Quando chega o período do Ano-Novo, Pedro Parente escreve em seu caderno. Ele fala sobre sua vida, rememora acontecimentos marcantes do último ano e prospecta caminhos para o novo ciclo prestes a se iniciar. Virou tradição refletir a respeito do que passou e do que pode fazer para melhorar em diferentes aspectos.
Na família de Carolina Seligmann, o Ano-Novo também é período de escrever, mas em papéis separados. Um reúne aspectos negativos que devem ficar para trás e não atingir o novo ano. O outro contém o contrário: as boas intenções que os integrantes desejam levar consigo em mais um ano. O detalhe é que o papel dos itens negativos é queimado em uma fogueira.
Para Rut Vega, o Ano-Novo também é tempo de reunir a família, mas o foco não são os papéis. Nesse caso, são escolhidas doze uvas para se comer nos segundos finais para a virada de ano. Elas podem significar várias coisas, mas geralmente representam paz e alegria.
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Rut, Carolina e Pedro são de famílias diferentes e possuem tradições diferentes para o Ano-Novo. O traço em comum é o costume de dedicar uma parte do tempo para deixar a data com um significado mais especial, de renovação e recomeço - simbologias trazidas por essa época.
No último domingo de 2024, o Vida&Arte dá entrada ao novo ano a partir de tradições — particulares, mas por muitas vezes universais — que cercam o período. Seja pulando ondas ou traçando metas, cada um visa sua própria esperança e a chance de concretizar, enfim, um novo ciclo.
Escritas de todo o ano
Desde 2023, o estudante de Design de Moda, Pedro Parente, dedica o dia 31 de dezembro também para escrever. No seu caderno, o momento é de pensar sobre o ano que passou.
Ele aproveita para refletir sobre como tem sido sua vida e para onde deseja ir. Isso começou por não ter condições financeiras ainda de fazer terapia.
O estudante decidiu juntar seu gosto pela escrita com novas possibilidades: "Comecei em setembro do ano passado. Começava a refletir sobre como aquele mês foi para mim, o que eu poderia ter feito… Então, escrevo sobre isso. Antes, eu postava no Instagram, mas agora se tornou mais pessoal".
Em 2024, relata ter aprendido a lidar com o luto, com diferentes demandas e de ter mais atenção consigo mesmo. O que virá para 2025? "Acho que vai ser um ano bem movimentado e espero que eu tenha toda essa força e energia para botar as coisas para frente", declara.
Papéis que ficam e vão
A família da psicóloga clínica Carolina Seligmann, 50, vive há algumas décadas uma tradição de Ano-Novo que contempla tanto a reflexão quanto a vontade de renovação. A cada 31 de dezembro, pouco antes da virada, cada integrante se reúne para escrever.
A dinâmica é a seguinte: cada um escreve em um papel três pontos que não foram bons durante o ano e dos quais deseja se livrar para o ano que está vindo. Além disso, é preciso escrever três desejos importantes para o novo ano. Momentos antes da virada, cada um pega seus papéis e tem um momento individual de reflexão.
Depois, é hora de queimar os papéis que trazem as anotações "negativas" numa fogueira ao som do mantra budista Daimoku.
"Sempre esperamos saúde para as pessoas da família, com certeza. Espero nesse momento também que meus filhos adquiram mais autonomia. O terceiro ainda não decidi", ri.
Doze uvas
Provavelmente você deve ter ouvido falar — ou, quem sabe, até praticado — da tradição de comer uvas no Ano-Novo. Na Espanha, esse é um costume consolidado. No compasso das badaladas que marcam a meia-noite de 31 de dezembro, come-se uma uva de cada vez nos últimos segundos do ano.
Quem compartilha essa tradição é a jovem espanhola Rut Vega, 18. "Na minha família todos nos reunimos, desde pequenos, na casa da minha avó. É tradição fazer um último jantar com pratos exóticos. É um momento cheio de nervosismo, mas muito bonito à espera de um novo ano", complementa.
A jovem também afirma que existem tradições secundárias. Quem quer começar o ano "com o pé direito", por exemplo, deve comer uvas com o pé direito se tocar o chão.
"Para mim, o Ano-Novo significar reunir toda a família em um dia tão especial, sentar todos juntos para jantar e ver todos tão animados e felizes. Isso me dá enorme paz e alegria", relata.
Metas: a tradição do planejamento
No Ano-Novo, as tradições podem ir de escrever sobre os últimos 365 dias a comer uvas nos momentos finais para a virada. Há, entretanto, uma tradição quase universal, que percorre os imaginários e nem sempre são explícitas: a de traçar metas para o ano seguinte.
Os planejamentos variam, mas geralmente visam melhorias individuais. Afinal, a passagem do ano "foi tomando uma simbologia de recomeço" com a consolidação do calendário cristão, como destaca a psicóloga e psicanalista Gladys Pontes.
"O fim do ano também costuma coincidir com o final do calendário letivo nas escolas e com o gozo do recesso em alguns empregos. Para muitos isso se caracteriza como a conclusão de uma etapa, sendo o início do ano uma oportunidade de realizar tarefas pendentes, bem como começar novos projetos", explica.
A profissional pontua como as metas são importantes para as pessoas se avaliarem quanto a planos de vida, desejos e para onde se está indo. Não há necessariamente relação com ambições ou conquistar grandes feitos, "mas de entrar em sintonia com os próprios desejos e a construção de um projeto de vida singular".
Gladys Pontes indica alguns passos que podem ser seguidos para quem deseja estabelecer metas. Primeiramente, é importante "esquecer as receitas prontas e os famosos 'dez passos para o sucesso'", pois cada sujeito é único e as metas precisam ser alinhadas com as realidades individuais.
Há, por exemplo, pessoas que estabelecem a meta de "ler certa quantidade de livros por ano", mas o objetivo é incompatível com a rotina de trabalho e os dias de folga acabam sendo preenchidos por atividades domésticas. Dificilmente elas têm o mesmo desempenho de leitura de alguém com mais flexibilidade. É relevante se questionar se, nesse caso, as leituras estão conforme o interesse pessoal ou só está fazendo porque disseram ser importante.
"É essencial se perguntar o motivo da sua dificuldade em realizar as tarefas envolvidas no cumprimento das metas. Esse tipo de pergunta pode ser adaptada para outras metas estabelecidas e que você encontra dificuldade de cumprir. Assim, conseguimos elaborar metas realistas e condizentes com desejos individuais, evitando as armadilhas da frustração. Não se esqueça, ainda, que o descanso e o lazer são tão importantes quanto o esforço desempenhado na realização das metas", enfatiza.
As metas podem auxiliar no bem-estar caso sejam reflexo de desejos particulares, pois a saúde mental também se relaciona com atividades capazes de conectar os sujeitos com seus interesses pessoais e registros de vida. O registro gráfico também permite ser visualizado e revisitado o que muitas vezes é apenas uma ideia.
"Por outro lado, se as metas são genéricas e baseadas em convenções sociais, existe o risco de fazerem o efeito contrário: gerar sentimentos como culpa, decepção, fracasso, comparação, etc. Isso, com certeza, não é sinônimo de saúde mental", acrescenta.
O psicólogo Rubens Meneses concorda com o apontamento de Gladys e destaca: "Saber o que quer é tão importante como saber o que não quer". Ele enfatiza ser fundamental estabelecer metas e objetivos "diante do desejo de mudança", ainda mais em um período como o Ano-Novo, "visto pela nossa sociedade como uma nova oportunidade de recomeçar".
Como dicas nesse processo, ele sugere tanto reconhecer os limites quanto definir objetivos claros e específicos. Além disso, é importante ter "consciência e maturidade acerca dos possíveis percalços que possam surgir", fazer terapia, atividade física, comemorar suas conquistas e ser realista.
"As metas devem ser divididas em curto, médio e longo prazo. Organizar e separar as metas que podem ser conquistados em um curto prazo daquelas que precisam de mais tempo para se alcançar evita frustrações e desmotivação", esclarece o psicólogo. "Organizar as metas é também uma forma de organizar as emoções. A terapia é um espaço favorável para esse processo", finaliza.
Estante V&A
"O Diário de Brigdet Jones" (2001)
Uma das clássicas comédias românticas dos anos 2000, o filme "O Diário de Bridget Jones", estrelado por Renée Zellweger, Colin Firth e Hugh Grant, acompanha a história de Bridget Jones. Vivendo os seus 30 e poucos anos, ela decide, entre as resoluções de Ano Novo, escrever um diário. A cada capítulo, a protagonista revela suas qualidades e defeitos, além de expor situações que fazem parte da rotina de várias mulheres nesta faixa etária, como problemas com o trabalho e a busca pelo homem ideal. O resultado é um relato picante e bem-humorado de suas desventuras profissionais, familiares e românticas.
Onde assistir: Globoplay e Prime Video
"Amor com Data Marcada" (2022)
A atriz Emma Roberts vive a personagem Slone em "Amor Com Data Marcada". No filme, a ácida jovem gosta de sua vida de solteira e acredita não precisar de um namorado. Enquanto isso, Jackson (Luke Bracey) é um solteiro que foge de relacionamentos. Eles decidem, então, fazer um acordo em meio a tamanha pressão de seus familiares para que ambos encontrem um amor: os dois serão o par um do outro em ocasiões especiais. Esse trato, porém, acabará rendendo situações inusitadas e inesperadas.
Onde assistir: Netflix
"Falando de Amor" (1995)
Baseado no livro best-seller de Terry McMillan, o filme "Falando de Amor" reúne estrelas como Whitney Houston e Angela Basset em uma história sobre quatro mulheres que encontram forças na amizade que as une. Elas se reencontram depois de muitos anos em sua cidade natal. Nas animadas conversas, o foco está na carreira profissional, nos relacionamentos desastrosos e na busca do amor verdadeiro. O enredo se desenvolve entre dois Anos-Novos.
Onde assistir: Disney
Por falar em tradições…
Originária das religiões de matriz africana no Brasil, como a Umbanda, a tradição de pular as sete ondas na virada do ano é uma homenagem à Iemanjá, orixá das águas e dos mares. O ato dos pulos visa atrair boa sorte e deixar para atrás o que não foi bom no ano que passou. Assim, permitir conquistas positivas para o ano que virá.
Aplicada em larga escala, a prática de usar roupas brancas na noite de Ano-Novo é uma tradição originada de religiões de matriz africana e afro-brasileiras, a exemplo do candomblé e da umbanda. As mensagens podem significar tanto desejo de paz quanto purificação para o novo ano que se inicia.
Quando termina a contagem regressiva e o relógio aponta para meia-noite, é quase certo o som do estouro de espumantes. A bebida é símbolo de celebração e já associada ao início de novos ciclos. Antigamente, o champanhe, por exemplo, era considerado artigo de luxo por ser a bebida preferida da nobreza e dos mais privilegiados. Ela passou a ser utilizada em comemorações e segue firme em Réveillons.
Muitas pessoas costumam fazer oferendas para Iemanjá na virada do ano, ainda que seu dia oficial de comemoração seja em 2 de fevereiro. As flores brancas são uma das principais oferendas à deusa dos mares. Em troca, ela dá proteção a quem faz o ritual. Velas brancas ou azuis podem ser acesas.
Apesar de ser o mais procurado, o branco não é a única cor que carrega simbolismo na virada do ano. Muitas pessoas vão atrás de cores específicas que refletem desejos diferentes. O vermelho, por exemplo, é tradicionalmente ligado ao amor, enquanto o amarelo está relacionado ao dinheiro e à riqueza e o verde representa a esperança e o equilíbrio.
Na virada do ano, há quem acredite que a energia entra no corpo a partir dos pés. Por isso, é importante deixar uma nota de dinheiro dentro dos sapatos no Réveillon, como uma forma de garantir prosperidade financeira. Quanto maior o valor, maior a riqueza.
A tradição de soltar fogos de artifício no Ano-Novo surgiu na China, há mais de dois mil anos, e tinham originalmente o intuito de afastar espíritos malignos na passagem de ano. Hoje, é uma das principais formas de demarcar a chegada de um novo ano e faz parte das comemorações de vários países. Em Fortaleza, foi sancionada em 2021 a lei que proíbe uso de artigos que provocam ruído alto em eventos públicos e particulares, como fogos de artifício. Eles precisam, então, ser silenciosos.