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Emília Pérez é uma piada colonialista
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Editora-adjunta do O POVO+ especializada em ciência, meio ambiente e clima. Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é premiada a nível regional e nacional com reportagens sobre ciência e meio ambiente. Também já foi finalista do Prêmio Einstein +Admirados da Imprensa de Saúde, Ciência e Bem-Estar na região Nordeste

Catalina Leite ciência e saúde

Emília Pérez é uma piada colonialista

A campanha do filme francês Emília Pérez mostra como a lógica colonialista ainda domina a arte e a ciência, e anseia por uma América Latina sem latinoamericanos
Tipo Notícia
Em entrevista à emissora francesa Konbini, Jacques Audiard afirmou que o espanhol era um idioma
Foto: Reprodução / YouTube Konbini Em entrevista à emissora francesa Konbini, Jacques Audiard afirmou que o espanhol era um idioma "de países emergentes, uma língua de países modestos, de um povo migrante"

Ceci n'est pas une critique de film. O mundo cinematográfico está polvoroso com as 13 nomeações ao Oscar para o filme internacional Emília Pérez, do diretor francês Jacques Audiard. Mas esta não é uma crítica de filme.

Verdadeiramente, o principal erro de Emília Pérez não é ser um filme genuinamente ruim, um musical com péssimas músicas. É ser construído na lógica mais estereotipada e prepotente que apenas um europeu poderia oferecer.

Fora da telona, fantasiando o narcotráfico e burlando dos desaparecidos das guerras, a campanha de Emília Pérez conseguiu marcar todos os quesitos da lista arte ou colonialismo?”.

Em entrevista à emissora francesa Konbini, Jacques Audiard afirmou que o espanhol era um idioma “de países emergentes, uma língua de países modestos, de um povo migrante”. Em outra, também disse que não estudou sobre o México, considerando que sabia o suficiente sobre o local.

Ou seja, para ele, o imaginário do mexicano narcotraficante que só conhece a violência é o único possível para representar o país. Ele não se importa em lembrar que os europeus estão entre os principais consumidores de maconha, cocaína e ecstasy. Guerra e subdesenvolvimento para nós, drogas e riqueza para eles.

Mesmo enquadrando os latinoamericanos a esta realidade apenas, a produção sequer nos permitiu atuar na obra. A diretora de elenco, a mexicana Carla Hool, afirmou que não encontraram boas atrizes mexicanas para fazer os papeis.

As escolhas perfeitas foram uma espanhola, uma estadunidense com raízes dominicanas e outra com raízes mexicanas (mas com zero fluência no tal idioma “de países modestos”).

"Emilia Pérez" é destaque entre possíveis concorrentes ao Oscar 2025 e chega ao Brasil em fevereiro(Foto: Pathé/Divulgação)
Foto: Pathé/Divulgação "Emilia Pérez" é destaque entre possíveis concorrentes ao Oscar 2025 e chega ao Brasil em fevereiro

Eles desejam tudo de nós: nossa estética, nossa moda, nossa natureza, nossa riqueza paleontológica e arqueológica, nossos minerais, nossa arte, nossa música. Tudo menos nós.

Uma América Latina sem latinoamericanos. Um resort, melhor dizendo, um continente de verão para saquear e depois curtir as férias.

Esse modus operandi domina todas as áreas. Na Ciência, eles querem estudar nossos biomas e nossos povos, mas sem a nossa participação.

Acreditam que somente eles são capazes de fazer ciência, então traficam nossos fósseis e patrimônios culturais arqueológicos para museus europeus e lá os estudam, ignorando os pesquisadores perfeitamente competentes e preparados daqui.

Cabe a nós pagar, com as parcas bolsas de estudo, um voo superfaturado para outro continente, para ter a sorte e a autorização de ver e estudar o que nos pertence.

O que me parece é que os europeus só são interessantes se roubarem o que é do sul global. Os museus são amplamente visitados porque estão recheados de itens saqueados do Egito, do Chile, do México, da Colômbia e do Brasil.

Pirâmides, estátuas, infinitas obras de ouro, mantos tupinambás e ubirajaras fossilizados. Os zoológicos só valem a pena se expõem leões, girafas, araras, harpias, gorilas, mico-leões-dourados e onças-pintadas.

Fóssil do dinossauro Ubirajara jubatus, escavado no Cariri cearense, foi traficado nos anos 1990 para a Alemanha e repatriado em 2023(Foto: )
Foto: Fóssil do dinossauro Ubirajara jubatus, escavado no Cariri cearense, foi traficado nos anos 1990 para a Alemanha e repatriado em 2023

Este ano, a França entendeu que, de toda sua extensa produção cinematográfica, a que mais representava o país era Emília Pérez. Nisso, eu concordo: esta é a melhor produção para divulgar a firme e inabalável lógica colonialista que eles, e todo o norte global, seguem forçando sobre nós.

Poderia dedicar a Jacques a música Ojalá, do gênio cubano Silvio Rodríguez. Infelizmente para o diretor, é cantada em espanhol, o idioma dos fortes e resistentes. Diz a letra:

Ojalá que la aurora no dé gritos que caigan en mi espalda
Ojalá que tu nombre se le olvide a esa voz
Ojalá las paredes no retengan tu ruido de camino cansado
Ojalá que el deseo se vaya tras de ti
A tu viejo gobierno de difuntos y flores

Foto do Catalina Leite

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