"Se aquilo que nos partiu... também nos uniu", murmura um Fernando Catatau ainda mais irreverente daquele que já conhecemos, agora de cabelos ruivos arrepiados e óculos escuros, no terraço de um prédio, enquanto entrega ao violão e à sua voz uma melancolia inconfundível. É ele que está ali, apesar do personagem. O plano desliza para enquadrar o mar de prédios à contraluz do pôr do sol e constrói uma imagem quase sufocante e imensa.
Desde o Alumbramento, coletivo que projetou um novo cinema cearense ao Brasil na década passada, Pedro Diógenes vem contribuindo para compor esse retrato contraditório sobre Fortaleza, de abraço e desprezo, de paixão e saudade. "A Filha do Palhaço" e "Pajeú", por exemplo, também enquadram personagens que remam contra a maré de uma cidade que desaparece até mesmo sob a luz do dia.
Em "Centro Ilusão", Catatau e Bruno Kunk interpretam músicos que vivem às margens de um sonho em comum, de poder cantar e ser livre para encontrar uma forma autêntica de sobrevivência. Eles se conhecem nos bastidores de um concurso de música concorrendo ao mesmo prêmio. Então, eles colidem, mesmo um sendo novato e esperançoso, e o outro mais experiente e amargo.
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Há uma série de citações a músicos cearenses de diferentes gerações. Liderado por um Catatau autêntico a si próprio, a emoção paira sobre o filme na emoção de ver esses personagens juntos, pelas lembranças do que eles significam, e não necessariamente por algo que esteja na trama de um jeito firme. A melancolia de dois músicos deslocados do seu próprio talento é dita sem nuance ou algo que os materialize para além do que dizem didaticamente.
Mas pautado por um entusiasmo comovente, o filme quer ser essa homenagem modesta e delicada, emocionada acima de tudo. Especialmente para nós cearenses, os encontros soam como grandes acontecimentos que estão acima da própria história. Há músicas de Rodger Rogério, Getúlio Abelha, Luisa Nobel e Clau Aniz, por exemplo, e é arrepiante ver Mateus Fazeno Rock interpretando Paulo Sérgio ou Teti aos 80 anos cantando sobre um piano do Catatau. Num momento de virada, a regravação da canção "O Tempo" dá ao filme uma carga de emoção difícil de descrever.
Pedro faz do seu filme um palco onde a música quer viver à sós, como se suas histórias fossem detalhes. Dada a sinceridade de sua homenagem, sabemos que não é, que seu texto tem veracidade por tomar para si a missão de contar essa melancolia engasgada dos músicos independentes, pelo menos dos que vivem em Fortaleza, uma cidade que custa a valorizar quem está à margem.
Como contraponto a essa frustração, "Centro Ilusão" é seu filme esteticamente mais bonito, mais disposto a uma experiência de deslumbre, quase onírica, como se a imagem radiante fosse um sinal de esperança. Há muita sobreposição de imagens e luzes douradas, criando o subtexto de uma miragem urbana para colocar a cidade nessa perspectiva de uma beleza quieta, que é linda, mas não reage.
"O centro vazio da cidade numa terça-feira à tarde… As construções são ruínas que ninguém viu", canta Catatau, enquanto Pedro olha para uma cidade que une peças e as destrói, ou as mói, ao ponto de mudarem o rumo. Ou venderem sapatos. Parece uma rima também com a mesma cidade que uniu o Alumbramento, artistas que se juntam para um completar o que o outro começou.
"Centro Ilusão" é bonito porque respira sua própria crença, da sua vontade de ver outro mundo. Terá suas primeiras exibições em Fortaleza nesta quinta-feira, 16, na abertura da Mostra RetroExpectativa do Cinema do Dragão. Após as sessões, um show no Anfiteatro do Dragão do Mar vai reunir o (intenso) elenco do filme.
Exibição de"Centro Ilusão"
cinema do dragão