Estilo tomboy, skate, gravata, muita atitude e rebeldia. Eis alguns dos elementos que uma jovem de 17 anos utilizou para se mostrar ao mundo, na contramão da vibrante música pop, que reverberava no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, com as boybands e com artistas como Christina Aguilera e Britney Spears.
Ela trouxe uma nova perspectiva com sua música e fez milhões de adolescentes se identificarem com suas letras. A "skater girl" cresceu na pequena cidade de Napanee, que faz parte da província de Ontário no Canadá e logo ganhou projeção mundial. Estamos falando de Avril Lavigne.
Mas ela morreu e logo foi substituída. Pelo menos é o que diz uma das mais famosas (e bizarras) teorias da conspiração que circula pela Internet há bastante tempo. Muitos fãs comentam que, aos 19 anos, Avril tirou a própria vida por não conseguir lidar com o estrelato e toda pressão da fama. Em seu lugar estaria uma sósia, chamada Melissa Vandella. Muitas são as especulações e supostas "evidências" nas quais os adeptos dessa teoria se agarram: mudança no timbre de voz, no estilo e aparência.
Com o segundo disco, "Under My Skin", trazendo uma sonoridade mais "sombria" e "taciturna" em comparação ao antecessor "Let Go", vários fãs enxergaram mensagens subliminares que fortaleceriam a hipótese de substituição da cantora por uma sósia, que poderia estar de luto por ter de abandonar sua antiga vida.
A teoria ganha mais força com os próximos discos. Em "The Best Damn Thing", Avril se distancia completamente do estilo "tomboy" que apresentava no início de sua carreira e se aproxima mais do estilo pop o aliando ao punk. Usa salto alto de forma mais constante, roupas e acessórios coloridos, além de recorrer a coreografias em seus videoclipes e apresentações.
Uma mudança radical visto que, no início da carreira, afirmou que era algo que jamais faria. Bateu pé quanto a isso, quando a primeira gravadora com quem assinou, a Arista, quis que ela seguisse o mesmo rumo e estilo das artistas populares do momento.
A cantora que fazia covers do Metallica, Green Day e Guns n' Roses nas primeiras turnês, se sentia cada vez mais "livre e à vontade" para cantar músicas de artistas pop. Aliás, não seria tão incomum já que ela cresceu cantando em igrejas, com influência gospel e country, sendo Dixie Chicks e Shania Twain, algumas de suas referências.
O fato de Avril ser uma mulher na casa dos 40 anos, que parece não ter envelhecido, é usado para endossar essa teoria da conspiração. Bem, mas caso ainda tenha dúvidas: Avril Lavigne não morreu. Nem foi substituída. O que acontece são apenas os desdobramentos na vida de alguém que amadureceu tendo que enfrentar manifestações etaristas do tipo "conservada no formol".
As mudanças em questão de aparência, no geral, não tem um fundamento concreto, pois são baseadas em fotos que possuem edição, diferentes iluminações e ângulos, e quanto à voz, com a maturidade, também viria a mudar. De acordo com o fonoaudiólogo Charleston Palmeira, a voz muda com o passar do tempo. Pode acontecer a qualquer momento e por diversos fatores. "A voz como nosso corpo, mente, comportamento pode e vai apresentar mudanças, ganha mais propriedades" diz o profissional.
Este ano, no podcast "Call Her Daddy", a cantora comentou sobre a teoria de que ela teria morrido e sido substituída pela gravadora, e em meio a risadas e brincadeiras, define como "algo bobo": "Eu acho engraçado. Por um lado todo mundo fala 'meu Deus, você parece a mesma, você não envelheceu nada!' e por outro lado tem uma teoria da conspiração, de que eu não sou eu. Honestamente, não é tão ruim, poderia ser pior, tipo, eu tenho [um boato] dos bons."
Isso surge como um questionamento: artistas nunca podem mudar ou experimentar? Ser uma figura pública não dá direito à mudança de opinião, de estilo, de crenças?
Na faixa "Here's to Never Growing Up" do seu quinto álbum de estúdio autointitulado "Avril Lavigne", a cantora "reforça" o início de sua trajetória tanto na letra, (quando canta "Nunca paramos e nunca vamos mudar, diga, você não vai ficar para sempre? Fique, se você ficar para sempre, nós podemos ficar jovens para sempre") quanto com o visual do videoclipe, reproduzindo o look de "Complicated". Também na faixa "Rock and Roll" cantando "Deixem que saibam que ainda somos do rock and roll" e no início do clipe fazendo referência ao single "Sk8ter Boi".
Luta pela saúde
Em 2014, Avril Lavigne descobriu a doença de Lyme, algo que a fez parar sua vida e carreira. De início, a canadense relatou se sentir extremamente cansada durante a turnê de divulgação de seu quinto álbum, o "Avril Lavigne".
Suores noturnos e sintomas de gripe foram o que a fizeram recorrer a seu médico pessoal, mas sem sucesso quanto a um diagnóstico preciso. Após a situação se prolongar, e a cantora procurar vários profissionais, que lhe deram a mesma resposta: "síndrome da fadiga crônica" ou que ela poderia simplesmente estar deprimida, a artista sentia que era algo mais e procurou se informar até encontrar um especialista na doença de Lyme e a análise foi certeira.
A doença de Lyme é uma infecção causada por um tipo de bactéria transmitida por carrapatos. Ela provoca lesões na pele, no sistema nervoso central e periférico e no coração, além de dores nas articulações.
Avril relata ter sido uma das coisas mais difíceis que já teve de enfrentar, um período sombrio e pesado, o qual a deixou de cama por vários meses.
A artista divulgou para a mídia o diagnóstico da doença em 2015, durante o lançamento da música single "Fly", temática da Paralimpíadas. A cantora contou que queria ser corajosa e dizer ao mundo o que estava acontecendo. Nos anos seguintes, passou a maior parte do tempo em tratamento e repousando.
Rockstar e filantropa
Desde os primeiros anos de sua carreira, Avril esteve envolvida com a filantropia. De alguma forma, sua música e trajetória sempre se aliaram às várias causas humanitárias.
Em 2010, criou a The Avril Lavigne Foundation, uma organização sem fins lucrativos, com o objetivo de apoiar pessoas com doenças graves, deficiências e necessidades especiais. A instituição dedica-se também ao fomento da conscientização sobre doenças autoimunes e condições raras, temas que estão intimamente ligados à experiência de Avril Lavigne, que lidou com a doença de Lyme.
A entidade se concentra em duas áreas principais: apoiar aqueles com doenças crônicas e deformidades físicas, e promover o acesso a atividades recreativas e de integração social, incluindo programas de música e arte. O projeto tem parceria com outras instituições, como Easter Seals, Make-A-Wish Foundation e Fundação Nancy Davis.
Caminhos até a música
Avril Ramona Lavigne nasceu em 27 de setembro de 1984 em Belleville, cidade do Canadá. Criada em uma família ligada à igreja Batista, suas primeiras experiências foram com música gospel, e em feiras locais na pequena cidade de Napanee, a qual a família Lavigne se mudou em 1989.
Aos dez anos de idade, Avril foi para a frente do coral da igreja e cantou seu primeiro solo durante uma produção de Natal. No meio do show, foi até o centro do palco e cantou um minuto de "Perto do Coração de Deus". Apesar de toda a atenção estar voltada à menina de cabelos claros e vestida como um anjo, ela não se sentia nem um pouco nervosa.
Essa se torna uma característica marcante ao longo de sua trajetória: antes mesmo de alcançar o estrelato e o mainstream, todos que tiveram contato com a garota, relataram: ela sempre se mostrava autoconfiante.
Na pequena cidade de Napanee, sempre havia feiras locais e shows de talento nos quais a menina participava, além dos karaokês, em que ela podia cantar as canções de seus artistas favoritos — que na época, se distanciavam bastante dos gêneros pelos quais ficaria conhecida — já que country e gospel eram os tipos de música a que ela tinha acesso.
Ícone que marcou gerações
É inegável a influência da cantora seja na música ou em estilo. No início dos anos 2000 a menina que aparecia com regatas brancas e calças largas, tênis, braceletes de spikes e gravata não imaginava que ela se tornaria até “fantasia de Halloween”. O estilo tomboy de Avril logo se tornou uma de suas principais marcas.
“No meu primeiro show, eu tinha 17 anos, foi em algum lugar de Vancouver, foi uma espécie evento de preparação para mim, era em um clube e era minha primeira ‘apresentação de verdade’ e eu lembro de estar no camarim e ver os fãs em fila para me ver e as garotas estavam todas vestidas como eu, e era o primeiro show, então desde o início, já era algo [consolidado]”
A artista fala que acha muito legal e engraçado como os fãs acompanham e reproduzem sua mudança de imagem ao longo da carreira.
“No meu segundo álbum, 'Under My skin', eu passei a usar mais calças bondage e mechas escuras por baixo, e as garotas usavam as mesmas calças e pintavam o cabelo de loiro com mechas pretas por baixo e olho preto bem evidente e por conta do meu terceiro álbum, o The Best Damn Thing, apareciam com uma mecha rosa bem marcada.”
O estilo da cantora passeou pelo tomboy ao rock glam, sempre resgatando algum elemento do início de sua carreira. Quando questionada sobre três peças essenciais em seu guarda roupa, as escolhas são: moletom de capuz oversized, calça bondage e botas estilo coturno.
A atitude rebelde, uma postura considerada “insolente” e indiferença em suas primeiras entrevistas e divulgações, consolidou a imagem da estrela do pop punk, apesar de Avril revelar que é tímida, e que as pessoas quando a conhecem se surpreendem ao relatar que ela é muito meiga e doce.
A canadense influenciou o trabalho de vários artistas, sendo Billie Eillish uma delas. Billie diz que as músicas de Lavigne marcaram sua infância e adolescência, que a aparência de “moleca skatista” sempre lhe chamou atenção e motivou muito do que ela faz até hoje.
Outra cantora inspirada por ela foi Olivia Rodrigo, que fala sobre o quanto Avril quebrou barreiras e abriu portas para as garotas. A dona do hit “good 4 u” manteve no setlist de uma de suas turnês o sucesso “Complicated”, primeiro single de Lavigne e aponta ter seguido o direcionamento similar ao da canadense em algumas de suas canções.
A habilidade de Avril se reformular enquanto retém sua essência, é um dos motivos pelos quais ela se mantém como um símbolo tão marcante, inspirando diversos jovens na música e na moda.
OP+
Confira perfil completo da cantora canadense Avril Lavigne no O POVO+