Em 1999, o então grande produtor de Hollywood, Harvey Weinstein, capitaneava as barulhentas campanhas do americano "Shakespeare Apaixonado" e do italiano "A Vida é Bela" no Oscar. Vencendo uma campanha mais tímida da Sony Classics, os filmes derrubaram as chances do Brasil: Fernanda Montenegro, que concorria a Melhor Atriz; e "Central do Brasil", que concorria a Melhor Filme Internacional.
Mesmo vista como uma campanha agressiva, e às vezes até mesmo "suja" na descredibilização dos concorrentes, a Miramax era tão experiente nesse manejo político que nunca fracassou ou deixou de ser respeitada - isso até a explosão do escândalo contra Weinstein em 2017 que culminou na sua condenação a 23 anos de prisão após denúncias de mais de 80 mulheres.
Em 2025, uma configuração curiosa se repete. Lisa Taback, que trabalhou ativamente na Miramax em 1999, agora trabalha para a Netflix na campanha feroz de "Emilia Peréz", musical francês que vem tendo seu favoritismo atingido por controvérsias ameaçadoras. Enquanto isso, a mesma Sony Classics é a responsável por "Ainda Estou Aqui", filme de Walter Salles também indicado a Filme Internacional e Atriz como da outra vez.
A essência continua a mesma: só se vence o Oscar tendo uma empresa americana comprometida, dinheiro à disposição, apoiadores importantes na indústria, dedicação e estratégia. O mérito artístico é importante, mas não é crucial. Uma boa campanha, no momento certo, é capaz até de vender algo que o filme não é.
Neste ano, por exemplo, a narrativa ao redor do favoritismo de Demi Moore é a "celebração da carreira" de uma atriz que nunca foi indicada ou venceu grandes premiações. Ela estar ótima em "A Substância", claro, ajuda muito.
A Sony adquiriu os direitos de distribuição do filme brasileiro antes até mesmo da sua estreia em setembro no 81º Festival de Veneza, apostando numa corrida pelo Oscar que já se desenhava desde então. Quando a Academia Brasileira de Cinema confirmou a indicação formal para o filme representar o Brasil na premiação, a empresa americana começou seu trabalho de forma intensa, passando pela apoteótica vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro e chegando nas três indicações históricas ao Oscar.
É preciso fazer que os mais de 10 mil votantes da Academia de Artes e Ciências de Hollywood se interessem em assistir ao filme e que acreditem na sua relevância para uma discussão vigente no mundo. Tem que levar a equipe para entrevistas, debates, manchetes e capas de revista. Isso jamais seria possível sem uma empresa de grande porte acostumada com os bastidores da mídia, por mais sublime que o filme seja.
Distante de 1999, porém, Lisa Taback parece ter negligenciado o impacto real das redes sociais na formação de certa "opinião pública" no mundo digital. É certo que críticas fervorosas contra "Green Book" não o impediram de vencer Melhor Filme em 2019, mas a situação desse 2025 parece ainda mais explosiva.
Em questão de três dias, vimos usuários comuns da internet derreterem por completo a candidatura de Karla Sofia Gascón, protagonista de "Emilia Peréz", que teve seu passado chafurdado pelos brasileiros no X/Twitter numa exposição de falas racistas, xenofóbicas e gordofóbicas publicadas por ela há menos de cinco anos.
Em 1999, expor opiniões controvérsias de uma candidata só seria possível com uma campanha caríssima de investigação e repercussão. Em 2025, tudo isso aconteceu de forma gratuita e totalmente fora do controle das empresas americanas.
A Netflix, até então certa de que venceria pelo menos metade das 13 indicações que recebeu no Oscar, de repente encara o risco de perder todas. Ainda é cedo para cravar que seu jogo está perdido porque ainda faltam 18 dias para o fim das votações e pode ser que a campanha encontre alguma rota de fuga, mas essa virada do tabuleiro muda parte importante dessas "regras não-ditas".
O que é preciso para vencer o Oscar? A nova pergunta é outra: o que é preciso para não o perder? Com o Oscar expandindo sua abrangência internacional, estreitando cada vez mais seus laços com os festivais europeus, será cada vez mais inevitável aceitar que as opiniões que se manifestam fora dos EUA também são importantes.
Se, de repente, um brasileiro anônimo consegue criar um movimento global que questiona a elegibilidade de uma concorrente na maior premiação do mundo - como aconteceu nesta semana contra nosso filme rival francês -, é porque esse jogo mudou.