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Nunca será tarde demais: casais compartilham histórias de amor na terceira idade
Vida & Arte

Nunca será tarde demais: casais compartilham histórias de amor na terceira idade

Amor entre pessoas na terceira idade é tema de "Ninguém dirá que é tarde demais", protagonizada por Arlete Salles. Casais de idosos e pessoas mais velhas refletem sobre o tema.
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FORTALEZA, CEARÁ,  BRASIL- 04.11.2024:  Amor entre Idosos. Relacionamento romanticos na terceira idade, Alice e Marta. (Foto: Aurélio Alves/UNESCO) (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL- 04.11.2024: Amor entre Idosos. Relacionamento romanticos na terceira idade, Alice e Marta. (Foto: Aurélio Alves/UNESCO)

Quantos filmes de romance protagonizados por pessoas idosas você conhece? A resposta para essa pergunta deve ter demorado para surgir, já que esse tipo de produção não está tão presente no cinema quanto esteve no início da década de 2010.

O envelhecimento ainda é uma etapa vista como o fim da vida. Constantemente associado a apatia, cansaço e sofrimento, essa fase raramente é relacionada ao amor romântico. Não à toa a atriz Anne Hathaway, de 41 anos, revelou em entrevista coletiva realizada durante a divulgação de “Uma Ideia de Você” que não recebia convites para participar de comédias românticas após completar 30 anos.

No mundo real, porém, histórias de amor seguem acontecendo durante a terceira idade, como exemplifica o casal formado pela cearense Telma Rocha e o paulistano Ariovaldo Stanisci, ambos de 78 anos. Os dois se conheceram ainda na infância, quando ambos moravam no Centro de São Paulo. Natural de Uruoca, a aposentada vive em São Paulo, entre idas e vindas, desde os 6 anos.

O casal viveu um romance de permanentes recomeços, sem conseguir engatar em um namoro de fato. “Essa é a quarta que reatamos, estamos namorando e chegamos à conclusão de que nascemos um para o outro. Somos dois seres em um só”, conta a cearense. "A gente sempre se pergunta porque não deu certo antes. Mas acho que agora foi o momento certo. A gente se ama muito e achamos que sempre foi assim”, continua Telma.

Para Ariovaldo, a falta de experiência foi o principal obstáculo no meio do romance dos dois, que estão juntos há seis meses. ”Após essas idas e vindas ao longo do tempo, encontra-se um denominador, a maturidade e a experiência, que tornam as coisas muito mais fáceis, para que a coisa flua. Tudo isso faz parte de uma experiência, de um amor, um respeito”, pontua o paulistano, que em breve irá morar junto de sua amada, em São Paulo.

Não há diferença entre os relacionamentos na juventude e na velhice

Não há diferença em relacionamentos de casais na terceira idade ou mais jovens, segundo Ariovaldo. “Você não pode fazer uma comparação entre o experiente e o jovem, o amor que é compartilhado é o mesmo. Na verdade, as prioridades num relacionamento entre duas pessoas devem ser o respeito, o amor, o carinho, a ternura”.

“Amor, insisto muito nessa palavra, amor, que está um tanto meio difícil, que hoje. Parece que a humanidade perdeu a identificação. Mas, quando existe interesse, objetivos, a coisa se acusa, se transforma, com toda certeza”, salienta o paulistano. 

“Sou feliz e com certeza encontrei meu grande amor e vivo o hoje sabendo que terei um amanhã e o resto é resto”, destaca Telma. Maturidade e honestidade são elementos fundamentais dentro de seu namoro, para que seja algo saudável para os dois. “Sempre com o objetivo de ficar um com outro para sempre. Desafios fazem parte, não pesam tanto quando se existe companheirismo”.

Relacionamentos LGBT+ após os 50 anos

No Ceará, o casal formado pela fotógrafa Alice Oliveira, 68, e a professora Marcyanna Gomes da Silva Oliveira, 50, confirma que a experiência é algo presente em relações entre pessoas maduras. “Hoje, sinto que é muito melhor do que no início, porque temos essa segurança, essa vontade de estarmos juntas. A maturidade nos trouxe isso: a segurança de sermos quem somos — duas mulheres lésbicas em um relacionamento visível para a sociedade. Nós não nos escondemos”, explica Alice, de 68 anos.

“Acho que isso também é uma questão de amadurecimento — essa segurança de me enxergar dentro da relação cada vez mais, sabe? A questão da individualidade”, salienta a professora. “Hoje, sei claramente o que eu quero e o que não quero, para onde vou, quais são os meus limites. Isso traz uma paz maior. A maturidade oferece essa percepção mais profunda de si mesma. Hoje, tenho uma visão muito mais clara do que somos”, conclui.

O número de pessoas com idade igual ou superior aos 65 anos cresceu em 42% no Estado, totalizando 912.559 de idosos, conforme censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022.

“De um modo geral, a sociedade criou um imaginário em torno da terceira idade e acaba presa a ele, mas nós não somos assim. Para mim, a vida é realmente eterna. Estou com 68 anos agora, e, claro, sinto algumas limitações; não é como se eu tivesse 30. Mas nem por isso me vejo como alguém sem tempo de vida à frente. Quero viver até os 140! Acho que o primeiro passo para ter uma vida plena é ter essa mentalidade clara: não ficar preso a nada. Estou vivendo minha vida integralmente, de forma leve, solta”, salienta a fotógrafa, que está com a companheira há 24 anos.

 

 

FORTALEZA, CEARÁ,  BRASIL- 04.11.2024:  Amor entre Idosos. Relacionamento romanticos na terceira idade, Alice e Marta. (Foto: Aurélio Alves/UNESCO)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL- 04.11.2024: Amor entre Idosos. Relacionamento romanticos na terceira idade, Alice e Marta. (Foto: Aurélio Alves/UNESCO)

Amar é escolher

Sob o pôr do sol da Ponte dos Ingleses, point de Fortaleza que reúne casais diversos, a professora Marcyanna Gomes e a fotógrafa Alice Oliveira posam para as fotos que são capa desta reportagem. No canto, Ana Márcia, irmã de Marcyanna e cunhada de Alice, começa a contar, deslumbrada, um pouco da história das duas, juntas há 24 anos.

“Lindas, as duas não é? Estão todos esses anos juntas e defendendo a causa LGBTQ”, afirma Ana Márcia. A história das duas iniciou durante a ida de Marcyanna até uma festa de aniversário na casa de amigos no Iguape. “Nós tínhamos uma amiga em comum que estava na casa dela e havia me pedido ir buscá-la justamente na casa da Alice”, relembra a companheira da fotógrafa paulistana.

“Foi onde nos vimos pela primeira vez. Foi algo bem rápido. Ela convidou todo mundo para entrar, conversamos um pouco e ela me chamou atenção. Mas não houve nenhuma aproximação nesse dia”, descreve a professora cearense. “No dia seguinte, fomos à praia. Lembro que era uma praia próxima ao Iguape, acho que era a Praia do Iguape. Passamos a tarde toda conversando, e desde aquele dia a gente nunca mais parou de se falar”, conta Marcyanna.

A docente de 50 anos ainda rememora que a companheira vinha a Fortaleza todos os dias para vê-la. “Sempre com a desculpa de levar o cachorrinho dela no pet shop, mas eu nunca vi esse cachorro tomar tanto banho. (risos) Não tinha pet shop no Iguape, então ela vinha para cá para fazer tudo isso”.

O relacionamento só se tornou oficial após três meses. Até então, Marcyanna não havia se relacionado com mulheres. Atenção, carinho e cuidado foram os principais aspectos que fizeram ela explorar sua sexualidade com Alice, de 68 anos, que já se entendia como uma mulher lésbica e possui atuação no movimento LGBTQIAP+ há 48 anos.

“Sempre com uma preocupação genuína, ela sempre muito atenta a como eu estava. Esses cuidados, que eram muito diferentes dos meus relacionamentos anteriores com homens, onde eu sentia que tinha que buscar a pessoa, dar atenção, ir atrás”, ilustra a docente.

“Quando comecei a me relacionar com uma mulher, foi diferente. A atenção era mútua, havia mais cumplicidade. Talvez seja essa a palavra que melhor descreva o que me fez despertar: cumplicidade. Isso é algo que vejo muito entre mulheres”, completa Marcyanna.

As duas sofreram muito com o preconceito da mãe de Marcyanna, que, segundo conta a irmã mais velha dela, Ana Márcia, era muito conservadora. No entanto, houve uma reconciliação do casal com a matriarca nos últimos anos de vida, enquanto ela lutava com o Parkinson. A mãe de Marcyanna e Ana faleceu em 2023.

“Minha mãe foi uma mulher negra que sofreu muito com o racismo da família de meu pai, neto de portugueses. Então, no fim da vida contou com as pessoas que ela mais desprezava para cuidar dela. Como a Marcynha passava o dia trabalhando, era Alice quem ficava com ela durante o dia”, relembra Ana, que mora na Alemanha há 34 anos.

As duas oficializaram a união ainda durante o governo Bolsonaro, no ano 2022. Para elas, o segredo de uma relação longínqua é a decisão de escolher diariamente uma a outra. Acho que é uma escolha diária. “Viver juntos é uma escolha todos os dias. Não tem fórmula mágica, mas tem muito companheirismo, felicidade e a vontade de estar junto. Todos os dias a gente decide que sim, amanhã também será assim”, destaca Marcyanna.

“Então, já são 24 anos e a gente trabalha muito com a verdade. Sempre jogamos aberto, não inventamos neuras, é aquilo que é. O respeito e a confiança que temos uma na outra também são fundamentais. Alice tem a vida dela, o trabalho dela, eu também tenho o meu. Às vezes ela viaja, eu viajo, mas a confiança é sempre a mesma.”, conclui Marcyanna.

Peça
Peça "Ninguém dirá que é tarde demais", com Arlete Salles e Edwin Luisi, com texto de Pedro Medina e direção de Amir Haddad

Coragem para amar

"Envelhecer é um privilégio", disse Maria Bethânia em entrevista para a Folha de S. Paulo em 2009. A frase virou uma máxima para o dramaturgo Pedro Medina, autor da peça "Ninguém Dirá que é Tarde Demais", protagonizada por Arlete Salles, avó de Medina.

A obra acompanha a história de Luiza (Arlete Salles) e Felipe (Edwin Luisi), dois idosos que são vizinhos de parede em um prédio e reclamam um do outro. Mas, por uma obra do acaso, os dois se encontram na rua com os rostos escondidos sob máscaras em razão do isolamento social. E mesmo com as faces escondidas, sentimentos entre os dois são despertados.

A ideia para a montagem surgiu dos produtores do projeto Rose Dalney, Marcio Sam e Tulio Rivadávia. "Eu tinha o desejo de fazer uma peça de teatro com a minha avó. Sempre foi um sonho. E levei esse sonho, essa ideia, pra Rose, minha amiga de anos. Ela me apresentou o projeto deles e nós fechamos essa parceria", detalha Pedro Medina.

Mostrar as possibilidades de relacionamentos românticos na terceira idade sempre foi uma das intenções do espetáculo. "Rose, Marcio e Tulio queriam falar de amor na terceira idade, eles se inspiraram, aliás, na música do Los Hermanos, "O Último Romance", que contém a frase "Ninguém dirá que é tarde demais", o título da peça", ilustra Pedro.

"Pouco se fala sobre as possibilidades amorosas nesse momento da vida, é importante que se jogue luz sobre esse tema", destaca o também ator. Para a construção dos protagonistas e da narrativa, o artista se inspirou em duas obras: "Era uma vez em Tóquio" (2005), de Yasujiro Ozu e "Medianeras" (2011), de Gustavo Taretto.

"Pincei ideias dos dois filmes e juntei com reflexões pessoais e uma leitura dos acontecimentos daquele momento mais grave da pandemia de Covid-19. E assim apareceram Luiza e Felipe, os dois protagonistas septuagenários enclausurados em suas respectivas residências em pleno confinamento pandêmico", relembra o também diretor de teatro.

Arlete Salles salienta que falar sobre amor entre pessoas com mais de 60 anos é fundamental em obras artísticas. "Sabemos que existe a intolerância, a estranheza quando se sabe de pessoas com idade mais avançada se apaixonando ou com desejos sexuais. Então, as pessoas às vezes até se horrorizam, é um preconceito. Então, vamos tentar treinar um pouco essas estranhezas".

O também roteirista Pedro Medina enfatiza que a peça é uma forma de reafirmação da longevidade de uma vida com qualidade. "Quero envelhecer, significa que continuarei vivo por muito tempo, gozando dessa existência, do mistério que é a vida. A realidade em que vivemos é opressora, limita nossas possibilidades, nos explora".

"Portanto, realizar um espetáculo que fala que nunca é tarde para coisa alguma é uma reafirmação da vida, um valor que o bom teatro sempre carrega consigo", salienta o neto de Arlete. A atriz chama atenção para a razão da ausência de pessoas mais velhas em obras do cinema e da televisão como consequência desse preconceito e da falta de associação entre amor romântico e terceira idade.

"Talvez para os autores fique mais difícil trabalhar num projeto em que os atores não sejam jovens e que seus personagens estejam nessa busca (do amor), nessas inquietações (da juventude). A coisa estética, também, não podemos negar. Não se pode negar, mas eu como já disse acima, não tenho ainda não lido com esse problema", destaca a artista que esteve recentemente na novela "Família é Tudo", interpretando Frida Mancini.

Filme Ruth&Alex
Filme Ruth&Alex

Amor entre idosos na Cultura Pop

Livro A troca (Beth O’Leary - 2020) 

Escrita por Beth O’Leary, a trama acompanha a jovem Leena Cotton, de 29 anos, e sua avó Eileen Cotton, de 79. A primeira busca descanso e uma mudança radical, já a segunda quer viver um grande amor. As duas então decidem trocar de vida. A avó passa a morar no apartamento da neta enquanto Leena vai se acostumar com a vida de interiorana.

Ruth&Alex (2015)


Juntos há décadas, o casal Ruth (Diane Keaton) e Alex (Morgan Freeman) decidem vender o apartamento onde sempre moraram no Brooklyn. Porém, os dois não imaginavam a quantidade de burocracias que surgiriam durante as negociações da venda do imóvel, adquirido ainda nos anos 1970.


Simplesmente complicado (2009)


A paixão entre Jane (Meryl Streep) e Jake (Alec Baldwin)se reascende anos após o divórcio durante um encontro casual. Mas agora, a protagonista percebe que é a amante do ex-marido. Para completar, Adam (Steve Schaffer), um arquiteto contratado para remodelar a cozinha de Jane acaba se apaixonado por ela. Iniciando um triângulo amoroso complicado.

O Quarteto (2012)


O trio de músicos Cissy (Pauline Collins), Reginald (Tom Courteney) e Wilf (Billy Connolly) moram em um local para músicos aposentados e estão organizando um concerto importante. Com a chegada de Jean(Maggie Smith), ex-membro do quarteto e também ex-namorada de Reginald, os rancores ressurgem e a harmonia do trio é prejudicada.

"Ninguém dirá que é tarde demais"

Quando: 13 a 15 de novembro; 13 e 14, às 20 horas; dia 15, às 21 horas

Onde: Theatro Via Sul (Avenida Washington Soares, 4335 - Seis Bocas)

Quanto: a partir de R$ 19,50

Vendas: No site uhuu.com ou na bilheteria física do teatro

 

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