Há décadas a sigla MPB tem sido citada sem a "necessidade" de explicar as palavras que ela contém. Enquanto gênero musical, surgiu no Brasil na década de 1960, na ditadura militar, como uma nova opção de estilo e "sucessora" da Bossa Nova. A ideia era reunir ritmos e expressões musicais já presentes no País e apresentar um novo significado para a música nacional.
Ao longo dos anos, a sua abrangência foi ampliada e ressignificada, por vezes convocando à reflexão dos ouvintes. Essa é uma das ideias da cantora, compositora e MC cearense Carú Lina, adepta do movimento Música Periférica Brasileira. O projeto "valoriza a arte, identidade, sonoridades, dialetos e expressões de culturas periféricas do Brasil, com um olhar especial para o Nordeste".
Cria da Comunidade do Dendê, no bairro Edson Queiroz, Carú Lina iniciou sua carreira aos 10 anos e já se apresentou com nomes como Emicida e Criolo. Chegou a usar seu nome de registro (Carolina Rebouças) por longo tempo no cenário artístico. Hoje, carrega uma "reafirmação identitária", pois "Caru", como afirma, tem origem indígena e significa "forte e guerreira".
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Em sua trajetória, passou por grupos de forró, samba e MPB, mas aos 15 passou a se envolver mais com o movimento hip hop. Carú atuou também como arte-educadora na Rede Cuca e, em 2016, participou de intercâmbio na Suécia com outros agentes culturais cearenses. No país europeu, lançou o single "Mais Valia". Se as conquistas tendem ao individual, não se pode dizer que seu trabalho se restringe ao isolamento, pois integra também coletivos como GhettoRoot's, Negra Voz e Women of Reggae.
Hoje, roda com o projeto Carú InDub, trio formado também por Leo Lima e Olideto Júnior. O grupo faz releituras de reggae, brasilidades, dubs e também apresenta autorais. "Meu trabalho é multicultural. Gosto muito dessa transversalidade de sons. Mas tenho dois pilares que sempre fizeram parte da minha trajetória: rap e reggae", afirma.
Nessa toada, produziu em Pernambuco o EP "Multicultural". A obra foi construída com o intuito de misturar estilos e expressões da "Música Periférica Brasileira" a "níveis regional, ancestral e urbano". No material, foram misturados gêneros como trap, frevo, reggae e Maracatu. Esse movimento deu início ao trabalho autoral que Carú passou a desenvolver, voltado a essa outra ideia de MPB.
Em 2022, foi lançado o EP "Música Periférica Brasileira", a partir de trabalho no Laboratório de Música do Porto Iracema das Artes. O projeto trabalhou urbanidades e regionalidades da música brasileira vindas da periferia. Foram somados gêneros como forró, afoxé e samba a estilos urbanos que vão do funk ao rap.
Carú Lina teve tutoria de André Magalhães e contribuições de Thais Costa, João Pompeu Neto e DJ Janas. Participaram do trabalho artistas cearenses como Leo Suricate, O Cheiro do Queijo, Adna Oliveira, Mona Gadelha, Jocasta Brito e Eliahne Brasileiro. A investigação foi atrás da valorização da "multiplicidade cultural promovida nos guetos brasileiros".
"Nunca gostei de me rotular, apesar de ter os dois pés na cultura reggae e hip hop. Sempre gostei de misturar as musicalidades. Usar o conceito 'Música Periférica Brasileira' foi uma forma que achei para usar essa transversalidade, falar desse pertencimento territorial", explica.
A cantora complementa: "Às vezes, nossas expressões passam por um processo de apagamento. O mercado nos engole por determinadas movimentações. O 'MPB' foi tanto uma forma de eu me identificar para o mundo do meu trabalho quanto abordar essas transversalidades, levantando sempre a bandeira da resistência das expressões periféricas e de nossas expressões enquanto Brasil".
Ela destaca os recortes ancestrais dessa iniciativa, que contempla músicas de terreiro e expressões de matrizes afro-latinas, bem como os sentidos regionais, como o forró e o maracatu. Em sua visão, o trocadilho com MPB provoca à reflexão do que é realmente popular no Brasil.
Carú Lina tem consumido mais músicas regionais e ancestrais do que urbanas, explorando estilos como maracatu, ijexá, forró e coco. A artista também tem explorado "algumas latinidades", como reggaeton e dancehall. A ideia é futuramente lançar EP com foco nesses estilos.
Para dar seguimento às suas investigações, Carú Lina lançou uma campanha de financiamento coletivo no site Vakinha para arrecadar R$ 30 mil. Ela busca o investimento para adquirir equipamentos, criar materiais e lançar uma loja virtual, tentando gerar "mais autonomia para o projeto".
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