Logo O POVO+
"A Palavra Que Resta" ganha adaptações para cinema e teatro; conheça história
Vida & Arte

"A Palavra Que Resta" ganha adaptações para cinema e teatro; conheça história

Primeiro romance de Stênio Gardel explora o tempo e a tentativa de libertação das amarras sociais
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Stênio Gardel, cearense de Limoeiro do Norte e autor de
Foto: Fernanda Oliveira/Divulgação Stênio Gardel, cearense de Limoeiro do Norte e autor de "A Palavra Que Resta"

2024 está sendo um ano de visíveis conquistas para "A Palavra Que Resta", primeiro e único romance do escritor cearense Stênio Gardel. A obra é finalista da 66ª edição do Prêmio Jabuti na categoria Livro Brasileiro Publicado no Exterior. "Sou muito grato por todas as pessoas que encontrei nesse percurso de escrita, publicação e traduções do livro. Essa indicação é um reconhecimento mais que merecido a todas elas", escreveu Stênio em publicação no Instagram agradecendo a nomeação.

A produção literária também ganhou uma adaptação para o cinema dirigida por Fernando Nogari, ainda sem data de estreia, e se tornou texto para peça homônima que está em cartaz no Rio de Janeiro, com direção de Daniel Herz.

Na obra, Raimundo guarda uma carta escrita pelo seu grande amor, Cícero, há 52 anos. Ele não a mostra para ninguém e também nunca a leu porque o pai não o alfabetizou quando era menino. Dizia que isso era coisa de gente que não precisa botar comida no prato. Com 71 anos, Raimundo começa a estudar querendo, um dia, decifrar as palavras do amado com os próprios olhos.

Onde o amor entre dois homens é assunto que não tem vez, o conteúdo da carta perpetua o anseio do leitor e costura uma narrativa de expectativa, na qual desejamos um final feliz antes do ponto final. Servidor público do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), Gardel sentiu o chamado de Raimundo e Cícero durante os Ateliês de Narrativa ministrados pela escritora Socorro Acioli, autora de "A Cabeça do Santo" (2014) e "Oração para Desaparecer" (2023), em Fortaleza.

"A Palavra Que Resta" atravessa oceanos 

Para a surpresa de Stênio, a angústia de Raimundo atravessou oceanos. Há cerca de um ano, em 16 de novembro de 2023, "A Palavra Que Resta" venceu a categoria de melhor literatura traduzida do National Book Award, um dos mais respeitáveis prêmios literários dos Estados Unidos. A obra, publicada em 2021 pela Companhia das Letras, foi traduzida por Bruna Dantas Lobato para a editora New Vessel Press, com o título "The Words That Remain".

Guardando nas páginas um amor calado, "A Palavra Que Resta" é um livro sobre o que não se diz, o que vai além, e, ainda assim, o livro diz muito. Stênio é nascido em Limoeiro do Norte, no interior do Estado, onde só as crias do sertão sabem representar o sertão como ele faz. Lemos e sentimos o cheiro da terra na beira do rio.

Dividindo o enredo em quatro partes, com capítulos pequenos e intitulados de forma simples, o autor é meticuloso na linguagem. A oralidade nos diálogos e monólogos ao longo da história enriquece as vozes dos personagens. "Nem remetente nem destinatário, manchado, amassado. O envelope em tempo de partir, como estaria a carta? As letras ainda carregavam o vigor do braço de Cícero, o vigor com que ele abraçava Cícero de volta? A carta separava e ligava a vida dos dois. Palavra danada! Era a voz do fim, eco de passado não vivido", devaneia Raimundo.

O livro é curto, tem apenas 149 páginas na nova edição da Companhia das Letras. Porém, o tamanho da obra deixa pouco espaço para o desenvolvimento de outros personagens na trama. Há uma personagem, Suzzanný, que consideraria um pecado ter deixado tão pouco de sua história no rascunho final.

A literatura brasileira vem apresentando um mosaico de obras que representam minorias e suas agruras. Autores como Itamar Vieira Franco, autor de "Torto Arado" (2021); Jeferson Tenório, autor de "O Avesso da Pele" (2020); e Conceição Evaristo, autora de "Ponciá Vicêncio" (2003); são grandes exemplos de uma literatura abundante de pautas sociais.

Já na sua 9º reimpressão no Brasil, "A Palavra Que Resta" aborda temas sociais doloridos, como homofobia, transfobia e violência contra a comunidade LGBTQIA . A oralidade exacerbada do texto dá clareza em como esses assuntos permeiam a vida no sertão.

"Homem com mulher, homem com homem não prestava, as pessoas falavam disso, homem tinha que achar era mulher bonita, homem que achava homem bonito não era homem, mas era homem e achava Cícero bonito! E será que Cícero achava Raimundo bonito também?", cisma o personagem principal.

É ainda mais doloroso o fato de que o enredo se constrói sem termos a noção cronológica de onde estamos. Porém, nada muda na compreensão. As ações, as falas e as decisões dos personagens são de extrema coerência com o contexto em que estão inseridos. Podemos seguir a história de Raimundo e Cícero em 1960, ou em 2001, ou até hoje mesmo, em 2024, porém seguindo a acreditar que exista um futuro longe destas amarras.

A Palavra Que Resta

Quanto: R$ 55,92

Onde encontrar: companhiadasletras.com.br

O que você achou desse conteúdo?