, música e dança. Diagnosticado com Síndrome de Down, ele encontra na cultura uma forma de expressar sua identidade.

Seja como fruidor ou agindo na produção - não só como pintor, mas também como dançarino -, Norton não é o único a perceber a importância do contato com a arte. Como afirma Cristina Silva, especialista em Arteterapia, no artigo "A Contribuição da Arteterapia para a Deficiência Física", a "arte dá suporte ao indivíduo, atingindo seus aspectos físicos, psicológicos e sociais".

Segundo a pesquisadora, a arte ajuda diretamente na "melhora da autoimagem e da autoestima", fazendo o indivíduo se sentir capaz de realizar diferentes tarefas. Sim, o artigo foca na deficiência física, mas é possível estender esses efeitos da arte para outros tipos de deficiência. Fundamental, então, garantir o acesso pleno à cultura, sem amarras e barreiras.

Norton participa de exposições, como a Mostra Ceará de Turismo e Cultura, realizada no shopping Iguatemi Bosque em junho. Hoje, ele trabalha no memorial da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) e recepciona alunos de escolas que visitam o ambiente, mostrando a eles os espaços da casa.

Frequentador de shows e outros eventos culturais, Norton lembra da relevância da meia entrada para pessoas com deficiência. Ele, aliás, compreende que deveria ser de graça para quem não tem condições de pagar ingressos.

Entretanto, o cearense também aponta situações que acabam ocorrendo em shows que dificultam a acessibilidade, como falta de áreas adequadas para pessoas com deficiência e distância para o palco. Houve um caso em que Norton foi impedido de entrar na área para pessoas com deficiência porque, segundo orientação recebida pelo segurança, só era para deixar entrar quem usasse cadeira de rodas.

Maurício Lima, pai de Norton, lembra bem da situação, que acarretou uma representação junto ao Ministério Público. Advogado, ele também é vice-presidente da Comissão de Defesa das Pessoas com Deficiência da OAB/CE. Além de ressaltar a necessidade de preparação adequada de prestadores de serviço para atenderem às pessoas com deficiência, defende a importância do apoio familiar para o seu melhor desenvolvimento e o exercício da cidadania plena.

"Muitas famílias não usam os espaços culturais por medo de não terem apoio necessário no local do evento. Isso tira muitas pessoas desses eventos", enfatiza. Maurício também destaca que deve ser cumprido o que diz a Constituição e o Estatuto da Pessoa com Deficiência sobre os seus direitos de acesso à cultura e ao lazer.

Se, para Norton Lima, a possibilidade de pagar meia entrada é uma boa alternativa, para Jordenia Custódio, 57, não é diferente. A bancária encara essa ferramenta como um bom "tipo de acessibilidade", pois muitos não têm condições de comprar ingressos por valores de inteira.

Jordenia teve a perna amputada após sofrer um acidente de trânsito com 11 anos. Uma pessoa estava bêbada e a atingiu ao subir a calçada com o veículo. Ela ressalta o apoio da família em sua trajetória e destaca seus diferentes trabalhos, com passagens pela Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor).

Amante da fotografia, Jordenia também é atleta de canoagem e ama "tudo o que se refere à arte". "A arte, para mim, é vida. Amo ir ao cinema, a shows e fazer a minha própria arte, que é fotografar. A importância da cultura e a arte na minha vida é aprender, estudar, amar a vida e sonhar", declara.

Para a bancária, os principais desafios enfrentados por pessoas com deficiência para acessar eventos culturais envolvem dificuldades de recursos como Libras, audiodescrição, ampliador de textos, educação das pessoas e elevadores - o que, nesse caso, implica na infraestrutura.

As dificuldades de acesso se estendem também a questões estruturais para quem tem deficiência física. Hugo Feitosa, 41, relata desafios como "falta de elevadores, rampas de acesso e lugares adaptados para assistir aos eventos". Há 16 anos, sofreu um acidente enquanto trabalhava.

Ele acabou se desequilibrando ao carregar um fardo de farinha e, ao cair sentado, fraturou as vértebras C4 e C5. Devido a esse acidente, Hugo ficou tetraplégico (ou seja, perdeu os movimentos do tronco, pernas e braços).

"Minha relação com a arte, infelizmente, ainda é pouca, pois há muitos eventos, mas nem todos são acessíveis. Os que vou são de aprendizados e diversão. Já fui para exposição de fotos, teatro, cinema, shows, mas participei ultimamente de rodas de conversas sobre educação e acessibilidade", relembra.

Hugo Feitosa não titubeia ao afirmar a relevância da arte e da cultura em sua vida: "Tem grande importância de aprendizados como pessoa e como cidadão. Muitas vezes nos ajudam a melhorar nossos pensamentos para podermos enfrentar nossos obstáculos".

A arte e a cultura também têm grande importância na vida de Denis Júnior, 24. Estudante de Publicidade e Propaganda na Universidade Federal do Ceará (UFC), ele não hesita em enfatizar sua criatividade e reforçar seu lado artístico. O jovem mantém no Instagram o perfil "Diário de um Deficiente", no qual publica poesias e conteúdos sobre moda.

Denis tem paralisia cerebral e mora na região do Grande Mucuripe, em Fortaleza. Como destaca, sua relação com a arte é grande, especialmente devido ao seu curso — que exige, naturalmente, uma maior imersão artística. "A gente tem que saber um pouco de tudo, porque nossa área de atuação é muito ampla", explica.

O estudante revela que o tipo de evento cultural que mais frequenta é o cinema, mas admite que não vai com a assiduidade que desejava devido à dificuldade com locomoção. Segundo Denis, sua mãe - quem dava mais suporte a ele e ia com ele para todos os lugares - teve problemas de saúde em 2023 e ficou com sequelas.

Com isso, o jovem afirma que está descobrindo agora "as responsabilidades de um homem adulto", pois precisa ser mais independente. "Acho que durante toda a minha vida, principalmente na adolescência, eu fui muito abdicado de sair para os lugares. Eu mesmo não me dava acessibilidade, porque tinha muita vergonha. A adolescência é uma fase muito difícil, ainda mais pra uma pessoa que tem paralisia", recorda.

Ele complementa: "Eu deixava de sair para muitos lugares por vergonha, porque as pessoas ficariam olhando para mim, meu jeito de andar, minha voz… Minha adolescência foi muito complicada. Hoje, não. Tenho muito orgulho do homem que me tornei. Da pessoa consciente que me tornei, de poder lutar por direitos".

Para Denis, os principais desafios de acessibilidade cultural são os preços e a locomoção. Apesar de haver eventos gratuitos, muitas programações não são, e por isso sente dificuldades por ser de classe baixa. Ele percebe que faltam mais oportunidades de lazer e acesso à cultura em sua região.

Assim, entra o problema da locomoção: "Acho que deveria ter transportes para levar pessoas com deficiência para esses eventos. Uma van, um ônibus específico, que ficasse em determinados pontos da cidade. Ou, então, ter mais eventos culturais nos bairros".

Denis ressalta o carinho que tem pela região onde mora e reflete sobre a importância de conhecer a cultura de cada bairro: "Acho que todo mundo faz parte de uma cultura. Eu me sinto parte da cultura de Fortaleza". (Miguel Araujo)

 

Vanessa de Assis é intérprete de Libras na banda de Berg Menezes
Vanessa de Assis é intérprete de Libras na banda de Berg Menezes

O protagonismo musical em Libras

Em uma das últimas edições do Carnaval de Fortaleza, Vanessa de Assis foi escalada para trabalhar como intérprete de Libras na programação musical do evento. Ela acompanhava as atrações até que, quando se preparava para trabalhar no show seguinte, ouviu que não seria necessária sua participação, pois o artista já tinha seu próprio intérprete na banda.

O artista, no caso, era Berg Menezes, cantor e compositor com quase duas décadas de carreira e que desde 2019 destaca o tema da acessibilidade em seus shows. Em vez de "apenas" aparecer no palco, o intérprete faz parte da banda, planejando as apresentações e acompanhando os ensaios como os demais integrantes.

Para Vanessa, aquilo era uma novidade, pois estava acostumada a ver intérpretes "num cantinho separado" e com um "visual diferente" da banda. Nessa "nova" situação, o intérprete interagia, se movimentava, circulava pelo palco. "Fiquei muito impactada", confessa. Alguns meses depois, foi convidada a acompanhá-lo em uma turnê que passaria por cidades como Quixeramobim, Natal, João Pessoa e Fortaleza.

"O show já estava todo estruturado. Eu entrei com o 'carro em movimento', digamos assim. Ele me mandou as traduções do antigo intérprete e eu mantive essas traduções inicialmente. Hoje, eu faço adaptações, coloco um pouco da Vanessa. Conheci o trabalho dele e entendi como era, de fato, a dinâmica. Eu nunca havia passado por isso. Era sempre ali, no cantinho, usando preto", recorda.

Esse é um dos exemplos nos quais a acessibilidade estética é posta em prática. A Libras, portanto, tem protagonismo no trabalho de Berg Menezes. Segundo Vanessa, porém, é raro encontrar artistas com essa preocupação, visto que, mesmo a presença de intérpretes em eventos públicos sendo exigida por lei, são poucos que a cumprem.

Hoje, é integrante fixa da banda de Berg Menezes. Ela não "repassa" somente as mensagens: a intérprete e cantora participa de todo o processo. Vanessa de Assis começou a estudar Libras em 2013 e é formada em Geografia. Ela também trabalha como intérprete no Centro Cultural do Bom Jardim (CCBJ) e na UFC, além de fazer tradução em eventos.

Ela compartilha as suas observações sobre os ganhos dessa presença: "Tem pessoas que acham que a música não é para os surdos, mas é, sim. Eles gostam, participam e deixam de ir a eventos porque muitas vezes não têm acessibilidade. Às vezes não tem nem uma pessoa para dar informação, quanto mais para fazer um show para eles".

A intérprete afirma que recebe muitas mensagens de pessoas surdas questionando, por exemplo, informações básicas sobre shows que acontecerão em Fortaleza, como se terá área de acessibilidade. "Se isso (a divulgação de informações) virar uma constante, eles vão ocupar esses lugares. É direito deles. Sendo surdo ou não, temos que estar lá para que se sintam seguros e tenham vontade de ir a qualquer lugar em qualquer hora", destaca.

FORTALEZA, CEARÁ,  BRASIL- 19.10.2024:  acessibilidade na arte e na cultura. Um dos aspectos que iremos abordar são as sessões de cinema adaptadas para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), North Shopping Jóquei. (Foto: Aurélio Alves/O POVO)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL- 19.10.2024: acessibilidade na arte e na cultura. Um dos aspectos que iremos abordar são as sessões de cinema adaptadas para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), North Shopping Jóquei. (Foto: Aurélio Alves/O POVO)

Sessões adaptadas

Quando se fala em consumo de cultura e de arte, um público importante é o formado por pessoas neurodivergentes. A cada mês, algumas das redes de cinemas de Fortaleza promovem sessões adaptadas para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e outras necessidades sensoriais.

Nessas programações, movimentos são feitos para o ambiente ficar mais confortável aos espectadores. O volume do áudio dos filmes, por exemplo, é mais baixo, para evitar desconforto ou sobrecarga sensorial. As luzes são parcialmente acesas, para diminuir a ansiedade e criar sensação de segurança.

Além disso, os espectadores podem se levantar, se movimentar pela sala e fazer barulho sem restrições e não são exibidos trailers comerciais.

A técnica de enfermagem Aline Viana, 35, descobriu as sessões adaptadas em redes sociais: "Lembro que estava no trabalho e, quando saí, corri para garantir o ingresso do meu filho, que é autista".

"Ele amou e eu, como mãe, amei ainda mais. Ver meu filho ali, mesmo com sua sensibilidade auditiva, assistindo ao filme… Foi linda e emocionante a iniciativa do projeto. Um ambiente livre, respeitando o limite das crianças", acrescenta.

Aline pontua a luta diária por uma maior acessibilidade à arte e para que "nenhuma criança seja excluída por suas limitações". "É um trabalho de formiguinha e ninguém muda o mundo sozinho, mas que bom que já existe muita gente engajada nessa luta", afirma.

De modo geral, os filmes são obras direcionados ao público infantil e familiar. Em novembro de 2022, foi aprovado pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL 133/2019), que assegura o acesso com TEA a salas de cinema e a realização obrigatória de sessões adaptadas.

Apesar da proposta tornar obrigatório o oferecimento de 2% das sessões em formato adaptado, a medida ainda não virou lei oficializada. Isso não impede, entretanto, que redes promovam a programação. No dia 19, cinemas do North Shopping Jóquei e RioMar realizaram sessão adaptada do filme infantil "Robô Selvagem".

Mesmo sem diagnóstico de TEA, a estudante de psicologia Iohana Maia, 23, compareceu à sessão. "Falamos muito sobre acessibilidade no contexto de mobilidade física, mas pouco se pensa na adaptação ao contexto cultural".

A fisioterapeuta Erika Marques assistiu à sessão com sua família e destaca a importância de "mais empatia da sociedade" com quem tem essa demanda: "Acho super válido. Sou fisioterapeuta pediátrica e tenho muitos pacientes com essa demanda de adaptação para ser mais incluído na sociedade. Gostei de ter essa experiência para conhecer e falar a respeito para meus pacientes".

Ações no Ceará

1Segundo a Secretaria da Cultura do Ceará (Secult-CE), foram investidos mais de R$ 5,7 milhões na Política de Acessibilidade entre 2023 e 2024, impactando mais de nove mil iniciativas, como chamadas para ocupações culturais, ações de acessibilidade, projetos anticapacitistas, programações acessíveis e contratação de tradutores intérpretes de Libras para os equipamentos.

2 As iniciativas de acessibilidade também incluíram editais em PDF acessível ou com acessibilidade completa (em linguagem simples, Libras e PDF acessível).

3 Quanto à Secretaria Municipal da Cultura (Secultfor), a pasta afirma que os seus equipamentos, incluindo a sede, estão equipados com rampas de acesso, banheiros adaptados e elevadores, e que todo novo projeto de construção/reforma/revitalização contempla acessibilidade física. A secretaria também aponta que o projeto de reforma do Teatro Antonieta Noronha inclui implementação de acessibilidade universal. A pasta ressalta que as bibliotecas municipais oferecem livros e painéis em Libras, bem como a Biblioteca Dolor Barreira conta com setor de braille, no qual um funcionário com deficiência visual auxilia visitante e ministra oficinas.

4 De acordo com a Secultfor, seus editais exigem que os agentes culturais incluam ações de acessibilidade em seus projetos.

"Muito ainda precisa ser feito"

Historicamente nós, pessoas com deficiência, sempre tivemos muita dificuldade para ter acesso à cultura. Quando criança, em visitas a museus, a palavra de ordem era "não pode tocar". E eu, que sou cego, achava aquelas viagens entediantes.

Atualmente, diversos espaços culturais começam a implementar políticas para garantir acessibilidade de suas obras e espetáculos para pessoas com deficiência. No entanto, mesmo diante de inúmeros avanços, é inegável que muito ainda precisa ser feito.

Audiodescrição, piso tátil, textos em braile e em versão ampliada, janela ou intérprete de Libras são alguns exemplos de recursos que podem ser implementados. No entanto, a acessibilidade é bem mais que isso.

É necessário preparar a equipe, sobretudo de seguranças e recepcionistas, é preciso já pensar na obra de forma acessível. E, sobretudo, é fundamental que pessoas com deficiência sejam contratadas por esses equipamentos para que participem desses projetos.

Eu, enquanto pessoa com deficiência, gostaria de ter mais acesso a equipamentos culturais. No entanto, a falta de acessibilidade, a falta de preparo das equipes e o horário, muitas vezes tardios dos eventos, acaba fazendo com que eu frequente muito menos esses espaços.

Dia desses, por exemplo, eu e um casal de amigos fomos a uma apresentação musical. Na saída, o celular de meu amigo quase foi roubado. Por sorte, um segurança viu e conseguiu interromper o roubo.

Mesmo assim, tivemos muita dificuldade para que o segurança nos colocasse dentro do carro de aplicativo para irmos para casa. É nesse sentido que falo da necessidade das equipes passarem por formações constantes para estarem preparadas para nos receber.

Outro ponto que precisa ser observado é a necessidade de se não todas, mas pelo menos a maioria das sessões estarem com acessibilidade, pois é comum que, em alguns locais, os gestores disponibilizem um horário "X", prejudicando quem não pode ir naquele momento.

"Precisamos de uma reparação histórica"

Desde jovem, fui um apaixonado pela Sétima Arte. Gostava muito de consumir filmes, séries e desenhos animados. Eu tinha 8 anos quando tive o primeiro contato com uma sala de cinema: aquela experiência mudou completamente a minha vida. Foi como se eu tivesse finalmente preenchido uma parte que estava faltando na minha vida. Foi quase um encontro simbiótico, em que eu naquele ambiente pude ter sensações que jamais havia passado anteriormente.

Até que aos 12 anos, eu perdi a visão por causas desconhecidas até os dias atuais. Naquele momento, eu achava que nunca mais poderia ter a experiência por completo de assistir a um filme. Foi então que eu entrei na reabilitação em Braille na Escola de Ensino Fundamental Instituto dos Cegos, localizada no bairro Antônio Bezerra. E em um determinado dia, eu fui com os colegas de reabilitação assistir a um filme na biblioteca da escola. Foi dessa forma que conheci a audiodescrição.

No entanto, a realidade foi um tanto mais complexa. Pois não era o suficiente existir o recurso da audiodescrição para que as pessoas com deficiência visual passassem a ser incluídas no contexto das artes audiovisuais. Era necessário que esse recurso se tornasse uma política pública.

Assim, passei muitos anos desde a perda da minha visão. Até que somente em 2023, após muitas lutas para que os filmes viessem com o recurso com audiodescrição e Libras, no caso das pessoas com deficiência auditiva, que as salas passaram a vir com os recursos de acessibilidade para as pessoas com deficiência. A novidade consistiu em aplicativos em que a pessoa com deficiência visual ou auditiva poderia baixá-los do próprio celular e depois fazer o download dos recursos de acessibilidade para os filmes que essas pessoas iriam assistir.

Eu posso dizer que, de 2023 para os dias atuais, a minha vida mudou da água para o vinho. Primeiro, que eu passei a assistir muito mais filmes, como jamais tinha feito nesses 15 anos que fiquei cego. Segundo, que a minha independência melhorou 100% com essa "novidade".

Agora, eu sou livre para ir ao cinema quando quero. Se tiver companhia, é claro que ela será sempre bem-vinda. Caso contrário, se eu quiser, posso ir sozinho e só preciso do meu celular e fone de ouvido para apreciar um bom filme… Ou não, né? Risos!

Acho que o grande problema hoje em dia é o que fazer com os anos que nós, pessoas com deficiência, ficamos sem acessibilidade nas artes. É maravilhoso saber que conquistamos um direito que foi muito dolorido para atingi-lo. Mas o que fazer com tudo que nós perdemos no passado? Quantos filmes nós perdemos a oportunidade de assistir por falta de audiodescrição e Libras?

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