O quão intrigante pode ser um filme sobre reuniões e articulações do sacro colégio de cardeais que irão eleger um novo pontífice, símbolo maior da Igreja Católica? Edward Berger aposta arriscado com o público que irá cativá-lo em um intrigante jogo de xadrez.
A premissa já parte de um prévio interesse sobre dogmas e costumes religiosos, cercados de segredos e mistérios cuja sociedade não foi feita para saber. Porém, o longa dobra a aposta ao envolver a trama em um xadrez de poder político que escancara falhas humanas e dúvidas sobre fé, além da própria Igreja e dos debates sobre as mais diversas visões de mundo.
Não à toa, "Conclave", indicado em oito categorias no Oscar, tem causado incômodo em maiores apreciadores da fé católica. Por mais que a história da Igreja - e da própria figura do Papa - tenha papel central em discussões atuais, segue distante de questões como diversidade, progresso, convivência e poder.
Quem nos guia neste thriller intrigante é o cardial Lawrence, interpretado por Ralph Fiennes. Curioso, como nós, e rodeado de incertezas, assim como o público, o decano aceita aos poucos a função e vai se convencendo cada vez mais da possibilidade de ocupar uma posição de poder e destaque, embora diga por diversas oportunidades que não.
RELACIONADO | Oscar: curiosidades das concorrentes de Fernanda Torres em Melhor Atriz
É por meio dele que conhecemos os demais membros do conclave. São reveladas as falhas de cada um e vamos questionando as autoridades religiosas designadas a serem exemplos. A partir deste momento, julgamos se elas são merecedoras ou não.
Neste xadrez, cada peça se move com base nas crenças não só na Igreja, mas nas ideologias sobre os imigrantes e a comunidade LGBTQIA+, por exemplo. Também encara a realidade com outras religiões e demais debates que cercam o mundo. Assim como um jogo de tabuleiro, cada ação calculada gera uma mudança no cenário.
A direção de Edward é cautelosa e discreta, no bom sentido, e deixa as atuações e forte roteiro conduzir a trama ponto a ponto. O elenco, direcionado pelos olhos do cineasta, segura o que poderia ser um longa coberto de marasmo e morno, mas se torna envolvente.
Ralpho Fiennes entrega mais uma grande performance marcada por sutileza e olhares confusos, curiosos e atribulados com toda a situação. Outro destaque é Isabella Rosselini, de poucas falas e curto tempo de tela, tal qual as freiras nas instituições, mas decidida e aparentemente a única em todo o jogo a prever e acertar os movimentos.
Stanley Tucci, Carlos Diehz, Sergio Castellitto e Lucian Msamati também convencem como membros da disputa, uns com trejeitos mais estereotipados ou discretos, totalmente coniventes com o roteiro e a essência de cada um.
LEIA TAMBÉM | Fernanda Torres é apontada como favorita ao Oscar em site americano
Entre reviravoltas e mudanças de cenário, a virada final leva o conclave para outra discussão, ainda mais complicada para Lawrence e o público deixar despercebido, podendo causar incômodo aos mais conservadores e apegados a tradições religiosas mais antigas.
Sendo assim, os desenrolares e desfecho final permitem muitas discussões sobre imigrantes; o papel das mulheres e homossexuais na Igreja; e como levar pautas ideológicas para a instituição sem entrar em confronto com a fé.
A experiência que "Conclave" entrega vai além de apenas ritos para escolher o novo Papa, mas um debate sobre temas globais. Ainda tido como discreto na premiação do Oscar com o sucesso de "Brutalista", o polêmico "Emilia Perez" e a arrancada final de "Anora", "Conclave" é o principal candidato a vencer na categoria de Melhor Roteiro Adaptado e merece reconhecimento com a trilha sonora, uma possibilidade de premiar Ralph Fiennes pela primeira vez.